Monday, December 22, 2008

O tempo endoidou

Nos últimos meses, uma das frases que mais tenho ouvido é "este tempo está doido". No Verão, cai um dilúvio; no Inverno, fica um sol de rachar, dizem muitos.

Concordo, até, mas acho que não são só os fenômenos da natureza que andam loucos, nosso tempo cronológico-psicológico também endoidou. Se não, vejamos...ando por aí e nem parece que é dia 22 de dezembro. Nem parece que o Ano-Novo vem aí, não ouço ninguém falar nisso. E por outro lado, já vejo bandas e blocos de Carnaval caindo na folia, em pleno dia 18 de dezembro!

Nas ruas, poucas casas estão enfeitadas. Por toda parte, parece haver menos árvores de natal, menos animação, menos pessoas felizes. Onde estão as lampadinhas de pisca-pisca que simbolizam essa época? E as estrelas, e os gorros de Papai Noel? Será que o espírito de Natal desapareceu, como muitos profetizavam que aconteceria?

Também não vejo ninguém fazendo planos, resoluções de Ano-Novo, comentando o que esperam para os tempos vindouros. As únicas coisas que tenho ouvido são "este tempo está doido", "como o tempo está passando rápido", "nossa, esse ano voou".

Voou mesmo. Minha mãe tem a teoria de que o tempo anda passando tão rápido que perdemos a noção do mesmo. Assim, o Natal entra pelo Ano-Novo, que entra pelo Carnaval, e Páscoa, e Dia da Criança, e daqui a pouco tudo vai passar tão rápido que teremos uma data comemorativa a cada dois dias.

Não duvido, não duvido. Hoje mesmo me dei conta "putz, já é 22 de dezembro, daqui a dois dias é Natal". Nem parece que passou assim, tão rápido. Me lembro de estar, "ontem", na praia de Copacabana, brindando a chegada de 2008.

Levei sete minutos pra escrever esse texto...putz, como passou rápido!

Thursday, December 18, 2008

Era só um aperto de mão...

Outro dia estava no ônibus, indo para o trabalho, quando vi dois amigos que se encontraram. Na hora de se cumprimentar, ergueram as mãos no ar e bateram com força uma contra a outra, naquele aperto de mão que faz barulho. E fiquei assim, pensando...

'POC' para mim é o melhor som que descreve esse encontro das mãos no ar. É engraçado porque geralmente é usado em tom de informalidade, entre amigos mesmo. Pessoas conhecidas mas nem tanto, ou que ainda estão se conhecendo, ou que simplesmente se cumprimentam, geralmente apenas apertam as mãos sem barulho.

Nunca tinha reparado como é bonito esse aperto de mão 'barulhento', nem quanta coisa ele representa. Uma amizade verdadeira, um encontro de duas pessoas que se gostam, de amigos que não se vêem há tempos. Cumplicidade, amizade, sinceridade, enfim, todos esses sentimentos de que tanto precisamos.

Um gesto bonito, precedido por todo um movimento, erguer a mão no ar, levá-la para a frente com força, até encontrar a outra. Há todo um ritual, toda uma preparação. E o mais bonito é que é quase automático, quase simples...ninguém pensa antes de dar um aperto de mão assim, é espontâneo, natural, leve, desobrigado, sem pressa.

Em meio à tanta poluição sonora, de buzinas, carros, ônibus, ronco de motos, conversas em voz alta, músicas que se misturam, barulhos de rádio e TV, de sapatos tocando o chão, de coisas caindo, o som das mãos se encontrando no ar parece tão puro e simples quanto o ar sem poluição.

A busca

Ando por aí querendo te encontrar / Em cada esquina paro em cada olhar / Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar...
Palavras ao Vento - Marisa Monte

Não sei onde está. Então, um reflexo. Desço as escadas correndo, saindo de casa. De repente pareceu que o enxerguei no prédio ao lado. Estava lá...

Não, não estava, foi só impressão. Foi só um reflexo mesmo. Chateado, decido não voltar para casa. Vou andar um pouco mais por aí, quem sabe não o encontro.

Como diz a letra daquela música, paro em cada esquina, em cada olhar. Mas só vejo impressões, reflexos, idéias. Ele não estava ali, em nenhum lugar. Nos olhos de ninguém - nem daquela menina bonita, nem daquele senhor, nem nos daquela velhinha, nem nos daquele cara engravatado, nem daquela mulher que está indo trabalhar. Não, definitivamente, não achei.

Continuo a busca, andando por aí, ermo, sem rumo nem tempo. Por quanto terei procurado? Não sei, não importa mais. Agora a busca me absorve, me intima, me envolve, me faz correr atrás apenas disso.
As ruas do Leblon parecem pequenas demais. Ipanema é longe demais, talvez ele não esteja por lá. Irei para lá depois. Agora vou procurar aqui...aqui é o lugar dele, nesse bairro, foi aqui que ele cresceu, foi aqui que viveu, se construiu. Tem de estar por aqui, em algum lugar.

Me pergunto como será ele. Sério? Engraçado? Cômico? Bobo? Inteligente? Sereno? Chato? Teimoso? Perfeccionista? Insistente? Esquisito? As dúvidas agora me consomem, e tornam a busca mais frenética, mais intensa, mais difícil, e ao mesmo tempo, mais envolvente.

Da praia ao Clube do Flamengo, da subida da Niemeyer ao Jardim de Alah, da Padaria 686 ao Mc Donald´s da Praça Cazuza, do shopping à Praça Antero de Quental...não há um canto que fique sem vasculhar, não há nada que não seja procurado, nenhum local escapa à vigia atenta e séria, ao olhar de desejo, de busca, de procura, de encontro.

E no fim, volto para casa entre o ar triste e o ar desolado, cabeça baixa, mãos nos bolsos da calça jeans. Às vezes acho que busco a procura, e não a solução. Mas, que importa...no fim, continuo procurando.

Onde estou eu? E afinal, quem sou eu?

Saturday, November 22, 2008

Noite de goleada

São oito da noite de um dia qualquer. Mais precismente, uma quarta-feira. A essas horas, eu estaria me preparando para sair do trabalho e ir para casa. Mas...hoje não. Especialmente hoje, não.

Estou, mais precisamente, em um carro, no meio do bairro de São Cristóvão, indo em direção ao Maracanã. Hoje é dia de futebol. Para mim, é mais do que um jogo, é O jogo. Porque, de um jeito ou de outro, será meu primeiro jogo como profissional, como repórter esportivo, cronista, jornalista, enfim, seja lá o que for.

A tensão e a ansiedade tentam me consumir, enquanto tento me controlar. É apenas mais uma partida de futebol. Apenas mais um jogo do Flamengo contra o Coritiba. Por outro lado, estou um pouco nervoso. Como será esse negócio de cobrir futebol do estádio? Será que conseguirei não torcer, me mantendo imparcial, como diz a regra? E se o time jogar mal pra caramba, terei o direito de xingar cada um dos jogadores e mandá-los para vários locais pouco agradáveis?

Para disfarçar a tensão, converso com um colega que também vai cobrir o jogo. Deve ser a milésima oitava vez que ele vai. É claro que não vou comentar nada sobre o meu nervosismo, não quero parecer bobo. E tampouco quero admitir que estou me roendo por dentro. Melhor falar sobre o time, sobre os jogadores, saber um pouco como andam as coisas nos bastidores.

Ao chegar no estádio, uma rápida negociação até que encontram minha autorização para entrar. Sabem como é, não tenho a carteirinha da associação dos cronistas, então precisei ligar antes e pedir permissão. Mas nada que atrapalhe. Aliás, onde está o colega? Ele disse algo sobre ir para a arquibancada comum...e assim, é sozinho mesmo que eu subo em direção à tribuna da imprensa.

Tudo é novidade por aqui. Legal, isso, a imprensa tem um bar só para ela e um banheiro também exclusivo. Posso ficar na tribuna da imprensa ou na cabine. Melhor na tribuna. Mal saio, ouço a torcida gritando, festejando, comemorando. Que vontade de gritar junto...mas não, melhor não, sou jornalista aqui, não torcedor.

Começa o jogo, bola rolando no Maracanã. A visão da tribuna não é das melhores, a cabine de rádio/TV quase invade a visão do campo...mas dá pra ver numa boa. O jogo começa equilibrado, com os dois times tocando bem a bola, e sem ninguém ter uma chance muito clara de gol.

E lá vai o Flamengo...lá vai Obina...entrou na área...opa...foi derrubado, é PÊNALTI! E o juiz marca!!!! Comemoração discreta, claro. Afinal, quem é o jornalista aqui? E enquanto isso, a torcida faz a festa.

Lá vai Léo Moura, bateu...ahhhhhhhh, o goleiro defendeu...mas Léo Moura pegou o rebote...é gol. É GOL! Com comemoração discreta, é claro, bem imparcial. A torcida do Fla faz a festa e canta o "parabéns pra você", aproveitando que o Léo está fazendo aniversário hoje. E um a zero pro Mengão!!!

Segue o jogo...agora parece que o Coritiba vai reagir, afinal está perdendo, precisa vencer para continuar sonhando com uma vaga na Copa Sul-Americana, se perder complica...mas quem tá atacando é o Mengão...lá vai Kléberson, recebeu pela direita, arrancou, cruzou...Obina bateu de primeira...tá lá, no fundo da rede...GOL, DOIS A ZERO PRO MENGÃO! E mais uma comemoração discreta, lógico.

Hora do intervalo. Melhor, impossível. Desço para beber um chá gelado, ir ao banheiro, conhecer as cabines de rádio/TV, respirar um pouco. E depois volto para a tribuna de imprensa. Olhando esse estádio, esse campo e essa torcida, fico me lembrando dos tempos de colégio. Sempre gostei de futebol, mas era gordinho e não conseguia ir atrás da bola. Aí, comecei a ficar de fora, assistindo os jogos, muitas vezes imitando o Galvão Bueno (não tinha outro melhor).

Será que veio daí essa coisa de querer ser jornalista esportivo? Talvez. Diziam, na época, que eu não entendia nada de futebol, não sabia nem escalar meu time - o que era uma crítica injusta, diga-se de passagem. Mas, hoje, sei escalar não só meu time, como os quatro grandes do Rio (e se bobear, vários outros do Brasil). Vejo os jogadores de perto, falo com eles e ouço histórias dos bastidores, posto pitacos em blogs criticando esquema tático, formação, escalação, enfim, tudo.

Entro como jornalista no Maracanã e assisto aos jogos que quiser. Fico pensando...o que será que diriam aqueles bobalhões, se pudessem me ver aqui, agora, crachá de jornalista no peito, assistindo ao jogo? Quem é que está por dentro agora, hein?

Me lembro do meu pai, que sempre me apoiou, ligo para ele...e conversamos sobre essa partida. "Agora só falta o Fla meter mais uns 3 para ficar perfeito, pai", digo a ele.

Começa o segundo tempo. O Coritiba pressiona, o Fla se segura bem, com a zaga funcionando perfeitamente. Obina faz fila mas perde o gol. E agora lá vai Ibson...toca para Fierro...toca para Ibson de novo...lá vai ele...chutou....É GOOOOOOOOOOOL!!!!! E eu comemoro mais animado, agora, cantando junto com a torcida. TRÊS A ZERO MENGÃO!!!!

Perfeito, melhor do que isso, impossível...ver uma goleada na minha estréia profissional no Maraca. O Fla faz uma belíssima partida. E lá vai o Mengão de novo...Fernando recebe...arranca...tocou pra Maxi...e É GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL...DO FLAMENGO!!!!! FOI FOI FOI FOI ELE...MAAAAAAAAAAAAAAAAAAAXI!!!!

