Veio andando calmamente pela rua, camiseta, calça jeans, mãos nos bolsos, um cigarro aceso na boca. Parou em frente àquela lanchonete na última fronteira da Rua Voluntários da Pátria - onde de um lado é Botafogo, do outro é Flamengo - e deu uma última baforada.
Era uma bonita tarde de sol de uma quinta-feira qualquer, dessas que a gente nem se dá conta que existiram algum dia. Deviam ser umas seis e pouco. Com o horário de verão, nem dava para notar que já era noite.
Após terminar de fumar, o rapaz jogou o cigarro fora e entrou na lanchonete. Estava quase vazia: um homem tomava um suco, em pé, e outro comia um sanduíche, sentado no balcão. O jovem se aproximou do balcão e pediu:
- Me dá um suco, por favor?
- Claro...aquele velho suco de manga, hã?
- Não, acho que hoje vou variar um pouco. Me dá um de maracujá.
O balconista - já um senhor, com chumaços de cabelo apenas nas laterais da cabeça, boina azul-clara enfiada na careca e uniforme azul-claro - olhou o rapaz desconfiado.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- SAI UM MARACUJÁ NO CAPRICHO!!! - berrou o balconista para o interior da lanchonete.
O rapaz era um velho freguês, que todo dia passava por ali. Entrava assim, sempre depois de fumar, e pedia um suco, sempre de manga. Depois, bebia olhando para um centro empresarial em frente à lanchonete, como se estivesse esperando alguém ou querendo ver alguma coisa. Ficava por ali algum tempo, às vezes uma hora, depois pagava e ia embora. Nunca comia nem bebia nada, e não falava nada além de "me dá um suco de manga".
Sua presença já era tão comum que os funcionários da casa já falavam dele, aos cochichos. Alguns tinham a teoria de que esperava por uma noiva, mulher ou namorada (alguns achavam que era um namoradO), e quando a via sair, ia a seu encontro.
Alguns achavam que era um assaltante que pretendia roubar o prédio, e por isso ficava só observando. Outros ainda afirmavam que era muito longe para um ladrão observar um prédio, e o rapaz não usava nenhum binóculo.
Ao entregar o suco, o balconista perguntou:
- Mudou hoje?
- Pois é, não é...
- Mas porque a mudança?
- Achou estranho?
- É.
- Bem, não suportava mais beber suco de manga todo dia.
O balconista riu. Sem conseguir se conter - era a primeira vez que estabelecia um diálogo com "o jovem do suco de manga" - continuou puxando papo:
- Você...todo dia vem aqui, pede um suco e fica olhando para o prédio. Por quê?
- Bem, preferia não dizer.
- Claro...é que...bem...as pessoas falam muitas coisas, sabia? Muitas teorias a seu respeito...os funcionários, os freqüentadores...
O rapaz deu uma risada.
- É sério?
- Claro. Várias teorias, das mais absurdas, sobre porque você fica olhando esse prédio. Você riria se soubesse de algumas. E talvez ficasse chateado com outras.
- Que coisa engraçada...e bizarra, também.
- Pois é...e sabe, não nos aguentamos mais de curiosidade!
- A curiosidade matou o gato - disse o rapaz, sério, terminando o suco e pegando um maço de cigarros no bolso da calça. - Mas já que você insiste...bem, eu adoro aquele prédio.
- Como? Gosta do prédio?
- É, eu adoro. Gosto dele. Sei lá, tem algo que me fascina. Na verdade, todo esse ponto onde estamos. Não sei explicar, sabe? Aí recentemente perdi o emprego, não tinha o que fazer em casa...então venho passear às tardes, espairecer, tomar um suco e olhar o prédio. Acho legal. Acabou virando um hábito.
O balconista olhava o rapaz, perplexo. Então era isso. Bem, realmente uma coisa daquelas ninguém ia imaginar.
- Pois posso lhe ajudar.
- É sério?
- Claro. Eu conheço o porteiro daquele edifício. E ele poderia levar você para conhecê-lo.
- Puxa...que legal! E onde ele está?
O balconista sorriu e apontou para o homem que comia um sanduíche no balcão, e que também havia parado para ouvir a história.
- Deixe eu acabar de comer, que levo você lá - disse o porteiro.
Saíram os dois, atravessaram a rua e entraram no prédio. Conheceram tudo, todos os andares, locais, empresas que funcionavam ali, cada canto, cada curiosidade, a belíssima vista da Baía de Guanabara. Então desceram.
- E aí, o que achou? - perguntou o porteiro.
- É legal. Mas por dentro é como outro prédio qualquer. Por fora é bem mais bonito e interessante.
- Como assim?
- Vamos ali na lanchonete, que eu te mostro.
E os dois voltaram ao bar e ficaram ali, olhando...
- Sabe que você tem razão? - disse o porteiro, sorrindo. - Nunca tinha reparado como é bonito, esses vidros, esses mármores, nesse lugar, a Baía de Guanabara ao fundo, esse pedaço de céu que aparece, o encaixe perfeito com a saída do viaduto, o vento fresco batendo...sem todas aquelas pessoas, sem trabalho, nada, só o tempo passando. Lindo mesmo, cara.
E agora, todas as tardes, quem passa por aquela lanchonete percebe dois homens com um copo de suco na mão, olhando para um prédio...
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