Tuesday, September 27, 2005

A hora do cético

Pode ser que, no fundo, eu acredite e esteja querendo apenas expressar uma coisa de momento.
Ou não. Vai que não acredito mesmo.
Parei de sonhar. Não o sonho do desejo, da vontade, da garra; não, esse existe sempre, é firme.
Parei com as hiper-mega-super utopias, com o sonhar acordado, com o sonhar de passado...
Não acredito mais que o PT vai mudar o Brasil, não acredito mais que algum partido político possa mudar o Brasil sozinho – essa mudança passa por cada um – não acredito que a violência, a criminalidade, o tráfico e as mortes por armas de fogo vão diminuir assim, puf, do nada.
Não acredito que a faculdade seja um lugar perfeito, sem problemas; e nem que seja ruim, que não tenha aula.
Não acredito mais naquela coisa de achar a pessoa e viver um compromisso, um sentimento enorme. Não acredito que compromisso seja pré-requisito em alguma coisa, nem que seja tão necessário quanto pensei que fosse.
Não acredito que não possa conseguir as coisas. Não acredito que não vale a pena acreditar no sonho que se tem. Não acredito que nunca vou ser alguém. Não acredito que não haja vida após a morte. Não acredito no sonho de mudar o passado, de ficar pensando alternativas, de como as coisas foram, deveriam ou poderiam ter sido, de como eu poderia ter agido diferente, de como errei aqui e ali, e sonhar com aquilo que nunca aconteceu nem vai acontecer.
Não acredito mais em pistas e indícios em relação a pessoas – mesmo porque, essas pistas estão sempre sujeitas à “nefasta” ação da mente humana, e já me dei bastante mal por causa disso.
Não acredito mais que planejar e pensar demais as coisas as torne mais fáceis de viver e de compreender. Não mais acredito que falar tudo o que vem a mente é o melhor caminho, que jogar limpo 100% das vezes é o mais correto. Não é.
Não acredito mais que as coisas precisam ser certinhas, perfeitinhas, redondas demais. A vida não é televisão. As coisas são tortas, tronchas e aos trancos e barrancos, sim. Não acredito também que não possa mudá-las; mas não acredito mais que precise mudá-las.
Não acredito que falar tudo a todo mundo que entra no MSN e tem mais intimidade é certo.
Não acredito que fazer drama demais torne as coisas mais fáceis...nem que seja muito bom.
Não acredito e também prefiro não acreditar, porque vem tornando as coisas mais e mais difíceis.
É como já dizia alguém em seu blog (tá nos links, se você quiser procurar): parei de sonhar.

P.S.: Leia o texto aí de baixo. É novo, também...publiquei no mesmo dia desse aí de cima! :)

E o próximo trem...