Quem falou em comemoração imparcial? Bobagem, isso, isso não existe. Quatro a zero Mengão...lindo, lindo, lindo de se ver. E já canto com a torcida, bato palmas, comemoro, festejo. Belíssimo espetáculo.

Vai terminar, 48 minutos do segundo tempo...lá vai Obina de novo...opa, foi derrubado...É PÊNALTI! E o juiz marca!!! A galera pede pelo goleiro Bruno, grita, diz que ele que tem que bater o pênalti. E claro, eu grito junto. Os jogadores chamam...e lá vai Bruno!!!! Partiu, deu uma paradinha, bateu...

É GOOLLLLLLLLL!!!!!! CINCO A ZERO MENGÃO!!!

Belíssimo jogo, uma das melhores apresentações no campeonato, simplesmente impecável. A essas alturas, já comemoro muito, efusivamente - até já recolheram meu crachá de jornalista. Alguém falou em não torcer?

Ah, que noite. Para não esquecer nunca mais!!!

Janela em Movimento

Um sinal de trânsito. Uma curva. Um casal se beijando. Dois velhinhos sentados num banco de rua. Um homem que vai e outro que vem. Um castelinho. Um ponto de ônibus. Um sujeito em uma bicicleta com uma lâmpada piscando na frente, como se fosse um farol. Uma esquina. Uma placa de rua com o nome de um hotel argentino em cima. Uma mulher passeando com um cachorro. Outro sinal de trânsito.

Um sujeito careca ouvindo walkman em uma esquina. Um radar. O símbolo de uma empresa de telefonia. Um canteiro cheio de árvores, vazio. Dois caras estranhos conversando no canteiro. A Baía de Guanabara. Um letreiro de marca de refrigerante e outro de telefonia. Um monte de táxis parados em frente a um prédio. Um túnel.

Outro túnel. Uma loja de carros. Uma estátua. Uma lanchonete. Um botequim. Uma placa com uma seta "siga ou vire à direita". Uma banca de jornal. Uma loja de empanadas. Pessoas andando na rua. Outra curva. Um posto de gasolina. Seguranças conversando apoiados em uma cancela. Um colégio. Um cartaz dentro do colégio. Um orelhão. Um sujeito quase escondido em uma esquina.

Pessoas reunidas em uma esquina. Um letreiro azul e verde de uma loja de tintas. Um cartaz escrito 'Os estranhos' em um ponto de ônibus. Um relógio digital que marca 22h02. Uma senhora em um ponto de ônibus. Outro túnel.

Um caminhão de lixo. Uma padaria. Um sujeito passeando com um cachorro. Uma cancela vazia. Um clube. Uma praça. Uma curva. Outro cartaz escrito 'Os estranhos' em um ponto de ônibus. Uma mancha na parede. Uma curva. Uma árvore enrolada em lampadinhas natalinas. Uma luz verde lá longe. Um monte de tralhas apoiadas em uma árvore. Uma arquibancada.

Um casal passeando. Uma Lagoa. Lâmpadas de mercúrio. Um ponto de ônibus. Uma lata de lixo. O vão da grama entre o ponto do ônibus e a lata do lixo. Um sujeito fazendo exercício. Um homem fotografando alguma coisa. Luzes lá longe. Um clube. Um barco. A lanterna do ônibus da frente. Uma lata de lixo lá longe. Um cartaz escrito "10% de desconto". Uma esquina. Uma placa. Um carro. O letreiro de um prédio. Um posto de gasolina.

O ponto final.

Friday, October 31, 2008

O conto do prédio

Veio andando calmamente pela rua, camiseta, calça jeans, mãos nos bolsos, um cigarro aceso na boca. Parou em frente àquela lanchonete na última fronteira da Rua Voluntários da Pátria - onde de um lado é Botafogo, do outro é Flamengo - e deu uma última baforada.

Era uma bonita tarde de sol de uma quinta-feira qualquer, dessas que a gente nem se dá conta que existiram algum dia. Deviam ser umas seis e pouco. Com o horário de verão, nem dava para notar que já era noite.

Após terminar de fumar, o rapaz jogou o cigarro fora e entrou na lanchonete. Estava quase vazia: um homem tomava um suco, em pé, e outro comia um sanduíche, sentado no balcão. O jovem se aproximou do balcão e pediu:

- Me dá um suco, por favor?
- Claro...aquele velho suco de manga, hã?
- Não, acho que hoje vou variar um pouco. Me dá um de maracujá.

O balconista - já um senhor, com chumaços de cabelo apenas nas laterais da cabeça, boina azul-clara enfiada na careca e uniforme azul-claro - olhou o rapaz desconfiado.

- Tem certeza?
- Absoluta.
- SAI UM MARACUJÁ NO CAPRICHO!!! - berrou o balconista para o interior da lanchonete.

O rapaz era um velho freguês, que todo dia passava por ali. Entrava assim, sempre depois de fumar, e pedia um suco, sempre de manga. Depois, bebia olhando para um centro empresarial em frente à lanchonete, como se estivesse esperando alguém ou querendo ver alguma coisa. Ficava por ali algum tempo, às vezes uma hora, depois pagava e ia embora. Nunca comia nem bebia nada, e não falava nada além de "me dá um suco de manga".

Sua presença já era tão comum que os funcionários da casa já falavam dele, aos cochichos. Alguns tinham a teoria de que esperava por uma noiva, mulher ou namorada (alguns achavam que era um namoradO), e quando a via sair, ia a seu encontro.

Alguns achavam que era um assaltante que pretendia roubar o prédio, e por isso ficava só observando. Outros ainda afirmavam que era muito longe para um ladrão observar um prédio, e o rapaz não usava nenhum binóculo.

Ao entregar o suco, o balconista perguntou:

- Mudou hoje?
- Pois é, não é...
- Mas porque a mudança?
- Achou estranho?
- É.
- Bem, não suportava mais beber suco de manga todo dia.

O balconista riu. Sem conseguir se conter - era a primeira vez que estabelecia um diálogo com "o jovem do suco de manga" - continuou puxando papo:

- Você...todo dia vem aqui, pede um suco e fica olhando para o prédio. Por quê?
- Bem, preferia não dizer.
- Claro...é que...bem...as pessoas falam muitas coisas, sabia? Muitas teorias a seu respeito...os funcionários, os freqüentadores...

O rapaz deu uma risada.

- É sério?
- Claro. Várias teorias, das mais absurdas, sobre porque você fica olhando esse prédio. Você riria se soubesse de algumas. E talvez ficasse chateado com outras.
- Que coisa engraçada...e bizarra, também.
- Pois é...e sabe, não nos aguentamos mais de curiosidade!
- A curiosidade matou o gato - disse o rapaz, sério, terminando o suco e pegando um maço de cigarros no bolso da calça. - Mas já que você insiste...bem, eu adoro aquele prédio.
- Como? Gosta do prédio?
- É, eu adoro. Gosto dele. Sei lá, tem algo que me fascina. Na verdade, todo esse ponto onde estamos. Não sei explicar, sabe? Aí recentemente perdi o emprego, não tinha o que fazer em casa...então venho passear às tardes, espairecer, tomar um suco e olhar o prédio. Acho legal. Acabou virando um hábito.

O balconista olhava o rapaz, perplexo. Então era isso. Bem, realmente uma coisa daquelas ninguém ia imaginar.

- Pois posso lhe ajudar.
- É sério?
- Claro. Eu conheço o porteiro daquele edifício. E ele poderia levar você para conhecê-lo.
- Puxa...que legal! E onde ele está?

O balconista sorriu e apontou para o homem que comia um sanduíche no balcão, e que também havia parado para ouvir a história.

- Deixe eu acabar de comer, que levo você lá - disse o porteiro.

Saíram os dois, atravessaram a rua e entraram no prédio. Conheceram tudo, todos os andares, locais, empresas que funcionavam ali, cada canto, cada curiosidade, a belíssima vista da Baía de Guanabara. Então desceram.

- E aí, o que achou? - perguntou o porteiro.
- É legal. Mas por dentro é como outro prédio qualquer. Por fora é bem mais bonito e interessante.
- Como assim?
- Vamos ali na lanchonete, que eu te mostro.

E os dois voltaram ao bar e ficaram ali, olhando...

- Sabe que você tem razão? - disse o porteiro, sorrindo. - Nunca tinha reparado como é bonito, esses vidros, esses mármores, nesse lugar, a Baía de Guanabara ao fundo, esse pedaço de céu que aparece, o encaixe perfeito com a saída do viaduto, o vento fresco batendo...sem todas aquelas pessoas, sem trabalho, nada, só o tempo passando. Lindo mesmo, cara.

E agora, todas as tardes, quem passa por aquela lanchonete percebe dois homens com um copo de suco na mão, olhando para um prédio...

Monday, October 13, 2008

Pitacos sobre as eleições no Rio

Ninguém fala especificamente de eleições do Rio. Acabei de passar pelo Globo Online, jornal carioca, e tem mais manchetes sobre São Paulo do que sobre a Cidade Maravilhosa. A Folha, sendo jornal paulista, menos ainda. Estadão, tampouco. Se ninguém fala, falamos nós.

Para começar, uns pitacos sobre o segundo turno.

- Gabeira vacilou, e imagino que saiba disso. O adversário estava doido para dividir a cidade, e a frase sobre a vereadora Lucinha caiu como uma luva. Pronto, começou de novo aquela história Zona Sul x Subúrbio. Pode não fazer a diferença, mas, ao mesmo tempo, pode fazer MUITA diferença.

- Paes não tem moral nenhuma para falar de subúrbio, muito menos dizer que é suburbano, pois é filho de família rica da Zona Sul e nunca deve ter ido à Penha antes. Também não tem moral para pedir apoio a Lula, a quem chamou de "chefe de quadrilha" há dois anos atrás.

- Jandira Feghali, do PCdoB (!!!!!) também não tem moral nenhuma para pedir apoio a Paes. Há um mês atrás, ela o acusou de "trocar de partido como quem troca de roupa". Ela falava de quem, mesmo?

- Para mim, Paes saiu-se ligeiramente melhor no debate da TV Bandeirantes. Nem tanto durante as trocas de acusações, quando ambos duelaram por igual. Mas na hora de apresentar as propostas, me pareceu um pouco mais claro e objetivo do que Gabeira, que divagou um pouco em alguns pontos.

- Fica aqui um repúdio à campanha suja, baixa e sem escrúpulos que alguns candidatos vêm fazendo, não só no Rio mas também em outros estados. Panfletinhos com acusações imbecis, insinuações à homossexualidade do adversário, camisetas tentando dividir (ainda mais) a cidade. Esse comportamento não é nada condizente com quem se diz preparado para governar uma cidade.

Thursday, October 02, 2008

O concurso

Quando o Santiago entrou no escritório e foi em direção à mesa do Fontoura, que era seu chefe, este suspirou fundo. Ia começar tudo de novo.

- Bom-dia, chefe!
- O que é que você quer, Santiago? - perguntou o Fontoura, sem tirar os olhos da tela do computador.
- Puxa...nem pra me dar bom-dia!
- Você nunca me dá bom-dia, Santiago. É sempre um "oi" discreto. Quando cumprimenta assim, todo simpático, é porque quer alguma coisa.
- Quebra essa pra mim, chefe.
- De novo essa conversa, Santiago? Já falei que não!
- Por favor...
- Não, não e não. Agora anda, vai trabalhar e não me atrapalha.
- Mas chefinho...
- Chefinho é a tua mãe, Santiago. Olha aqui, hoje é sexta e você tem muito o que fazer. Então anda logo, vai pra tua mesa e começa a trabalhar, senão as coisas vão complicar. E nem ouse falar nada com a Roberta, hein?

