Tuesday, January 08, 2008

As duas faces da paisagem

433. Mais um Dia de trabalho, mais uma noite de volta para casa. Tudo tranqüilo, ônibus silencioso, via sem trânsito. Oito e meia. Há tempos o Rio já acendeu suas luzes nos postes e há menos gente circulando nas ruas. Medo, talvez. Cansaço, quem sabe. A cidade segue rumo a mais uma de tantas madrugadas.
O ônibus virou a curva na Rua Teixeira de Freitas e entrou na Avenida Beira-Mar, na Glória, seguindo em direção à Praia do Flamengo. A velocidade é alta, mas nada excessivo: o motorista hoje não está com tanta pressa e posso admirar a paisagem.
Quando chegamos perto da curva do Hotel Glória, ali naquela praça onde fica o Memorial Getúlio Vargas, olhei pela janela e vi alguma coisa se mexendo entre as árvores. Cortando o silêncio da praça, que de tão silenciosa chega a ser sombria, estava um "moleque de rua". Devia ter entre 12, 14 anos, negro, short, camiseta e boné. Corria como nunca, atravessando a praça com alguma coisa na mão. Pouco depois percebi o motivo da correria: um homem meio careca, gordo, de camisa social, calça e sapato, corria atrás do garoto. "MINHA CARTEIRA!!!! PEGA LADRÃO!!!".
Ninguém para acudir, em meio à rua deserta. As cabeças dos passageiros do ônibus se voltaram para assistir à cena. Mais rápido, o garoto deixou a praça, atravessou as pistas da Praia do Flamengo e entrou em uma mata perto de um posto de gasolina. O homem ficou parado, ali, arfando, sem ter o que fazer. E o ônibus acelerou e fez a curva, deixando a cena para trás.

Quase 20 minutos depois...

Agora são quase nove horas. Estamos saindo de Copacabana, a famosa Princesinha do Mar, pelo Corte do Cantagalo, para entrar na Lagoa e chegar ao Leblon. Quase não há mais passageiros no ônibus, que está mais silencioso que nunca. O trocador abandona seu posto e se senta num banco de passageiro, bem relaxado, conversando algo com o motorista. Estamos chegando.
Cruzando o Corte e fazendo a curva em forma de 9, entramos na Lagoa. Algumas árvores depois, o espetáculo: o espelho d´água parado, sem vento, iluminado sob as luzes das dezenas de postes que existem em suas margens, refletindo as luzes da cidade à noite, refletindo a lua, aquela cena: a lagoa brilhante, os prédios, o Cristo Redentor ao fundo.
Um êxtase para os olhos cansados do Dia de trabalho. Dá vontade de exclamar um "aaaaaaaaahhhh", ou outra onomatopéia de espanto qualquer. Belíssimo. O tipo de espetáculo que só o Rio é capaz de proporcionar.
E enfim, chego em casa. E, pensando nas duas cenas que vi na mesma noite, o crime e a bela paisagem, paro pra pensar...
Há algum tempo atrás, ainda na escola, tive de fazer uma redação com base em um texto que dizia que o Rio estava se tornando uma "inútil paisagem", apenas para ser vista de longe. Meu texto dizia que não: a paisagem não será inútil enquanto houver gente que lute pelo contrário. Enquanto houver gente que batalhe para melhorar a cidade, as paisagens não serão apenas para serem vistas de longe.
Hoje vejo que essa idéia que defendi é meio "furada". Mas a despeito disso, hoje concordo em parte com o autor do texto. Adoro essa cidade, mas viver aqui está ficando muito difícil. Falta emprego, faltam investimentos em todas as áreas, falta segurança, falta gente interessada em lutar por uma cidade melhor. Sobram mendigos e "moleques de rua" sem oportunidade, sobram assaltos, violência, sujeira, buracos nas ruas e um descaso completo, em todos os níveis. Impossível sair na rua sem sentir medo, impossível pegar um ônibus sem temer um assalto. Tentamos criar regras e normas de segurança que se mostram totalmente paliativas, devido ao tamanho do problema.
As belas paisagens, por exemplo, estão abandonadas. Visitar um ponto turístico como um mirante significa risco de assalto. Tudo se torna algo "para ver de longe". A beleza do Rio, que também já esteve no "jeito carioca" de ser, está se tornando apenas algo plástico, do cenário, devido ao desânimo cada vez maior de quem mora aqui - boa parte dessas pessoas, porque não tem como ir embora.
E como mudar? Não sei, sinceramente. E isso também me preocupa muito.

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