Por um instante, pensei. E quando pensei, me perdi. Tudo tão certo, tão equilibrado, voltando a funcionar aos poucos, com aquela calma da qual nunca deveria ter saído.
E aí, penso. E quando penso, me perco.
Idéias que já não estavam mais na mente resolveram voltar, algo meio rápido, meio sem sentir. E lá estava eu, de novo, pensando, me perdendo.
A chuva que cai só deixa o dia mais cinza e mais nostálgico. Andar num dia assim, é pensar.
E quando penso, me perco.
Agora subindo a passarela, guarda-chuva em punho, tentando vencer logo os últimos metros e pegar o próximo trem. Quem sabe desse jeito eu me concentro em outras coisas e não penso.
E quando penso, me perco.
Tarde demais para concluir o que é óbvio. Cedo demais para achar que tudo passou. Tempo demais para achar que é aquilo que nunca foi. Chuva demais para conseguir andar tranqüilo. Proteção demais para umas gotinhas de água caindo do céu.
Demais, demais, demais. Ando pensando demais demais. E sempre que penso, me perco.
Já foi muito mais forte do que eu. Já escapou ao controle; hoje tudo é mais simples, mais fácil, mas ainda assim...é.
Estação. Aqui fica tudo mais difícil, as lembranças são mais fortes. Sempre que lembro, penso. E quando penso...
Lá está. Finalmente. Gotinhas de água da chuva, no chão da estação, em frente à escada, embaixo da lixeira. Hum. Muitas gotinhas de água. Estão quase formando uma poça. Ei, o que será que acontece com as poças de água da estação do metrô, hein? O que será delas daqui a algumas horas, ou dias (anda chovendo muito), quando a chuva parar? Será que vai vir alguém e escorregar, levando um daqueles tombos cinematográficos? Ou será que a pessoa encarregada da limpeza do metrô vai vir aqui e enxugar tudo, e a água vai parar num rodo? Ou ainda, será que vai vir um cachorro e lamber tudo?
Descendo a escada, constato: o próximo trem acaba de se tornar o último. Haja calma para esperar pelo próximo. Haja mesmo.
Um giro pela estação, já que não tenho nada para fazer, e não quero pensar. Vocês sabem o que acontece sempre que eu penso.
Lá do outro lado, está o muro da estação. Tem um bem na minha frente, do lado onde o próximo trem vai parar, mas eu quero olhar o outro lado.
Todo molhado na parte de cima...mas é engraçado, só na parte de cima. Mais embaixo, parece seco. Como se a água não escorresse, sei lá.
Me encosto a uma quina da parede da estação. Haja calma. E mais uma vez, começo a pensar de novo. Isso já tá ficando chato. Já deu.
Só que...quem disse que consigo controlar? Lá estou eu de novo, pensando.
E sempre que penso...
Olho para um ponto da estação, lá no fundo, no trilho desativado do meio. E lá adiante, está chegando o próximo trem, fazendo aquele barulho engraçado que o metrô faz quando tá chegando.
Esse é o próximo trem...e já tá mais do que na hora de embarcar.

Friday, September 23, 2005

Histórias de Colégio

O professor e o chaveiro

Uma manhã qualquer, segundo semestre do ano de 1998.
Lá estou eu, sentado numa carteira na primeira fila, na sala de aula, vestindo uniforme, com letras bem grandes estampadas na camiseta: COLÉGIO TERESIANO.
É uma das minhas aulas preferidas –Geografia. O assunto também ajuda: o professor está falando sobre cultura norte-americana, sua influência em outras culturas, e coisas assim.
O discurso dele é pseudo-inflamado:
“Porque a cultura norte-americana está presente em todos os lugares. O cinema é predominantemente norte-americano, e exatamente por esse motivo, eles não aceitam que em seu país sejam exibidos filmes legendados. Lá tudo é dublado, ao contrário daqui, onde damos preferência às legendas. É uma questão de cultura mesmo. Só um exemplo de como a cultura norte-americana está espalhada pelo mundo...”
Meus olhos, cansados de observar o rosto do professor, repousam sobre seu chaveiro prateado, que está pendurado para fora do bolso da calça.
Hum. Chaveiro prateado. Hã? O que é isso?
Estava gravado no chaveiro, em letras garrafais: PHANTOM OF THE OPERA.
Não pude deixar de rir. E sapequei a pergunta:
“Professor, que chaveiro é esse, hein?”
“Ahn...esse aqui?” disse, um pouco sem graça. “Ah...esse eu comprei em Miami, quando eu fui lá.”
É, professor. Foi um ótimo exemplo para ilustrar a aula...

Thursday, September 15, 2005

Rapidinha do 438

Rio de Janeiro, tarde, solzinho esquisito de inverno, céu ficando azul, ventinho fresco soprando.
O cenário é um, que na verdade são dois: um 438-rápido e a Praça Santos Dumont, na Gávea.
Estou chegando em casa, finalmente. Descansar. Depois de um dia de rádio, é hora de dar uma relaxada.
Estou sentado num dos primeiros bancos, o que justifica ouvir as conversas entre o motorista e o trocador.
De repente, desviando de um caminhão, o motorista diz assim:
“Esse caminhão aí veio de longe”.
O trocador olha meio espantado, como quem não entendeu.
“Ahn?”
O motorista: “É, veio de longe, sim.”
“Como você sabe?”
“Porque está aí desde ontem”.
“Desde ontem?”
“É. Está aí desde ontem, consertando. E se está aí desde ontem, é porque veio de longe”.

Tuesday, September 13, 2005

Ironicamente...água com açúcar.