O Santiago andava insuportável. Desde o início daquela semana, torrava a paciência de todos no escritório para não ter que trabalhar naquele fim-de-semana. Contava ele - nem todos acreditavam - que tinha que visitar o pai em Valença, porque o velho, de 80 anos, estava muito doente e ia morrer.

Para ir ver o "papai", ele fez de tudo: tentou trocar o fim-de-semana, fingiu que estava doente, pediu para não trabalhar, inventou que tinha quebrado a perna, depois o braço...

A Roberta, que trabalhava no fim-de-semana após o do Santiago, era a vítima preferida dele. Todos os dias ele encostava na mesa dela e começava a conversar. No início ela adorou, pois o achava bonito, mas quando percebeu que Santiago apenas queria trocar o fim-de-semana, passou a nem olhar na cara dele.

Depois de voltar da mesa do Fontoura, na sexta-feira, o Santiago chegou a dar uma meia-trava perto da mesa da Roberta...

- Nem vem.
- Por favor...
- Não quero saber.
- Mas...
- Não, não e não.
- Mas Rô...
- Não me chama de Rô, não me chama de Rô, você sabe que eu odeio!
- Mas Beta...
- Também não me chama de Beta, eu também odeio!
- Mas...
- Não me chama, não, tá, Santiago? Agora sai daqui antes que o chefe te esfole vivo.

Sem alternativa, ele voltou para a mesa. Seu tempo estava se acabando, tinha que pensar. Não podia trabalhar naquele fim-de-semana de jeito nenhum. Decidiu tentar o Fontoura de novo.

- Fontoura...
- De novo, Santiago? Olha aqui...preciso ter uma conversa séria com você.
- Diga.
- Não, não...venha comigo. Aqui não. Vamos fumar um cigarro.

O Fontoura saiu do escritório, com o Santiago atrás. Pegaram o elevador e desceram, o Santiago sem muita coragem de encarar o chefe. 'Vou ser demitido. Agora acabou-se tudo', disse para si mesmo.

Depois de sair do elevador, o Fontoura seguiu até a portaria do prédio, onde encostou do lado de fora e acendeu um cigarro. Deu uma baforada, e sem tirar os olhos do trânsito, disse...

- Santiago, me diz a verdade.
- Como?
- Se você me disser a verdade, ou seja, porque você não quer - ou não pode - trabalhar nesse fim-de-semana, dou um jeito no seu caso.
- Jeito como?
- Um jeito. Boto alguém de outro setor. Digo que você ficou realmente doente. Não interessa.
- Mas o meu pai...
- Não, Santiago, não. Essa desculpa não cola comigo. Você tem algum compromisso que considera inadiável. Ninguém força as coisas desse jeito exagerado como você está fazendo. Aliás, nunca faça isso. Soa ridículo.
- Sim, chefinho.
- E chefinho é a tua mãe - disse Fontoura, com ar irônico.
- Tá bom, eu falo. É...é...como dizer...
- Falando.
- Bem...eu...
- Você...
- É...um concurso público, é isso - disse Santiago, baixinho.
- Um concurso?
- Sim. Uma prova. A segunda etapa de um concurso público. A prova é domingo de manhã e por isso não terei como vir...e estar lá ao mesmo tempo.
- Um concurso, hã?
- Sim...para Furnas. Esse ano é em duas etapas.

O Fontoura ficou em silêncio por um instante, enquanto deu mais uma baforada no cigarro.

- Não precisava nada disso.
- Mas chefe...
- Você podia ter me dito em particular.
- Mas o senhor não ia me demitir?
- Demitir não...só não ia permitir que você fosse - e deu uma risadinha irônica.
- Então!
- Olha aqui, Santiago, era melhor você ter dito logo e pedido uma folga do que ficar inventando desculpas. Mesmo que eu não liberasse, não ia te demitir por querer fazer a prova. Todos tem direito de querer melhorar de vida.
- É...
- Então agora sossega e volta ao trabalho.
- Então posso folgar domingo, chefinho?
- Não - e deu uma risada. - Pode, sim, eu te prometi.
- Obrigado, chefe!
- De nada. E ah, mais uma coisa.
- Qual?
- Chefinho é a tua mãe.

***

No domingo, o Santiago chegou cedo ao local da prova, em uma faculdade particular na Praça XI. Cartão de confirmação e um estojo - com quinze canetas e doze lápis, para o caso de falhas - na mão, ele entrou na fila que levava ao prédio onde faria a prova.
Subiu de elevador, foi procurando até chegar à sala 706, e então entrou.

Depois de assinar a lista, começou a procurar um lugar. Estava cheio e só achou uma carteira livre, no fundo da sala. Ao lado estava um homem abaixado, amarrando o sapato.

- Ei, senhor - disse o Santiago, cutucando o homem - este lugar está livre?
- Está s...
- Não...não pode ser...FONTOURA?
- Santiago?!

Pedidos de silêncio vieram de todos os cantos da sala. Envergonhado, Santiago ficou ali, paralisado, sem saber o que fazer. O chefe o fez se sentar na cadeira vazia. Visivelmente constrangidos, os dois não disseram mais nada.

Terminaram a prova quase juntos. No corredor, Fontoura acelerou o passo e Santiago teve que correr para acompanhá-lo.

- Chefinho...
- Não diga nada, Santiago.
- Mas chefinho...

Irritado, Fontoura o segurou pelo braço e o encostou na parede.

- Olha aqui, chega, tá? Não precisa dizer mais nada. Nem aqui nem na empresa. Eu não falo nada sobre você e nem você sobre mim.
- Pensei que o senhor fosse guardar segredo mesmo...
- Era a idéia. Mas - abaixou ainda mais o tom de voz - não esperava que você fosse fazer a prova no mesmo lugar que eu, muito mais sentar do meu lado! Então se você falar sobre mim, não terei escolha!
- Eu...eu...
- Santiago, vamos ficar assim, tá? O assunto morre aqui.
- Tá.

Soltou o empregado e começou a andar. Dali a pouco parou e virou para trás.

- Mais uma coisa.
- O que?
- Chefinho é a tua mãe.

Tuesday, September 30, 2008

Ipanema Secreta

Caiu a noite na cidade, vinda de lugar nenhum. Depois que o dia foi embora para lugar algum, também acabou meu sábado de trabalho. Sábado tranqüilo, mas de trabalho, ou seja, por si só podia ser muito melhor.

Deixei o escritório e fui em direção ao ponto do ônibus, no quarteirão seguinte. Quando estava quase chegando, o celular tocou. Surgiu um convite. Ipanema. Sim, porque não?

Enquanto falava ao telefone, o ônibus veio. Sensação estranha, essa, entrar no ônibus falando ao celular, ao mesmo tempo em que se dá boa-noite ao trocador, passa o vale-transporte no validador, passa pela roleta. E por fim, me sentei. "Já estou chegando aí", disse, antes de desligar.

Depois de uma viagem de quase quarenta minutos, desci na Lagoa. Agora são nove e pouco da noite de um sábado. Sábado - um dos dias eleitos pelos cariocas como "o dia de sair" (além de outras coisas, também). Mas a Lagoa está absolutamente deserta. Não há vivaalma, nada, ninguém. Apenas o barulho do vento batendo na água da lagoa, que reflete as luzes em volta naquele belíssimo espetáculo noturno, que mesmo passando todo dia por ali, não me canso nunca de apreciar. E claro, dos carros que passam voando pela rua.

Páro no sinal, esperando uma chance de atravessar, e depois de cruzar a via, entro na Rua Maria Quitéria, rumo a Ipanema. Mais uma vez, não há ninguém circulando, nem mesmo carros. Pelas ruas escuras e desertas, parece que nem mesmo o vento se atreve a passar. É impressão minha ou aqui está mais quente que na Lagoa? Ou seria...medo?

Ouço um barulho e olho para trás, o coração aos pulos - mas não, não é alguém me seguindo, foi apenas uma folha caindo no chão. O suor escorre do meu rosto em grossas gotas, à medida que acelero o passo.

Finalmente, depois de pouco andar, chego à Praça Nossa Senhora da Paz. Parece que enfim voltei à civilização: há luzes, barulho de carros, gente, movimento. É verdade que pouco, mas há. Melhor do que nada.

Ah, esse lugar me traz boas recordações. Costumava vir muito aqui há uns dois anos, ouvir rock grátis, beber no botequim, conversar com os amigos, pular, dançar, olhar as garotas, ficar de bobeira na rua ao lado de um pessoal bem alternativo. Era quase um "Baixo Ipanema". Hoje tudo mudou: o rock virou reggae, trocaram as garotas por turistas (e junto, vieram as prostitutas), e o pessoal alternativo por gente rica e tradicional. Perdeu a graça.

Passando pela praça, saio da Maria Quitéria e viro à esquerda na Visconde de Pirajá, principal rua de Ipanema, antepenúltimo trecho da viagem. À medida que caminho, a sensação de solidão e de aflição vai aumentando. Na calçada, não há nada. Ninguém, vazio total. Apenas o barulho do vento e o brilho de algumas luzes, lá longe. E umas três pessoas que surgem do nada, caminhando ali perto. Em plena nove e meia de um sábado à noite, no bairro boêmio de Ipanema, no Rio de Janeiro, a sensação de solidão é impressionante.

O único movimento é o de carros. É bem verdade que há gente em uma casa de suco, em uma padaria, em uma lanchonete. Mas o movimento é muito fraco e muito concentrado. Custo a acreditar. Ao passar por uma galeria, vejo uma placa que chama a atenção:

IPANEMA SECRETA

É isso. É essa Ipanema que eu procuro. A Ipanema da boemia, dos bares, das pessoas andando na rua, celebrando a vida, aquela coisa bem Zona Sul carioca. Dizem que sempre foi um bairro assim. Mas o que vejo é uma avenida-fantasma, onde até o vento às vezes parece ter medo de andar. Onde buscar essa Ipanema...Secreta?

Fico pensando...se está assim em um bairro chique da Zona Sul, imagine em outros onde as autoridades esquecem de olhar. Me pergunto as razões e não encontro. Porque é que no mesmo horário, num dia como esse, na Avenida Paulista, em São Paulo, há tanta gente andando na rua? Será que lá é menos violento? Será que é mais seguro?

A viagem a pé continua. Um mendigo me assusta ao pedir dinheiro, e não sou o único a desviar dele. É a sociedade tentando tornar invisível o que lhe incomoda. Decido entrar em uma loja de departamentos, dar um tempo. Meus pensamentos se distraem. Maldita música da Xuxa sobre escovar os dentes...não consigo me lembrar o que eu estava pensando antes.

O último trecho da viagem, enfim, até virar à direita na Rua Farme de Amoedo. Aqui sim, há movimento - senão nas ruas, ao menos nos bares, restaurantes e choperias, que estão apinhados de gente. A sensação de solidão quase que desaparece, até que viro à direita na Prudente de Morais, rua que leva "para fora" de Ipanema, e instantaneamente tudo volta. Por um momento, pois logo depois um ônibus passa fazendo barulho.

A viagem termina, as dúvidas permanecem.

Monday, August 11, 2008

Trocadilhos infames

Esses estavam aí pela Internet...

O pai da Malu Mader é o Malu Fader.