São onze e dez da noite.
Tenho que fazer um trabalho para entregar amanhã de manhã. Acontece que estou irritado, cansado e chateado, ou seja, nem um pouco inspirado pra fazer um trabalho. Portanto, venho enrolando desde as quatro da tarde.
Agora resolvi tomar um copo de água com açúcar. Sei lá, ver se consigo me concentrar. Tá, não é isso. Mas eu resolvi, quando passava pela geladeira. Vai que acalma.
O velho ritual: pegar um copo, apoiar na pia, abrir a geladeira, pegar o açucarei...
CATAPLOFT!
O açucareiro escorregou da minha mão, a tampa rolou pela mesa de vidro e parte do conteúdo se espalhou.
É, hoje não é um dia muito bom, mesmo.
Fui limpar. Lembrei que se limpa açúcar com a esponja.
O velho ritual: pegar a esponja na pia, molhar a esponja, passar a esponja no açúcar...
Eca. O que é isso? Virou uma pasta de açúcar.
Er. Não era exatamente isso!
Bom, ironicamente ou não, água com açúcar.
Fui limpar a cagada. Só que, quando fui passar a esponja, a pasta escorreu pela mesa e se espalhou ainda mais.
É, hoje NÃO é um dia muito bom, mesmo.
Lá vou eu de novo. Pegar a esponja, limpar...
A pasta continuou mais rápida, escorreu para baixo da mesa e começou a pingar no chão.
Lá vou eu. Sem esponjas, agora. Vamos ver se com uma toalha de papel eu resolvo.
Hum. Mesa limpa, chão também. Missão cumprid...
Ah, não. E essa agora? A pasta de açúcar escorreu pela mesa de vidro e entrou...embaixo do vidro.
É, HOJE NÃO é um dia muito BOM, mesmo.
Limpei o que pude, mas ainda ficou lá. Deixei lá. Não consegui levantar o vidro pra limpar.
E do jeito que estou hoje, ia no mínimo espatifar o vidro.
Não desisti de beber: água no copo, açúcar. Um, dois, três goles. Estou melhor. Ao menos tudo isso me distraiu, e me inspirou pra escrever, dar uma relaxada, sei lá.
Ironicamente...água com açúcar.
Duas vezes.

Monday, September 12, 2005

Senhor Vento

Desligou o telefone.
Estava sem chão. Os olhos, cheios de lágrimas.
Ainda tonto, se ergueu da cadeira, e caminhando torto, seguiu até a janela.
Ficou olhando a vida lá fora.
Olhando é maneira de dizer: os olhos estavam lá fora, mas a mente não.
Levou a mão aos olhos, enxugando as lágrimas que teimavam em rolar pelo rosto, e começou a soluçar alto.
Recuou. Não queria que ninguém ouvisse. Não queria ter que dar maiores explicações. Passou o soluço para um tom mais baixo.
E o choro foi ficando mais forte, e mais intenso.
Depois de alguns minutos, começou a sentir-se sufocado, com calor. Ar. Precisava de ar.
Abriu a janela, se mantendo no mesmo lugar, os olhos ainda marejados.
Sentiu o vento soprar forte, passando pelo rosto e refrescando.
A única coisa que queria era que aquilo fosse um filme, um desses filmes bobos que passam na televisão de vez em quando. Onde as coisas são mais fáceis. Onde os personagens conseguem as coisas sem esforço e ganham aplausos sem querer. Aí não estaria sofrendo tanto. Nos filmes, sempre há três pessoas.
Tudo é tão mais fácil.
Senhor vento, senhor vento que sopra, leve as tristezas embora.
Começou a rir da própria frase. Soava ridículo, infantil.
O vento não ia responder, muito menos levar algo embora.
Mas pelo menos o riso aliviara o soluço e as lágrimas.
Será mesmo que o vento não leva nada embora?
Senhor vento, senhor vento. Porque é que tudo tem que ser tão difícil e tão sofrido, hein?
Riu de novo. Soava mesmo ridículo. Resolveu fechar a janela.
Foi então que percebeu.
Não era mestre em direção de ventos, mas notou que aquele era um sudoeste, o conhecido vento da mudança.
Sim, o vento da mudança sopra...sopra para quem estiver disposto a senti-lo.
Do outro lado da rua, uma criança brincava, enroscada em seu velocípede, sorrindo, enquanto um homem – provavelmente o pai – também ria, entusiasmado.
A alegria pode estar em coisas tão simples...
Não acreditava que o vento pudesse responder, nem que levasse realmente as coisas embora.
Sabia apenas que refrescava.

Saturday, September 10, 2005

Empórios & Depósitos

Cerveja. Caipirinha. Amendoim. Fogo Paulista.
A noite, mais uma vez, começa no bar.
Sobre o balcão de aço, os copos vão se acumulando, cheios de líquidos que, em excesso, provocam rodopios, tonturas, e fazem as pessoas falarem as maiores merdas do mundo. Que na verdade, são apenas os pensamentos guardados na memória, aqueles que o consciente são nunca deixava escapar. Acontece que esses líquidos têm o milagroso poder de “apagar” o consciente.
Depois de venenos de todos os tipos, é hora de ganhar amendoim de graça. Cortesia do dono do bar.
Terminado o serviço, vamos à luta.
Na entrada, pessoas estão penduradas do lado de fora, se acumulando, formando bolos de gente, bloqueando a passagem. Como mercadorias querendo ocupar um depósito lotado.
Dá licença. Deixa eu passar. Ou então um simples empurrão.
Uma escadinha, mais uns cinco “com licença”, e finalmente, estamos na “pista”.
Pista não: é um espacinho improvisado entre a mesa do DJ, as mesas dos clientes, a entrada do banheiro e a subida da escada para lugar nenhum (leva ao segundo andar, mas é fechado, e a porta parece não levar mesmo à nenhum lugar...coisa que só vendo pra entender).
Aqui, me posiciono entre as (poucas) pessoas, e elas estão se mexendo freneticamente, ao som de alguma música que não sei. O ritmo é bem claro: rock. Mas vai lá se saber qual a letra, e qual a próxima batida. Todos parecem saber, mesmo aquelas músicas desconhecidas, que você nunca ouviu antes. E todos se movem freneticamente, e bebem seus venenos, a maioria, aquele estranho líquido amarelo.
De repente, a “pista” se enche, e eu me vejo sem espaço. Chegam mais pessoas, de todos os gêneros e tipos, envenenadas ou não, e saem distribuindo cotoveladas, tapas involuntários, empurrões, “chega pra lá”, buscando espaço. Algumas estavam só querendo ir ao banheiro, mas teve muita gente que ficou, mesmo.
Não só o espaço; o ar também ficou estranho, ficou quente, sem vento. Agora estou suando, com calor. Há pessoas por todos os lados; ar, ar...sufoco...me roubaram o vento.
Não consigo nem sequer me balançar freneticamente: sempre que tento, esbarro no ser do meu lado, que está tão animado que distribui cotoveladas como se fossem beijos (não achei uma palavra mais agradável pra descrever), e que não está nem aí. Deve ter se envenenado bastante antes, ou algo assim. Fato é que ele não pára.
E o sufoco aumenta, e o calor também, e acabo ficando parado. E aí me vêm pensamentos à cabeça, de todos os tipos. Todas as aflições, tudo o que eu havia vomitado durante a semana e em especial no Sábado, tudo está de volta, girando na cabeça, brigando com as idéias novas, querendo seu espaço de novo. Não aceitam perder a guerra; durante anos, dominaram a mente, tiraram todo o proveito dela. Em uma semana, idéias novas chegaram e reclamaram seu espaço, expulsando as antigas. A guerra é inevitável, com vitórias dos dois lados, em que a confusão acaba prevalecendo.
Sem conseguir me concentrar na música e me mexer, a guerra mental começa, e ainda há idéias antigas que resolveram aproveitar o momento.
Mal, agora estou me sentindo mal, desconfortável demais. Então me destaco discretamente, e sigo para o bar.
Não, chega de venenos por hoje. Algo mais leve. Quem sabe aquele líquido preto gasoso e engordativo. É, talvez me faça bem.
Peço, pago, abro, coloco o canudinho. Um, dois, três goles. Estou melhor. Deixa a guerra mental pra lá.
Mais uns golinhos. É gasoso e venenoso também, mas é bem doce e refrescante. Hum. Idéias novas. Não precisa ser do jeito antigo de pensar, também. Que merda. Porque as coisas não podem ser novas, hein? Ah, que se dane a guerra mental...aliás, que se dane não, as idéias novas vão vencer. Demora, mas elas chegam lá. Tem a força e a experiência da juventude. As velhas podem ter a experiência, mas não agüentarão muito tempo. Ou então vai existir uma trégua.
Toca o celular; me destaquei tão discretamente que chamei a atenção.
Hora de voltar para a “pista”. Agora piorou: tem um chato que, além de dar cotovelada, ocupa todo o espaço, fica rebolando e se encostando no chão. Merda. Outros chegam, e o espaço fica ainda menor.
Acabou a noite, chega, hora de ir pra casa. Não foi hoje.
Tomara que algumas idéias velhas tenham ficado lá no empório. Me fariam um grande, enorme, imenso favor.