Voce não tem, mas o Frankstein

Fulano afirma, mas o Arnold Schuaznega

Eu não vou furar, o Juca Kfouri.

Aquilo todo mundo viu, até o Clodovil.

Todo mundo só morre uma vez, mas a Alanis Morrissette.

Eu pulo do barranco, o Luciano do Valle.

Você já morou nos EUA? Não? A Marylin Monroe.

Ao ver uma modelo você fala que ela é bonita. O Miguel Falabella.

Meu pai gosta de fusca, a Rita Cadilac.

Eu gosto de sopa. O Carlos Massa.

A Maria é da cidade, o Martinho da Vila.

Você faria papel de trouxa? A Betty Faria.

Eu acordo mais tarde do que deveria e o Edir Macedo.

Ninguém queria pagar a conta mas a Cassia Kiss.

Eu pinto paredes, o Janio Quadros.

Eu estou perto de casa. O Silvester Stalonge.

O Pateta usa o teclado e o Mickey Mouse.

Eu moro em Copacabana. O Tony, Ramos

Eu escovo os dentes 3 vezes ao dia. O Joãozinho Trinta.

Você já esteve na Europa? A Adriana Esteves.

Eu fumo e o Celso Pitta.

Eu gosto de chá gelado. O Clark Kent.

Eu como pão Seven Boys. O Bill Pullman.

Eu uso telefone convencional. O Edson Cellulari.

Eu como um pouco, a Marisa Monte.

Ele cria galinha. O Paulo Coelho

Eu torço pro São Paulo. O Silvio Santos

Eu tentava pescar pirarucu. A Cláudia Raia

Eu não escapo dela. O Chiquinho Scarpa

Eu aposto na quina. O Airton Senna

A minha campainha faz bip. A do Bill, Clinton.

Eu uso jaqueta. O Al Capone.

Você planta, o Phill Collins.

Você riu desses trocadilhos? Não? O Damon Hill.


E esses aqui vão de bônus...

Eu viajo para a praia. E o José, Serra.

Eu cavo buracos. E o Mario, Covas.

Eu rezo na igreja, e o Evandro, Mesquita.

Eu como camarão, e o presidente, Lula.

Meu pai construía pontes, e a Fernanda, Torres.

Os pilotos cruzam o espaço aéreo, e o Wilson, Sideral.

Eu só como carne. E o Felipe, Massa.

O FHC era sério, e o Itamar, Franco.

Em breve mais. Ou não!!! =D

Monday, July 21, 2008

Até logo, amigo!

Tive alguns padrinhos no jornalismo. Com dois anos e meio de profissão - sendo dois como estagiário - sei muito bem que são poucos perto de todos os que ainda virão.

E na madrugada de ontem, um desses poucos se foi. Com 67 anos, José Monteiro (o Monteiro) era um cara mau-humorado, mas muito alegre. A contradição existe e é possível. Me lembro de tantas vezes que ri com seus palavrões, seu jeito estourado, suas manias engraçadas. Me lembro das longas conversas no fumódromo, ele falando de seus projetos para o jornal, de seus projetos fora do jornal, da vida que seguia, do site que atualizava, do trabalho que não acabava nunca, dos colunistas "safados e filhos da puta" (sic) que ele tinha que esperar mandarem suas respectivas colunas.

Me lembro de longas conversas no bar, esperando o momento em que ele iria embora e poderia me dar uma carona. A imagem que fica é ele debruçado sobre a janela do fumódromo, cigarro aceso, "vendo as modas lá fora". "Sou muito jovem, doutor", dizia ele (que chamava todo mundo de "doutor"). Mesmo depois de perder uma perna por trombose, não deixara de fumar. "Vou deixar de fumar é o caralho, doutor. Porra, tenho 67 anos, deixando de fumar vou viver até os 71, 72, então foda-se, fumo mesmo."

Um padrinho para mim nas horas mais difíceis dentro do jornal. "Quero ir para a rua, doutor", eu dizia, impaciente. "Calma, você vai." Tantas vezes ele disse isso que acabei largando a editoria dele pra ir pra rua, mesmo. Um dos homens que me fez ver que a vida de jornalista não era só rua. "Existe um outro caminho, doutor. Nunca fui para a rua.."

Sentirei sua falta, amigo. Você foi meu primeiro padrinho e meu primeiro professor na escola prática do jornalismo (a teórica é outra história). Aprendi muito trabalhando e convivendo com você, e não vou esquecê-lo.

Esteja onde estiver, fica o meu abraço. Vai com Deus, DOUTOR!!!!

Thursday, July 03, 2008

Tem capítulo inédito de Chapolin no SBT

Sim, hoje passou um episódio INÉDITO de Chapolin. E anteontem passou outro. Vou explicar rapidin pra quem acha que eu tô viajando na maionese, ou que não existem capítulos inéditos.

Chaves/Chapolin estrearam no Brasil em 1984. Mas não vieram todos os episódios de uma vez - na verdade, foram quatro lotes. O primeiro em 1984 (duh!), o segundo em 1988, o terceiro em 1990, e...haveria um quarto e último, em 1992. Como eu sei disso? Bom, a série tem fãs desde que estreou, e há pessoas que assistiram tudo desde os primeiros capítulos, em 1984. Não só assistiram como gravaram!

E porque 4 lotes? Bem, o SBT encomendou alguns capítulos pra ver se a série era boa, rendia, dava audiência. Como a resposta foi positiva, foram ao México e compraram mais capítulos, ué.

E daí, você pergunta? Daí que essas pessoas que acompanham a série desde 1984 notaram que, ao longo dos anos, foram chegando episódios novos, enquanto outros sumiam, saiam do ar. Há provas disso? Sim, é mais do que memória pura - como acabei de dizer, há episódios GRAVADOS em fita e que nunca mais foram exibidos depois. Sou testemunha disso.

E esses 'sumiços' e 'estréias' de episódios se deram em 3 anos: 1988, 1990 e 1992. Além disso, houve mudanças na dublagem a partir de 1990, com risadas e músicas trocadas. E para completar, fãs babões (me incluo aí XD) notaram que tem capítulos com mais de uma dublagem, às vezes duas ou três. Isso é possível de se notar porque vemos os mesmos capítulos de Chaves 733 vezes, em média, então sabemos as falas de cor, e percebemos quando há mudanças. E algumas dessas dublagens têm características de 1988 e outras de 1990.

Enfim. Sabemos todos os capítulos de cor, conhecemos as falas, e percebemos quando alguns somem ou ficam um tempão sem passar. Como repete muito, não é difícil perceber isso.

Pois bem, alguns capítulos simplesmente sumiram ao longo dos anos. Pode ter sido censura, desorganização, enfim, o fato é que desapareceram. Na Internet havia listas deles, e para minha surpresa, pude ver alguns em 2003 - quando o SBT começou a remasterizar seu arquivo. Foi a comprovação definitiva que realmente tinha capítulo sumido. Para surpresa geral, em 2006 o SBT começou a exibir episódios INÉDITOS de Chapolin. Isso mesmo, inéditos.

Não que eles tenham sido gravados agora - só que vieram para o Brasil e ficaram guardadinhos no arquivo da emissora do Sílvio Santos, sabe-se lá porque. Então a palavra correta não seria nem inédito, seria "nunca exibido". E o mais surpreendente é que em 2006 foram exibidos dezenas de capítulos INÉDITOS do Chapolin, sem qualquer divulgação. Fazendo as contas, tinha quase um lote inteiro nunca exibido.

Para surpresa geral, tá acontecendo de novo agora. Vi Chapolin anos a fio, todos os dias, e nunca vi os episódios exibidos anteontem (A história de Cyrano de Begerac) e hoje (O marciano). Outros fãs confirmam: é material inédito.

Não sei se tem alguém lendo isso, mas se estiver e gostar da série, fique ligado no SBT, 13h15. Pode pintar um capítulo que você nunca viu...

Thursday, June 12, 2008

Freedom, internet´s essence

Note: My other texts are in portuguese, but this is a universal theme, so I wrote in english for everybody to read, understand and...find it easily at Google. =)

On university, people have discussions about many things and themes. One of them is about internet and how it changed the world. And one of the main ideas is "before Internet, just a little families were controlling media. It was media from some people to many people. Now, with Internet, it´s from many people to many people". But some companies are trying to change this. They want people to pay to create their sites and blogs, to access sites. They are trying to change the most marvelous thing in Internet - its freedom, that no other media have. The way people have to express themselves in blogs, microblogs, sites, Youtube, and others.Well, Internet used to be even more free. When I started using it, in 1996, just a few sites asked to pay for access, or for a membership. One year later, this number has increased a lot. Why? Money. Companies discovered that they could use internet to earn money and tryed to change it.Did it work? No. Users found a way to enter in this 'pay' sites, asking for passwords with hackers or visiting similar sites that had the same material, but for free. It was like internet freedom itself was fighting against the ones that wanted it to disappear.But it didn´t disappeared. It was the same with Napster, mp3 and similar programs. Internet freedom is so marvelous and has so many possibilities that users always find a way to keep it alive. It´s the best thing on this media: the possibility that you can express yourself, for free and for many, without anyone telling you if you can or cannot do it, when, on which time, and in which ways.It´s marvelous, and until now, companies have lost the battle against it. Musical industry have changed a lot, trying to incorporate themselves on this. Copyright companies have tryed to remove youtube videos, and other video sites, but users have reacted, and internet freedom won. They put so many copies and it was impossible to remove all of them.It´s marvelous, it´s wonderful, and it´s the best thing on this media. I understand companies need to earn money to survive, but there are another ways. They can use online marketing, for example. If they try to stop the freedom itself, they´re just going to lose more and more money, and have fewer site clickings than other free sites.Internet freedom is like the essence of the internet, the way it maintain itself, and it shouldn´t and won´t disappear. For the future of this new and fantastic media.

Thursday, June 05, 2008

Cai a noite

Mais uma crônica. Poderia ser mais uma. Poderia ser a próxima. Poderia ser a última.

De pé em frente à janela, os olhos no infinito lá embaixo, uma garafa d´água na mão. São mais ou menos seis horas. À minha esquerda, há apenas o som distante de gente trabalhando. A luz do sol começa a desaparecer devagar, aos poucos, dando lugar ao brilho das luzes da cidade. A noite. Como gosto da noite. Mas como me soa triste agora.

Bebo um gole. A rua parece cheia, lotada, com gente apressada, bem e mal vestida, indo para um lado e para o outro. Carros passam em alta velocidade. Bares começam a acender as primeiras luzes. Um homem vem caminhando com um jornal embaixo do braço, encontra outro em uma porta de garagem. Se cumprimentam, começam a conversar. Mas nada chama mais a atenção do que o vasto infinito, onde o céu parece terminar lá longe, e de verdade, só vejo isso: além.

O agora parece a mesma rua lá embaixo, só que vazia, sem gente, sem carros, sem os dois homens se cumprimentando, com os bares todos fechados. Como se a noite já fosse a mais alta madrugada. Como se a noite já tivesse ido...além.

Há muita coisa em volta, e mesmo que perceba tudo, não vejo. O olhar é sempre para o infinito...mas não deveria ser...o olhar é sempre infinito? Escrevi errado, de propósito ou errado de propósito? O que erra? É meu olhar, minha sensação ou o texto?

Enquanto penso, a vida lá fora continua correndo correndo correndo. E meu chefe acabou de passar e perceber essas maquinações. E meu olhar parece continuar fixo no mesmo ponto: ali, logo ali, onde o céu parece terminar.

A noite caiu de vez, e agora já vejo umas poucas estrelas brilhando no céu. No além...no infinito.

Monday, May 05, 2008

Referência

Essa mesa costumava ser mais alta. E esse vidro, mais largo e espesso. Costumava ser mais difícil alcançar as coisas, tinha que ficar em pé, quase que subir na cadeira.

Mudei eu? Ou mudou a mesa?

E essas cortinas? Se me lembro bem, pareciam quase brancas quando não estavam na janela. Agora ganharam um tom bege, uma coisa entre o branco e o cinza, e estão cada vez mais amareladas. Sujeira? Tempo? Ou meus olhos?

Mudei eu? Ou mudaram as cortinas?

O pórtico da cozinha costumava ser enorme, gigantesco. Passar por ele era quase como atravessar um portal, de tão grande. E eu nunca tinha reparado bem nessa armação de metal na parte de cima. Agora parece tão...simples. Tão normal, comum.

Mudei eu? Ou mudou o pórtico da cozinha?

E essa manhã? Me lembra colégio, faculdade, aula, ter que acordar cedo, interromper o sono. Essa manhã costumava ser muito chata. Mas...ah, essa manhã enevoada, plúmbea e pardacenta...de quando o sol não nasceu. Nunca tinha reparado como é bonito esse momento, simples, esse silêncio, quebrado apenas por um leve carro passando. Como a luz amarelada acesa sobre essa manhã dá um ar bonito à rua, uma coisa quase que poética.

Mudei eu? Ou mudou a manhã?

E o sono? Ah, ele costumava ser mais profundo, mais bonito, mais descansado. Mas...o sono continua sendo um dos raros momentos de...descanso...em meio à vida agitada e corrida, um dos raros momentos em que é possível relaxar quase que inteiramente. Bem...às vezes há um despertador para atrapalhar...mas há sempre um sono sem despertador. Que bonito esse silêncio do sono, essa paz que ele costuma transmitir.

Mudei eu? Ou mudou o sono?

Sono. O sono costumava ser uma coisa chata, irritante, e de vez em quando ainda é. Dormir. Tanto tempo perdido, oito horas, dormindo. Mas que palavra legal essa, "sono". Legal mesmo, nesse termo. Porque "sono" lembra "som", mas é justamente o oposto. É justamente ver o rosto do outro em paz, tranqüilo. Há sonos agitados, há pesadelos, há sonhos ruins - mas descanso é sempre bom.

Mudei eu? Ou mudou o sono?

Esse travesseiro costumava ser mais confortável, mais macio, mais fofo, digamos assim. Costumava ser mais agradável. E costumava ser mais limpo, ter cheiro melhor. Mas como é bom poder deitar e recostar a cabeça em algum lugar macio!

Mudei eu? Ou mudou o travesseiro?

Tudo começou como uma grande referência das coisas, um olhar...e virou um grande espanto de coisas que parecem tão óbvias que nem se pára para pensar nelas. O que parecia ruim parece se tornar melhor, se olhado de outro jeito, outra forma, outro espanto.

Mudei eu? Ou mudou o texto?

Tuesday, April 29, 2008

O sonhador, a chuva e o banco do parque

Caminhava devagar, a passos lentos, chutando as pequenas pedrinhas do caminho. Então, fez a curva e deu de cara com o enorme portão de ferro. Olhou para os lados. Para trás. Lá para dentro. Ninguém. Empurrou o portão, que se abriu com um rangido, e entrou no mesmo passo lento.
No céu, apenas a lua e as estrelas. No interior do parque, seguiu o caminho de pedra por entre as velhas lamparinas, até achar seu banco preferido, encostado a um poste meio torto, a lâmpada já parecendo que ia cair a qualquer momento.
Olhando para os lados mais uma vez, viu que não havia ninguém. Respirando fundo, tirou um lenço do bolso da calça, passou na testa, guardou o lenço de novo e se sentou no banco.
Ficou ali, olhando para o horizonte, para o ponto onde a montanha parecia se encontrar com o céu estrelado, sentindo a brisa leve bater em seu rosto. Ouvindo o silêncio calmo da madrugada, quebrado talvez por um ruído de algum animal próximo, um grilo quem sabe. Nada mais. Apenas o silêncio. Apenas o barulho de seus pés batendo um contra o outro. E ficou pensando...
Não aceitava. Não queria aceitar aquilo, de jeito nenhum. Doía. Machucava. Incomodava. Sentia falta. Precisava. Mais do que uma necessidade, era quase uma obsessão. E agora...estava acabado. Tudo acabado.
Por mais que tivesse feito, não havia jeito de mudar, reverter ou trocar, não havia como substituir. As coisas chegaram a tal ponto que tinham se tornado rígidas. Não havia meio de voltar ao que eram, simplesmente porque haviam deixado de ser.
O vento soprou, levantando folhas, poeira do chão. Alguma coisa bateu em uma pedra, ali perto. O silêncio, só o mais profundo silêncio.
E agora? Sabia que as coisas estavam assim, estáticas, fixas, rígidas, e fim. Mas estava triste com isso. Porque, porque tinha que ser assim, desse jeito? Não podia ser de outro? Não queria mais que fosse assim. Queria que fosse do outro jeito.
Mas como faria para mudar? Não havia mais meio de mudar, as coisas simplesmente já não eram mais...não existia meio.
Uma lágrima escorreu por seu rosto, e a ela se juntou mais uma, e mais uma, e mais outra, até formar um choro quase convulsivo, entremeado por soluções e aparado apenas pelo lenço. Era pouco: as lágrimas escorriam por suas mãos, por seus dedos.
Levantando apenas os olhos, ficou olhando o horizonte lá longe. E, não sabia se era efeito do sono ou do choro, tudo começou a girar...as pedras, as árvores, o chão, o céu, o horizonte...tudo começou a se desfazer...
Agora não estava mais no parque à noite. E não era mais adulto. Epa. Estava se vendo. Sim, lá estava ele, com seus cinco anos. Onde foi que já vira algo parecido?
Lá estava: ele, pequenino, de mão dada à mãe. O dia, porém, não era nada bonito: nuvens negras de chuva se avolumavam no céu do parque e grossos pingos de chuva começavam a cair.

- Mamãe, mamãe...tá chovendo...não gosto de chuva...não posso brincar...

As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto do pequeno, enquanto a mãe o agarrou pela cintura, o ergueu e tentou tirá-lo dali, enquanto enxugava suas lágrimas.
Foi atrás: não estava entendendo nada e queria acompanhar a cena. A mãe seguiu até uma árvore, onde botou o pequeno, ainda chorando, no chão.

- Mamãe, mamãe, tá chovendo...não gosto de chuva...eu quero sol...eu quero sol!
- Mas meu filho, tá chovendo...não dá pra fazer sol agora!
- Mas eu quero sol...eu quero brincar...e com chuva não dá...eu quero que faça sol!
- Mas meu filho, não dá...
- Eu quero, eu quero...

Quase perdendo a paciência - visível por seu rosto irritado - a mãe tirou alguma coisa plástica da bolsa e desembrulhou. Uma capa. Enfiou no filho pela cabeça, cobrindo o pequeno quase todo.

- Pronto.
- Hã?
- Você quer brincar?
- Quero, mas eu quero que faça sol, com chuva não dá!
- Quem disse que não?
- Não dá, a gente se molha todo...
- E isso por acaso é ruim?
- Eu quero sol...
- Você tá de capa. Agora pode ir brincar.
- Eu...
- Anda, vai brincar. Você tá de capa, molhar um pouquinho não vai ter problema.

Deu um passinho na direção da chuva. Voltou. Olhou para a mãe, que o encorajou. Ameaçou fazer cara de choro...

- Anda logo!

Deu dois passinhos...mais dois...mais três...cinco...vinte...e dali a pouco estava brincando entre as poças, pulando, aproveitando ao máximo a chuva.

Tudo girou, foi se desfazendo...e estava de volta à noite, ao banco, ao horizonte.
Olhando uma última vez para o céu estrelado, já sem choro, sem lágrimas, mais calmo, foi caminhando lentamente em direção à saída.

Vou sair pra ver o céu
Vou me perder entre as estrelas
Ver da onde nasce o sol
Como se guiam os cometas pelo espaço
E os meus passos...
Nunca mais serão iguais...

Indefinido

Olhou as horas no relógio: cinco e meia. Bem a tempo.

- Quanto ficou a corrida?
- Vinte e cinco - respondeu o motorista de táxi.

Puxou a carteira, tirou duas notas e deu ao motorista. Em seguida, desceram os dois do carro para retirar a bagagem do porta-malas.
Agradeceu e puxou a mala para fora, botando-a na calçada. Com ajuda das rodinhas, começou a levar a bagagem para dentro. O motorista entrou no carro, acelerou fundo e se foi.
Deu dois passos, atravessou a porta automática de vidro e entrou no saguão. Entre pessoas e bagagens, senhores de terno, engraxates, painéis de aviso de vôo e chamadas de embarque, atravessou o aeroporto em busca do balcão do check-in.
O tempo. O tempo que não passava. A todo instante, olhava o relógio com ansiedade. A fila para confirmar a viagem parecia que ia demorar uma eternidade.
Finalmente, com check-in feito, bagagem na mão, chocolate para a viagem, puxou a mala de rodinhas em direção ao portão de embarque. Enfim.

- Ei! Espera!

Olhou para trás e procurou quem falava, como quem diz "é comigo?". Sem perceber nada, continuou a andar.

- Espera aí. Onde você vai?

Conhecia bem aquela voz. Não. Não era possível. Será?

- Por favor, não vai não.

Parou. Se virou para trás. Confirmou suas suspeitas. Fechou a cara.

- O que você está fazendo aqui?
- Vim impedir que você faça essa besteira.
- Besteira? VOCÊ vem me falar fazer em besteira?
- Por favor...não vamos discutir no meio do aeroporto...
- Não tô discutindo, ué. Você falou comigo e tô respondendo. Aliás nem sei porque, eu devia estar indo embora, vou perder o vôo.

Tentou se virar para trás, mas sentiu seu braço ser segurado.

- Me solta.
- Você vai me ouvir.
- Não quero ouvir nada agora, não tenho mais nada pra ouvir. Nem pra falar.
- Pensa bem...
- Já pensei.
- É? Então porque simplesmente não me ignorou?

Sentiu um calor subir por seu rosto. Sua vontade era soltar uma bofetada ali mesmo.

- Não é nada disso...é...você não tá me deixando ir.
- Quem quer não se deixa segurar.
- Quer parar de filosofar e soltar meu braço, por favor?
- Não solto nada. A gente vai conversar.
- Olha aqui...não quero conversar mais porra nenhuma com você, tá legal?
- Acho melhor você falar mais baixo e sem palavrões. Tá todo mundo olhando.

Engoliu em seco. Voltando a si, balançou o braço e tentou se soltar.

- Quer me largar, por favor? E parar com essa cena...olha o mico que estamos pagando!
- Não paro nada até você aceitar conversar.
- Mas que diabo de conversar? A gente já falou umas setecentas vezes. Já brigamos, discutimos, quase saímos no tapa, mas nunca chegamos a um acordo.
- Somos dois teimosos.
- Ainda bem que reconhece.
- Mas isso não quer dizer que a gente não possa tentar de novo.
- Pra acabar tudo como da última vez? Pra gente ficar bem e no dia seguinte você vir demonstrar suas preocupações e medos e fobias e inseguranças? Dizer que como tá não dá pra ficar? Isso já encheu, encheu. Cansei. Tô de saco cheio. De saco cheio. Não agüento mais essa insegurança, essa falta de determinação, essa vontade de não saber e não definir o que você quer.