Sunday, September 04, 2005

Cena de Domingo

E aqui estou eu, parado à beira do caminho.
Literalmente.
Descrição: dia bom, sol, céu azul, vento fresco, praia à frente, uma multidão de pessoas caminhando.
Agora que estou escrevendo, deu preguiça de pensar que andei tanto. Bah, então não vou pensar, pronto.
Sentado à beira do caminho, massageando o pé, que está quase criando uma bolha.
E então ouço o cara dizendo:
“Olha a água, coca, coca light, skolzona...”
Me deu uma vontade de tomar uma coca light, pra refrescar o calor e dar uma relaxada, sair do clima e pensar menos...sei lá, bebendo eu me concentro em beber e não penso.
Mas pensei bem, e disse “não, não vou tomar coca agora, refrigerante faz mal...”
E então levantei, e segui em frente.
Lá na frente, parei e olhei pra trás.
Voltei.
Me vê uma coca light, por favor. Isso, toma os dez reais e me dá oito de troco.
E me sentei de novo à beira do caminho, sentindo o vento, e bebendo.

Saturday, September 03, 2005

Crônica do Telefone

Baseado numa música e numa história real (ou seria irreal?)

Colocou a mão no bolso; passando pelo celular e encostando no forro, encontrou finalmente a chave.
Puxou-a; encaixou-a na fechadura e girou. Uma volta e a porta se abriu. Empurrando-a, entrou em casa. Finalmente.
A noite havia sido longa.
Saíra sem espírito, sem ânimo, mas agora estava feliz. As coisas mudam rápido, pensou.
Passou pelo hall de entrada, pela sala e pelo corredor, e entrou no quarto.
Se sentando na cama, usou o pé esquerdo para tirar o sapato do outro pé, e vice-versa; depois desceu a mão até a altura do calcanhar-de-aquiles, e com um puxão, se viu livre da meia.
Respirou e suspirou fundo.
Levando a mão ao bolso, tateou até encontrar o papel rosa, e puxou-o para fora.
Abriu-o cuidadosamente e olhou-o: custou um pouco a acreditar.
Lá estava o número de telefone. Conseguira.
Não tinha sido fácil. Precisou de bastante tempo até conseguir; teve que conversar muito, e driblar um forte jogo duro. Mas, que importância tinha isso agora? Conseguira.
Fez a cama rapidamente, apagou a luz e foi dormir.

***
Dia seguinte, duas e meia da tarde, dia e hora ótimos pra ligar.
Quase pulando de alegria, agarrou o papel (que deixara embaixo do travesseiro, para não voar, ou quem sabe, ficar perdido por aí), e se dirigiu ao telefone.
Discou e esperou.
Ocupado: tu, tu, tu, tu...
Vai ver discou muito rápido. Apertou o botão de desligar o telefone, e depois discou de novo.
Tu, tu, tu, tu...
Mais uma vez.
Tu, tu, tu, tu...
Hum. Uma última, por via das dúvidas.
Tu, tu, tu, tu...
Resolveu dar um tempo, quem sabe, esperar. Deu azar, ligou na hora em que estava ocupado, deve ser isso.