Atenção senhores passageiros. Última chamada para o vôo 4637 rumo à Lisboa. Embarque imediato portão 5.

- É o meu. Tenho que ir.

Sentiu o braço ser solto. Ajeitou a manga. Se virou, e sem olhar para trás, começou a puxar a mala em direção à sala de embarque. Foi quando ouviu, em alto e bom som:

- EU QUERO FICAR COM VOCÊ.

Parou por um momento. Não era possível. Estava ouvindo aquilo? Ou...estava dizendo aquilo? E bem alto, no meio do aeroporto, na frente de todo mundo? Logo quem...logo quem dizia que nunca sabia...

- NÃO POSSO DEIXAR VOCÊ IR EMBORA ASSIM, DESSE JEITO, EU NÃO SEI O QUE SERIA...NUNCA MAIS VIVERIA DO MESMO JEITO, NÃO SEI DIZER NEM EXPLICAR...MAS QUERO VOCÊ AQUI. POR FAVOR...NÃO VÁ EMBORA. EU...EU...EU...COMO É QUE VOU DIZER ISSO...AMO VOCÊ. MAIS DO QUE QUALQUER COISA.

O tempo parou. O aeroporto parou. Parecia que nem o vento estava soprando lá fora. E que todos em volta observavam a cena, alguns em êxtase, outros com a respiração suspensa, outros muito surpresos.
Parado, soltou a mala, que bateu com força no chão. E se virou bem devagar. Só os dois se moviam. Nem uma respiração.
E foram caminhando um na direção do outro, bem devagar, parecendo muito sérios. Até que se encontraram num beijo longo e profundo, enquanto o bilhete de vôo, rasgado no meio, voava para algum lugar bem longe.
O tempo voltou a andar...enquanto eles ouviam dezenas, centenas de aplausos, que iam do homem do balcão do embarque ao engraxate.

Monday, April 28, 2008

Teaser

A realidade, por si só, pode ser muito engraçada. Pode ser porque é estranha, diferente, bizarra, ou simplesmente, porque tem pormenores que a tornam inimaginável em qualquer outra situação.
Vivemos num mundo doido e com cada vez menos espaço para essa realidade. Mas ela merece um lugar só para ela.

Aguardem.

Friday, April 25, 2008

Desânimo

Ando por aí e bate um desânimo...
O ato de "andar por aí" já é perigoso. Preciso olhar a todo instante para trás, para frente, para os lados, para cima. Não me descuidar mais um minuto sequer, pois a morte "espreita em cada esquina". Por mais que haja locais melhores e piores, a ordem parece ser "não vacile nunca, jamais". Nem na Zona Sul, uma espécie de "ilha de fantasia" carioca, a gente pode parar um minuto para amarrar o sapato.

Medo da nossa cabeça? Talvez...

Se ando por aí de ônibus, o desânimo só aumenta. Agora, além de me preocupar com assaltos e ladrões - preciso manter o olhar fixo na porta, o tempo inteiro, e descer se observar algum "elemento suspeito" - ainda tem o incômodo de não achar lugar para sentar, ficar espremido em pé no ônibus, sob um calor africano, no meio de um engarrafamento horrível, atento para ver se enfiam a mão nos meus bolsos para roubar o celular, a carteira, se abrem a mochila. Não dá nem para descansar a cabeça um minuto que seja.

Medo da nossa cabeça? Talvez...

Ando por aí - mantendo a atenção - e vejo abandono total, em tudo, em todos os aspectos, em todos os níveis. Pichações em fachadas de prédios, gente dormindo na rua, lixo e sujeira, trânsito totalmente congestionado, praias perigosas, ruas perigosas, avenidas perigosas.
Ando por aí e vejo dengue, febre amarela, gente com fome, hospitais lotados, descaso, miséria, pobreza. Não mais nos guetos, nos grotões: a pobreza que as classes mais altas empurraram para fora de suas vistas, na década de 60, está batendo em suas portas pintadas e decoradas, de arma em punho, cobrando a enorme dívida que nunca foi paga.
Vejo um povo que não é "povo", é "público" - mas não o culpo por isso. O dia-a-dia de um trabalhador é muito duro, sim, são dez, doze horas voltado à labuta, para ganhar o dinheirinho suado no fim do mês, para mal conseguir comer, sustentar os filhos, levar uma vida que seja digna.
Ando por aí e vejo as escolas abandonadas, alunos sem aprender. Ando por aí e vejo gente desmotivada, sem emprego. Está mudando? Claro. Mas estamos cansados de gerúndio.
Ando por aí e vejo imbecilidades por toda a parte, gente querendo soluções simples para problemas complexos (Estado da Guanabara...legalizar drogas...proibir armas), o medo nos olhos, nos gestos, nas palavras. Medo de ser assaltado, medo de morrer, medo de não ter onde morar, medo de perder o emprego. Medo de perguntar e de dizer as horas.
Ando por aí e vejo um Rio de Janeiro cheio de potencial, capaz de ser um dos maiores pólos de turismo no mundo - mas que está jogando tudo isso fora, pela janela, com todo esse abandono, em todas as partes, em todos os níveis.
Ando por aí e vejo uma justiça corrupta, uma polícia corrupta, um poder público corrupto, tudo corrupto, tudo corrompido, tudo comprado - e tudo vendido. Nem o esporte, de tantas alegrias, anda bem. Muito dinheiro, muita corrupção, bons jogadores sendo vendidos precocemente, ídolos que não tem nada de ídolos, péssimos e horríveis exemplos.
O que é pior, ando por aí e vejo um círculo vicioso terrível, que envolve tudo o que descrevi e muito mais, e do qual não vejo saída. Sabem, estou triste e desanimado. Gosto do meu país e da minha cidade, mas isso aqui não é mais lugar para se viver. É com muita tristeza que digo: quero ir embora daqui.
E se pudesse, já tinha ido.

Thursday, March 20, 2008

Conversa de bar

Inspirado em fatos reais.

A Ana e a Paula estavam há meia hora no bar, bebendo um chope. A Ana volta e meia mexia no cardápio, procurando o que comer. A Paula parecia mais interessada em conversar.

- ...e então o Hugo veio, com aquele jeito dele, e me olhou...na hora fiquei, você nem imagina...
- Ah, eu sei o que é isso, amiga!
- Pois é Ana...a gente sempre suspirando pelos caras...e no fim, não valem nada...acredita que outro dia o esquisito do Danilo me chamou pra sair?
- Hum...parece gostoso!
- Hein? O Danilo? Aquele esquisitão?
- Hã? Não! Tô falando desse filé, esse com fritas que tá aqui no cardápio!
- Ah...também é esquisitão.
- É? Bem...então quem sabe um frango...
- Mas amiga, você não sabe da maior...o Júlio tá dando em cima da Suzana!
- Não me diga!!!! A Suzana, aquela louca? Aquela que trabalhava comigo e que tinha a mania de cantar Blowin in The Wind sempre às 15h43min e 5 milésimos da tarde?!
- É, essa mesmo...agora ela tá trabalhando lá no escritório.
- Não me diga! Jura?
- Pois é. E o Júlio tá dando em cima dela!
- Júlio não é seu chefe?
- Pois é, ele mesmo! Vive falando galanteios pra ela...outro dia deu até chocolate!
- Não me diga!!!! E ela, e ela?
- Ah, tá se aproveitando da situação, né...aquela filha da mãe...finge que gosta...ele fica mais incisivo...aí ela recua...mas ele parece que tá gostando mesmo!
- Paula, vamos comer alguma coisa?
- Ah, vamos, né...a gente fica aqui conversando e esquece da vida. Vê aí o que tem no cardápio.
- Deixa ver...frango assado...estrogonofe...lombo...
- Ai amiga, por falar em lombo, você não sabe quem eu descobri que tá trabalhando na empresa!
- Quem, quem?
- A Flávia!
- Não acredito! Mas você anda com pouca sorte, hein, amiga? Logo a Flávia, aquela metida?
- Pois é!
- Mas vem cá...o que isso tem a ver com lombo?
- Ai amiga, nem te conto...ela tá com um bundão...um corpaço!
- Jura? Mas era magra que nem um bacalhau!
- Pois é, mas agora tá com uma retaguarda...passa e os homens ficam todos olhando. Parecem...parecem...
- Pão-doce...
- Isso, parecem moscas em cima do pão-doce!
- Não, amiga, tô falando do pão-doce de comer que tá aqui no cardápio...
- Ah, bem. Mas vem cá...não te contei da viagem que a Julinha fez com a gente pra comemorar o niver dela?
- Não...
- Ah, foi um espetáculo! Ela alugou um barco, sabe? Bem na verdade não alugou um barco...comprou um passeio de barco.
- Puxa, que máximo!
- Não é? Chamou um grupo e deu R$ 15 pra cada um. Fomos até as Ilhas Cagarras.
- Hum, parece ótimo...
- Saímos ali da Marina da Glória, cedinho. O barco é um espetáculo, tem tudo...banheiro...bebida...
- Churrasco...
- Churrasco, isso...fizemos um belo churrasco! Mas quem te contou, hein?
- Hã...eu tava falando desse churrasco aqui do cardápio.
- Ah tá. Mas você só pensa em comer, amiga? Deixa eu continuar contando. Aí levamos biquíni...ficamos pegando sol...um marinheiro gatíssimo no barco...foi um dia maravilhoso!
- Paulinha, o que é que a gente vai comer, hein? Tô com fome...
- Ah é...sei lá...pede qualquer coisa aí.
- Qualquer coisa?
- É...um filé com fritas tá ótimo.