***
Pegou o telefone já sem esperança, e agarrou o papel rosa, já muito amassado depois de três dias embaixo do travesseiro e perambulando pelos bolsos de calça. Não largara o número um só minuto.
Discou.
Tu, tu, tu, tu...
Discou de novo.
Tu, tu, tu, tu...
Tinha que desistir. Sabia disso. Mas não queria, não podia simplesmente desistir assim. De novo.
Tu, tu, tu, tu...
Arrasado, desligou o telefone e recolocou-o no gancho. Pegando o papel, foi se colocar diante da janela.
Será que aquele número fora inventado na hora? Mas se fosse assim, a fita ia falar que era número inexistente, não ia ficar dando ocupado.
Será que o telefone estava quebrado, e exatamente por isso, não tinha sido difícil driblar todo aquele jogo duro?
Bom, não podia estar ocupado há três dias, direto. Ao menos disso tinha certeza.
Olhou o papel de novo, com atenção...
Estranhou, a princípio. Depois ficou com raiva. E em seguida, caiu na gargalhada.
Não, não tinha driblado todo aquele jogo duro.
Se lembrou de que também tinha dado seu número de telefone. E que tinha sido num papel rosa.


Bein-bein/Ocupado pela décima vez/Bein-bein/Telefone não consigo falar/Bein-bein/Estou ouvindo há muito mais de um mês/Bein-bein/Já começa quando eu penso em discar/Eu já estou desconfiado/Que ela deu meu telefone pra mim...

Telefone - Wilson Simonal

Thursday, September 01, 2005

Um Dia de visita

Tudo começa na UERJ.
Andam dizendo por aí que estou misterioso demais, que estou ocultando informações e coisas assim.
E estou, mesmo. Aliás, estava, agora já não tem mais segredo.
Saí de fininho hoje de manhã, com uma furtividade adquirida em recente treinamento. Ninguém nem me notou.
Quer dizer, quase ninguém. Algumas pessoas me encontraram no ponto de ônibus, e tive que parcialmente revelar minha missão. Mas consegui escapar...e lá fui eu, de 464, rumo a um Dia de visita.

Duas e meia da tarde
Finalmente estou chegando à redação. O silêncio ouvido a princípio contrasta com a idéia original do ambiente: muito barulho, principalmente de telefones tocando, e de gente gesticulando, falando, trocando informações o tempo todo. Mesmo assim, continuo.
A princípio, a dúvida: não tem orientação, nem sei onde é que fica a repórter. Vou perguntando aqui e ali, até que um repórter baixinho e simpático (que vim a saber depois que é da editoria de polícia), diz, apontando: “é pra lá”.
Olho na direção indicada e vejo-a, finalmente. E lá vou eu, crachá preso ao pescoço, ansioso pelo que vai acontecer...

Duas e quarenta e cinco
Após alguns breves minutos de conversa, acabo de perceber que nada está garantido. E fico me perguntando o que estou fazendo ali.
Ela então começa a digitar a matéria no computador, já no espaço devido. E eu começo a me meter, dizendo “ih, como leitor, eu não entenderia aquilo ali”. “Olha, você esqueceu o f na palavra tal”. A relação de cumplicidade parece tão grande que ela me mostra uma matéria recente e diz “inventa uma legenda pra foto, pra não termos que repetir essa”.

Três horas da tarde
Depois dela me dizer que acertei na legenda (embora não vá ser a que vai pro jornal), continuo me perguntando o que estou fazendo ali. Estaria sendo submetido a algum teste para entrar em algum tipo de sociedade secreta? Ou seria simplesmente um dia pra conhecer a redação?

Quatro horas da tarde
A repórter me diz que precisa apurar uma matéria, e pede que eu me sente ao lado do editor. A ele, faço várias perguntas, sobre o funcionamento do jornal e coisas assim. A frase que choca:

“Não é mito que eu modifico a matéria do repórter. Meu papel é definir o que o leitor vai ler. Modifico, sim, e pronto. O máximo que o repórter pode pedir é para que a matéria não seja assinada, mas aí, é o próprio repórter que sai perdendo.”

Enquanto responde às perguntas, o editor começa a montar as pautas do dia. Ele pega enormes blocos de texto (as pré-pautas) e começa a enxugar as informações, deixando-as as mais resumidas possíveis. No caso de existirem mais de um bloco de texto, enxuga cada um separadamente, para depois reescrever todas as informações num bloco só.
Ao mesmo tempo em que monta as pautas, ele consulta repórteres, buscando novas informações e tirando dúvidas sobre os textos que está escrevendo. Tudo terminado, envia as pautas para os editores-chefe, e me manda voltar para a mesa da repórter.