Reflexões de um metrô

Ainda estava no alto da escada rolante quando ouviu o apito do metrô. O trem ia partir.
Segurou a pasta com mais firmeza e começou a correr, subindo o mais rápido que podia. Correu correu correu...e pegou o trem no exato instante em que a porta se fechava.
Ainda ofegante, respirou fundo e procurou um banco para se sentar. Achou um num canto do vagão, entre uma velhinha e um senhor engravatado. Sentou, pôs a pasta no colo e logo o trem arrancou, rumo à próxima estação.
Fechou os olhos e tentou relaxar. Não conseguiu. Naquela manhã chuvosa e fria de quarta-feira, não sentia qualquer vontade de ir para o trabalho. A rotina estava deixando-o desanimado, cansado, estressado. Contas a pagar, papéis a assinar demais. Há cinco anos no mesmo lugar, vendo as mesmas pessoas - estava cheio. Já não sentia mais vontade de sair para tomar uma cerveja depois do trabalho, o que fora um de seus maiores prazeres.
Não fora ontem mesmo que o chefe gritara com ele porque enviara um relatório com as duas folhas grudadas? E não fora há dois dias que o chefe gritou com ele porque enviara os relatórios com as pontas dobradas e cinco minutos depois do tempo previsto? Não fora ontem que discutira com o colega...por causa de uma tomada e um recarregador de celular?
Podia procurar outro trabalho - mas achava que dava muito trabalho. Com cinco anos de firma, o adicional do salário era bom. Não se arriscaria a procurar outro emprego e perder o que já tinha.
Em casa as coisas também não andavam boas. Antes de sair de casa, discutira de novo com a esposa. A velha história: ela reclamava que ele não tinha tempo para ela. Ele dizia que não era bem assim, que quando chegava em casa ela estava sempre ocupada. E os dois começavam a discutir de novo, até ele decidir bater a porta da rua e ir embora. E ficava cheio de dúvidas o dia todo. Tinha medo que um dia a fechadura fosse trocada de vez. Ou que ela não estivesse quando ele voltasse para casa. E ia com a cabeça cheia para o trabalho.
Sentia falta dos velhos amigos, que há tempos não via. Todos os dias dizia que ia telefonar para eles, mandar um e-mail, pombo-correio, qualquer coisa...e ficava adiando. Vinha fazendo isso há mais ou menos dez anos. E a culpa descia e enchia sua cabeça de pensamentos estranhos. Não ligava, mas sentia falta. E não ligava. Mas sentia falta...
Quando deu por si, estava mergulhado em pensamentos, completamente entregue. Despertou de repente, como quem acorda de um sonho. Ouviu o anúncio da estação: era a sua. Tinha que descer agora.
Pegou a pasta e ficou em pé. A porta abriu, ele saiu em meio à multidão e começou a caminhar.
Enquanto isso, seus olhos pousaram do outro lado da estação. Separado dele pelos trilhos, lá bem do outro lado, estava uma senhora. Negra, bem idosa, cabelos grisalhos, coque no alto da cabeça. Usava um casaco escuro e uma saia igualmente escura. Segurava uma bolsa nas mãos. E vinha andando apoiada na parede da estação.
Um passo de cada vez, bem devagar, para não cair, ela avançava. Segurava a parede, dava um passo, parava para respirar. Apoiava as duas mãos na parede, dava mais um passo, respirava fundo, apoiava as mãos na parede. Dava mais um passo. Devagarzinho, sem pressa. Em volta da velhinha, pessoas de todos os tipos passavam, sem ajudá-la, sem nem mesmo olhá-la, como se ela fosse invisível.
E ele ficou ali, em êxtase, olhando o caminhar da velhinha, parado bem na hora de ir trabalhar, como se o tempo fosse infinito. E continuou admirando o caminhar daquela senhora simples, até que se deu conta e retomou o seu.
Ficou com pena da idosa, mas estavam separados por um trilho de metrô - e provavelmente ela não iria precisar da ajuda dele. Nem iria querer.
Nunca mais esqueceu a cena, nem o que descobriu naquele breve instante.
Ainda podia caminhar sem a ajuda da parede.

Thursday, March 13, 2008

O pouco que sobrou

Não gosto de postar letras de músicas. Mas às vezes elas falam mais do que um texto próprio...


Eu cansei de ser assim

Não posso mais levar

Se tudo é tão ruim

Por onde eu devo ir?

A vida vai seguir

Ninguém vai reparar

Aqui neste lugar

Eu acho que acabou

Mas vou cantar

Pra não cair

Fingindo ser alguém

Que vive assim de bem



Eu não sei por onde foi

Só resta eu me entregar

Cansei de procurar

O pouco que sobrou

Eu tinha algum amor

Eu era bem melhor

Mas tudo deu um nó

E a vida se perdeu

Se existe Deus em agonia

Manda essa cavalaria

Que hoje a fé

Me abandonou

Estado fluido

Hoje acordei num estado fluido.
Não sei qual é exatamente a definição de fluido. Nem sei exatamente se isso é um estado relativo à matéria, ou apenas um sinônimo de "líquido".
Mas estado fluido é aquele onde você sente como se sentisse que não sente nada.
Se algo de bom acontece, o que te levaria obviamente a ficar feliz, você só consegue sorrir brevemente por alguns instantes. Se algo de ruim acontece, você nem chega a ficar triste por muito tempo. A sensação na maior parte do tempo é de um vazio, algo como se fosse um estado de espírito sem um estado de espírito, algo indefinido - daí a idéia de "fluido".
Não sei se isso é necessariamente bom ou ruim. Talvez não seja nenhuma das duas coisas. Talvez seja apenas a transição de um estado de espírito, um momento em que você simplesmente não está bem nem mal.
Talvez seja uma sensação de momento como outra qualquer. Ou talvez seja coisa da minha cabeça, mesmo, que vive arquitetando coisas e coisas e tentando entender o que se sente.
Talvez sim, talvez não...mas a resposta mais provável é...quem sabe!

Monday, March 10, 2008

A chuva e o aeroporto

Há algumas coisas que me fascinam sem muita explicação. Chuva e aeroporto são duas delas.
Não sei o que tem demais em um lugar de onde aviões chegam e decolam. Não sei qual é o fascínio capaz de despertar em uma pessoa uma simples torre de controle, como existem aos montes pelo mundo. E os aviões decolando? Voando (quase) livres pelo céu, aqueles pássaros gigantes de metal, devorando quilômetros em questão de segundos...toda aquela estrutura interna...o cheiro de viagem...a imagem das nuvens, belas tanto de fora quanto de dentro.
Você já viu uma nuvem "por dentro"? Eu já, me lembro bem. Parecia envolto por um raio luminoso. Um belo espetáculo.
Ou não sei o que pode fascinar um ser humano naquela megaestrutura de aeroporto, gente chegando e saindo, malas, transportes, abraços, despedidas, reencontros e tudo mais.
O internacional do Galeão (vulgo Tom Jobim) tem algo de especial. Diria eu que fica num lugar classificado como "meio do nada", em uma área que não sei direito onde fica nem onde vai dar, algo que parece não ter fim. Ouso arriscar que fica perto do céu, de tão longe de qualquer coisa. Deve ser por isso que virou aeroporto, vai saber.
E olhar assim, para a torre de controle, me fascina muito. Ainda mais num dia chuvoso como hoje, em que o barulho da água batendo no telhado se mistura à visão turva das gotas escorrendo pelo vidro, em meio ao céu plúmbeo-cinzento, e a torre ao fundo, sempre imponente.
Quando era pequeno eu me perguntava como se subia à torre, aquele lugar tão alto. Talvez tenha me perguntado se os caras por acaso chegavam lá de avião. E ficava imaginando como era aquilo por dentro. Cheguei a desenhar uma escada, certa vez:

-
-
-
-

Coisa de criança. O tempo passou, cresci, mas o fascínio por aeroportos, aviões, torres de controle e chuva não mudou.
Hoje, quando olho para esse cenário, o sentimento é diferente, meio misturado com tristeza, meio bucólico, meio melancólico. Mas esse é assunto pra outro post...

Monday, January 21, 2008

A insignificância do ser

O Jerônimo era um cara alegre, bem-humorado e muito sério quando se tratava de fazer alguma coisa, principalmente trabalho. Mas naquele dia não estava bem. Estava esquisito. Chegara atrasado pela primeira vez em vinte anos de firma. Fora beber um café e colocara sal em vez de açúcar. Esqueceu de ligar o computador e ficou reclamando que sua máquina estava com problema. Se atrapalhara todo na hora de fumar e beber café ao mesmo tempo, apagando o cigarro no copo e tentando beber as cinzas. Ficou o dia inteiro com o olhar perdido no horizonte, pensando no nada. Falava com monossílabos e cumprimentava com um "oi" em vez das frases enormes e felicitações de sempre.
No fim do expediente, angustiado com o comportamento do colega, o Paulinho o chamou para tomarem uma cerveja.


- Onde?
- Aqui em frente não está bom?
- Aqui em frente?
- È, Jerônimo, tem um bar aqui.
- Aqui? Mas não tô vendo nenhum balcão...nem cervejas...nem as eventuais baratas de sempre...entrei no lugar errado de novo? - perguntou o Jerônimo, que quase provocara uma hecatombe ao entrar por engano no banheiro das mulheres.


O Paulinho bufou.


- Não, Jerônimo, não...o bar aqui...aqui em frente à firma...sabe?
- Ah...esse. Não sei onde fica não, mas está bom.
- Mas você foi lá ontem!
- Ah é? Mas ontem não foi domingo?
- Não...foi quarta-feira, Jerônimo.
- Ah.


Foram ao bar. Sentaram e pediram uma cerveja. O Jerônimo não disse nada. Parecia com medo de esquecer que tinha se lembrado de algo. Ficou parado, olhando o vazio. Paulinho começou:


- O que é que há com você, Jerônimo? Molha o bico e me conta.
- Hã? O que? Não há nada...tá tudo bem.
- Pô, tem alguma coisa errada com você cara. Não é possível. Você nunca chega atrasado. Hoje chegou. É super atento, mas botou sal no café, tentou trabalhar com o computador desligado, entrou no banheiro das mulheres, foi dar dois beijinhos no chefe...
- Eu?
- É, você.
- Puxa...nem percebi.
- É, eu vi. O que tá pegando?
O Jerônimo parou por um instante...
- Bem, eu...
- ...você?
- Na verdade...
-...na verdade...
- Pode parar de repetir o que eu digo?
- Não. Agora bebe um gole dessa cerveja e fala logo o que você tem.
- Nah, daqui a pouco eu bebo. Bem...na verdade...é a insignificância do ser.
Paulinho fez cara de interrogação.
- Como assim?
- Um exemplo simples. Já parou pra pensar quantas músicas foram feitas, escritas e gravadas desde que entendemos o conceito moderno de música?
- Não.
- Pois é. Eu já. E fiquei impressionado.
- Com o resultado?
- Não, é que não consegui contar e percebi que esqueci tudo de matemática. Mas já pensou quantas músicas foram feitas e não chegaram a ser gravadas?
- É...mas o que isso tem a ver com a insignificância do ser? E olha, tua cerveja vai esquentar, desse jeito. Bebe logo.
- Daqui a pouco. Bem, deixa explicar...é que essa coisa da música deu margem a outras idéias. Já pensou quantas pessoas existem na Terra?
- Ah, mais de seis bilhões, por aí. Mas porque você...
- Em número é fácil, cara. Mas pensa assim...conhecendo.
- Não entendi.
- Quantas pessoas você conhece?
- Ih, um monte. Mas esquece isso e bebe um gole, Jerônimo.
- Agora não. Pois é, você conhece um monte de gente. Mas elas são uma fração mínima do número de pessoas que hoje habitam o planeta. E cada uma delas é uma fração menor ainda do espaço incrível que é o planeta, que é algo ínfimo perto do universo gigante onde vivemos.
- Agora só falta você falar das amebas.
- AS AMEBAS!!! Cara, como não pensei nisso? Se cada ser humano é ínfimo, imagina as amebas. E as bactérias que vivem nas amebas? Já pensou como são insignificantes perto do tamanho do universo? Genial! Paulinho, você nunca teve essas idéias?
- Não. Bebe, Jerônimo. A cerveja vai esquentar.
- Olha, você devia pensar mais nisso.
- Na temperatura da cerveja?
- Não! Devia pensar nesse negócio das amebas! Essas coisas fazem o mundo girar.
- Como assim?
- Veja...quando a gente pensa e fala o que pensa pro outro, o pensamento ínfimo se torna maior, pois é dividido entre duas pessoas. E quando dezenas de milhares pensarem a mesma coisa, ele se tornará ainda maior, deixando um pouco o estágio de "ínfimo" e virando algo pequenino.
- Tá, até é...mas agora deixa pra lá. Bebe, Jerônimo. Você vai se sentir melh...


Jerônimo parou por um instante, ficou de pé, apontou para o Paulinho e gritou, no meio do bar:


- CARA!!! Você concorda!!!! Você é dos meus!


Em seguida, abraçou o Paulinho, que ficou vermelho de vergonha, levantou discretamente e fez o Jerônimo sentar de novo na cadeira.