Cinco e meia da tarde
Mais conversas com a repórter. Faço cara de cansado, e ela pergunta se quero um café.
Bebendo o café, conheço rapidamente o repórter baixinho (o mesmo de quando cheguei aqui), e descubro que ele é da editoria de polícia. Ele, a repórter e mais um outro (que não sei quem é) começam a falar sobre a Jeany Mary Corner (é, a cafetina do mensalão) e a conversa evolui rapidamente para a Rita Cadillac e as chacretes, passando pelos filmes pornôs (o baixinho diz que já viu filmes pornô com a Rita, que ela faz filmes desse naipe há muito tempo).
Terminado o café, volto para a mesa junto com a repórter.

Seis horas da tarde
Mais conversas. Pergunto à repórter se existem free lancers no jornal, mas ela diz que não. Então pergunto sobre voluntários, e afirmo que quero ser um. Ela diz que vai negociar com o editor, e depois me dá a resposta.
Em seguida, me convida pra ir lanchar.

Seis e quinze
Antes do lanche, passamos na sala da apuração, aquela onde tem rádios ligados na polícia, e onde os telefones tocam o tempo todo. É também onde a repórter resolve dar uma mãozinha pro apurador. Depois ela me apresenta o mesmo: é um repórter famosíssimo, da editoria de polícia, um dos melhores que existe. Ela me diz que aprendeu com ele. Ele então começa a me interrogar:

Qual seu nome?
Rafael.

Sobrenome?
Cavalcanti.

Filho de quem?
(Fiquei sem graça e não entendi bem a pergunta. A repórter respondeu por mim: de ninguém, não é filho de jornalista).

Ah...e o que é seu pai?
Era empresário.

Não é mais?
Não. Não deu certo.

Ele agora é aposentado?
Não. Está estudando para fazer concurso público.

(A repórter fala com ele, diz que eu também quero ser voluntário. A resposta quase me emociona...)

Vem. Se quiser, eu te ensino. Mas por favor, depois não passe na rua e não finja que não me conhece. Tem uns aí que eu ensinei tudo, e eles passam na rua e nem olham pra minha cara. Não essa aqui (aponta pra repórter), essa daqui continua a mesma, sem nariz em pé.

A repórter e eu saímos, afirmando que vamos lanchar. Ela diz que depois vou ficar lá um pouco, conversando com o famoso jornalista. Fato que acabaria não acontecendo...

Seis e vinte
Agora estamos eu, a repórter e uma colega dela de redação, sentados na mesinha, lanchando. A conversa flui, falando de faculdades e tal, e a colega afirma ser contra faculdade de jornalismo. Diz que é técnica, que um curso resolveria tudo. A repórter permanece calada.
Em dado momento, a repórter fala que quero ser voluntário, e a colega corta logo o barato:

“Não pode abrir esse precedente. Senão a gente aqui era mandado embora...”

A repórter então explica à colega que o processo seletivo acabou de acabar, e coisa e tal. Fim de lanche, e voltamos à redação.

Seis e meia
Agora a redação começa a ferver. Os telefones tocam o tempo todo; jornalistas colocam o fone no ombro e correm para terminar seus textos, apurações e o que mais for necessário. Todos pesquisam na Internet, procurando saber se não há nenhum fato novo, nada que ainda possa ser transformado em matéria.
Sento-me novamente ao lado do editor, que agora cuida da página e do espaço em que as notícias serão publicadas. Ele não pára quieto, indo e voltando, olhando a página, as matérias, consultando um e outro. Num desses intervalos...

Quero me tornar voluntário...
(Risada) Ah não, isso não existe.
Existe sim.
Não, não existe.

Nesse instante, chega um repórter, que pelo que ouvi anteriormente, deve ser sub-editor, ou algo assim.

Olha só, quer ser voluntário.

Ih, não existe não. Você desvaloriza o trabalho do seu colega. Eu sempre digo aos meus alunos: não façam nada sem remuneração ou sem supervisão.