- Senta, Jerônimo...fica quieto...tá todo mundo olhando!
- Tá vendo? Tá vendo? É o pensamento se tornando algo menos que ínfimo. É a diminuição dessa tal insignificância do ser.
- Bebe, Jerônimo.
- Depois. Agora preciso continuar a expor a minha teoria. Já pensou? Se você conhecesse a fundo todas as seis bilhões de almas da Terra, continuaria a ser algo ínfimo perto da grandeza do universo.
- Tem certeza que não quer um golinho?
- Não. Bebe você. Isso. Deixa eu continuar. Pensa assim...cada estrela é algo mínimo no universo. E os planetas são mínimos perto de cada estrela. Mas eles são gigantes perto de cada ser.
- Bebe, Jerônimo. BEBE UM GOLE!!!!
- Isso. Um gole. UM GOLE! O que é um gole perto de toda a cerveja existente no mundo? Perto de toda a cerveja já consumida durante essas centenas de milhares de anos desde que foi inventado o próprio conceito de bebida alcóolica?


Paulinho se debruçou sobre a mesa e puxou o Jerônimo pra frente, ficando cabeça-a-cabeça com ele.


- Tu é um cara bem-humorado, mas sério. Não viaja desse jeito. Alguma coisa aconteceu ontem.
- Na verdade, a insignificância...
- Ah...já sei o que é.
Paulinho sorriu, triunfante, voltando a recostar na cadeira. Jerônimo ficou vermelho, começou a suar. Ajeitou o nó da gravata, parecia nervoso.
- Sabe?
- Sei. E pelo visto, acertei.
- A-acertou?
- Claro. Da última vez você não ficou viajando assim, porque estava tão animado com a festa da empresa e achando que ia se dar bem, que nem ligou. Mas agora a próxima festa é só ano que vem e hoje é um dia ruim pra sair. E você ficou triste e tentou distrair as idéias com outra coisa. E viajou na maionese.
- Eu...eu...
- Brigou com a Teresa de novo. E ela foi pra casa da mãe.
- Eu...na verdade...a insignificância...o gole de cerveja...
- Esquece.
- O universo, tão grande perto de cada pessoa...
- Bebe, Jerônimo.

Tuesday, January 08, 2008

As duas faces da paisagem

433. Mais um Dia de trabalho, mais uma noite de volta para casa. Tudo tranqüilo, ônibus silencioso, via sem trânsito. Oito e meia. Há tempos o Rio já acendeu suas luzes nos postes e há menos gente circulando nas ruas. Medo, talvez. Cansaço, quem sabe. A cidade segue rumo a mais uma de tantas madrugadas.
O ônibus virou a curva na Rua Teixeira de Freitas e entrou na Avenida Beira-Mar, na Glória, seguindo em direção à Praia do Flamengo. A velocidade é alta, mas nada excessivo: o motorista hoje não está com tanta pressa e posso admirar a paisagem.
Quando chegamos perto da curva do Hotel Glória, ali naquela praça onde fica o Memorial Getúlio Vargas, olhei pela janela e vi alguma coisa se mexendo entre as árvores. Cortando o silêncio da praça, que de tão silenciosa chega a ser sombria, estava um "moleque de rua". Devia ter entre 12, 14 anos, negro, short, camiseta e boné. Corria como nunca, atravessando a praça com alguma coisa na mão. Pouco depois percebi o motivo da correria: um homem meio careca, gordo, de camisa social, calça e sapato, corria atrás do garoto. "MINHA CARTEIRA!!!! PEGA LADRÃO!!!".
Ninguém para acudir, em meio à rua deserta. As cabeças dos passageiros do ônibus se voltaram para assistir à cena. Mais rápido, o garoto deixou a praça, atravessou as pistas da Praia do Flamengo e entrou em uma mata perto de um posto de gasolina. O homem ficou parado, ali, arfando, sem ter o que fazer. E o ônibus acelerou e fez a curva, deixando a cena para trás.

Quase 20 minutos depois...

Agora são quase nove horas. Estamos saindo de Copacabana, a famosa Princesinha do Mar, pelo Corte do Cantagalo, para entrar na Lagoa e chegar ao Leblon. Quase não há mais passageiros no ônibus, que está mais silencioso que nunca. O trocador abandona seu posto e se senta num banco de passageiro, bem relaxado, conversando algo com o motorista. Estamos chegando.
Cruzando o Corte e fazendo a curva em forma de 9, entramos na Lagoa. Algumas árvores depois, o espetáculo: o espelho d´água parado, sem vento, iluminado sob as luzes das dezenas de postes que existem em suas margens, refletindo as luzes da cidade à noite, refletindo a lua, aquela cena: a lagoa brilhante, os prédios, o Cristo Redentor ao fundo.
Um êxtase para os olhos cansados do Dia de trabalho. Dá vontade de exclamar um "aaaaaaaaahhhh", ou outra onomatopéia de espanto qualquer. Belíssimo. O tipo de espetáculo que só o Rio é capaz de proporcionar.
E enfim, chego em casa. E, pensando nas duas cenas que vi na mesma noite, o crime e a bela paisagem, paro pra pensar...
Há algum tempo atrás, ainda na escola, tive de fazer uma redação com base em um texto que dizia que o Rio estava se tornando uma "inútil paisagem", apenas para ser vista de longe. Meu texto dizia que não: a paisagem não será inútil enquanto houver gente que lute pelo contrário. Enquanto houver gente que batalhe para melhorar a cidade, as paisagens não serão apenas para serem vistas de longe.
Hoje vejo que essa idéia que defendi é meio "furada". Mas a despeito disso, hoje concordo em parte com o autor do texto. Adoro essa cidade, mas viver aqui está ficando muito difícil. Falta emprego, faltam investimentos em todas as áreas, falta segurança, falta gente interessada em lutar por uma cidade melhor. Sobram mendigos e "moleques de rua" sem oportunidade, sobram assaltos, violência, sujeira, buracos nas ruas e um descaso completo, em todos os níveis. Impossível sair na rua sem sentir medo, impossível pegar um ônibus sem temer um assalto. Tentamos criar regras e normas de segurança que se mostram totalmente paliativas, devido ao tamanho do problema.
As belas paisagens, por exemplo, estão abandonadas. Visitar um ponto turístico como um mirante significa risco de assalto. Tudo se torna algo "para ver de longe". A beleza do Rio, que também já esteve no "jeito carioca" de ser, está se tornando apenas algo plástico, do cenário, devido ao desânimo cada vez maior de quem mora aqui - boa parte dessas pessoas, porque não tem como ir embora.
E como mudar? Não sei, sinceramente. E isso também me preocupa muito.

Monday, January 07, 2008

O sonhador, o vento e o banco do parque

Meia-noite. Sem pressa, ele caminhava devagar por entre as árvores, seguindo pela alameda iluminada apenas pela luz da lua, e cercada de árvores dos dois lados. Depois de uma curva, estava lá o imenso portão de aço, todo enferrujado, que rangia terrivelmente toda vez que se abria.
Com o máximo de cuidado que era possível, ele ergueu uma das mãos, tirando-a dos bolsos de seu sobretudo, e empurrou o portão. O rangido se espalhou por toda a floresta, como um grito na noite. Parecendo não se importar, ele entrou, caminhou mais um pouco até chegar ao velho banco de praça, e então se sentou. Uma leve brisa soprou, refrescando a noite e levantando as folhas do chão do parque.
Há quanto tempo não se sentava naquele banco de praça? Três? Quatro anos? Mais, talvez. Muito menos, quem sabe. Houve uma época em que costumava ficar ali, admirando a lua e as estrelas, tendo idéias. Houve uma época em que achou que isso não servia para nada. Mas quem disse que tudo na vida tem de servir para alguma coisa?
Meteu a mão no bolso esquerdo da capa e sacou um maço de cigarro e um isqueiro. Retirou um cigarro, acendeu, tragou, cuspiu a fumaça, tirou o cigarro da boca...e ficou pensando. Tanta coisa acontecera enquanto esteve longe de seu banco de praça. Tantos amigos. Tantos chopes. Tantas coisas engraçadas. Tantas mulheres. Tantos beijos, abraços, cumprimentos, risadas, bons momentos. Tantos lugares bons, tantos jogos divertidos, tantas bebidas maravilhosas, tantas aventuras. E que coisa engraçada, nada havia permanecido. Tudo passou.
O vento voltou a soprar, e carregou para longe uma das folhas daquele chão de outono. Sim, pensei, aqueles momentos, desde a última vez que havia me sentado no banco de praça, eram cada um como uma daquelas folhas, que permaneciam ali no chão criando um ambiente bonito, poético, com o banco de praça ao fundo, o cara sentado fumando no escuro, apenas a lua iluminando a cena, como um holofote daqueles de monólogo de teatro. Aquela folha que voou na minha frente parecia um desses momentos que passam. E a vida agora, para mim, parecia o chão à minha frente: um campo aberto, sem nada a se preencher.
Como realmente o tempo havia passado. Dois? Três? Quatro anos? Como uma mola comprimida pela imagem da folha, as lembranças começaram a voltar à mente dele. Agora não pareciam tão boas assim. A derrota do Brasil na Copa, frustrações amorosas, pessoais e profissionais, erros cometidos pelo caminho, besteiras que não precisavam ser ditas, mancadas verbais e físicas, dores, choros, sofrimento. A música que lembrava quem ele queria esquecer, as músicas que recordavam seu tempo de infância e quase o levavam às lágrimas, as coisas que fizera e que achava que tinham sido perda de tempo. E que coisa engraçada, nada havia permanecido. Tudo passou.
Novamente o vento soprou, agora mais forte, trazendo poeira e mais folhas em plena madrugada de outono. Fechou os olhos com força e baixou a cabeça, tentando evitar que a poeira atingisse seus olhos. O cigarro apagou. Mais folhas pararam na frente do banco. Ele abriu os olhos devagar. Como que teimando, o vento voltou a soprar, em uma brisa muito leve, e levou as folhas embora de novo, deixando o chão vazio.
Larguei o cigarro, as lágrimas começaram a rolar pelo rosto. Retirei as mãos dos bolsos e levei aos olhos, soluçando. Não conseguia me conter. Chorava. A natureza agora decidira ser metafórica e falar de acordo com meus sentimentos? Até ela estava contra mim agora, decidira ventar e levar para longe o que era bom e o que fora ruim? Como se já não bastasse todas as dúvidas, ainda havia algo de metafórico naquilo tudo? O que fora a minha vida no tempo em que não estive sentado no banco do parque, ou da praça, ou seja lá qual for o banco? Um amontoado de folhas que embelezam a paisagem e são carregadas embora pelo vento? Uma imagem poética de um texto de blog “madrugante” (considerando que “madrugante” não é necessariamente um texto escrito pelo Seu Madruga) ? O que, afinal, eu construíra durante esse tempo do lado de fora do parque, longe do banco mas nem tanto assim?
E como que respondendo, o vento soprou novamente, atingindo seu rosto com força. Ele enxugou as lágrimas, tentou se controlar. Não sabia. Não tinha as respostas prontas. Nem com quem conversar, agora que o vento levara tudo. Então, pegou o cigarro e o atirou longe, e voltou as mãos aos bolsos. Parou de pensar. Ficou apenas contemplando a paisagem do parque “madrugante” (que não, não necessariamente é o parque onde mora o Seu Madruga). Olhando a sombra das árvores escuras, o brilho das estrelas no horizonte, a lua que o iluminava, como num daqueles velhos monólogos de teatro. Se não tinha nada, então olharia o que estava em volta, sem se preocupar.
E o vento soprou pela última vez, trazendo folhas que passaram e deixando outras aos pés dele, em meio à fria madrugada de outono.