Além do que, se bater o fiscal do trabalho aqui, vai querer saber quem é você, e o que está fazendo aqui. Não, voluntário não existe em grandes empresas
(ou, ele disse “em grandes espaços” ou “é algo irreal”, ou “não temos pessoas trabalhando de graça em grandes empresas”, algo assim). Ainda é cedo pra você se preocupar com redação...

É claro que as informações são um choque: vão contra tudo em que eu sempre acreditei. Ainda bem que o choque é rápido, nada sério...

Sete horas da noite
Agora chega, preciso ir. O editor volta, num de seus intervalos, já me despachando (ou será que não?).

Agora vou ficar assim, Rafael, levantando toda hora...

Já vou.

Ah. Muito prazer. E não se preocupe. Ainda é cedo pra você se preocupar com redação...

Quando volto para me despedir da repórter, ela está conversando com uma colega, passando meu curriculum. Quem sabe.

Sete e quinze
Termina o Dia de visita.
Baixas? O comportamento “curto e grosso” do editor, e algumas idéias muito “dentro do sistema”.
Ganhos? A experiência de viver um Dia de redação.
Um dia estarei de volta – mesmo que não seja aqui. Já não tenho mais dúvidas: não há vida fora da redação. E dentro, será que existe?

The Flash

(para quem achava que a onda de inspiração terminou...digo que tá só começando!)

Não gosto de ondas nostálgicas.
Daquele negócio de achar que o passado é sempre melhor e mais bonito, de ficar lembrando da infância como a época áurea da vida, de ficar sonhando acordado, lembrando...lembrando...de que mesmo?
Lembrando das tardes na casa da vovó. De chegar do colégio, vestindo o uniforme e carregando a mochilinha, trazido pelo ônibus especial ou pela mãe.
De deitar no sofá da casa da vovó e comer todos os tipos de lanches que ela preparava, e tomar o mate quentinho da tarde, e ficar vendo televisão – primeiro os filmes japoneses primos do Jaspion, depois o programa da Gilse Campos (é, eu via, embora até hoje não entenda porque), depois as novelas e os desenhos animados...
Lembrando de ficar deitado todo torto no sofá, e a vovó dizendo “tira esse uniforme, menino!”. Ou então “sai daí, senta direito”. Ou quem sabe, o não menos famoso “você está vendo televisão muito de perto, hein? Vai estragar a vista!”.
Lembrando de ficar esperando a mãe chegar, pra poder ir pra casa, seja a do Leblon ou a que veio depois, em Vila Isabel.
Ir pra casa da Vila era mais divertido: ia no carro brincando com os bonecos (aqueles de super-herói), ou então falando sozinho, brincando de repórter, numa inocência que a mãe achava engraçado, e ria, ria, e não falava nada.
Ah, sem esquecer aqueles passeios do colégio...passeios incríveis, onde me esbaldei, embora hoje não consiga me lembrar direito. Teve tudo: bienal do livro (onde comprei o livro “Cebolinha e Floquinho”), jardim botânico, jardim zoológico, Fazenda Alegria (não gosto de lembrar dessa)...e toda aquela atmosfera com os amiguinhos, e aquela coisa de ir no ônibus festejando, e me achando o máximo, vestindo uniforme e mochilinha, carregando as coisas, rindo sozinho.
Não posso também deixar de citar a saída do colégio. Ah, que momento mágico! Sair do colégio depois de um dia inteiro de aula (é, eu achava muito. Mal sabia, né?). E aquela atmosfera da saída, e o pipoqueiro em frente ao portão, e os coleguinhas felizes também, e a atmosfera de ir pra casa beber o mate quentinho da vovó, e ouvir ela mandando eu tirar o uniforme.
Para terminar, a cena que marca: O The Flash – eu, correndo pela casa, com um raio desenhado e recortado em papel (extremamente mal-feito, porque eu nunca soube desenhar nem recortar), me sentindo o super-herói mais rápido do mundo. Na época era apaixonado por esse herói, essa criatura extremamente rápida, e sonhava que tinha todos esses poderes.
Não gosto dessa onda nostálgica – mas quando ela é prejudicial, quando a gente fica sonhando acordado e...e....e...bem, e não vive. Mas de vez em quando é bom lembrar, né?
“Rafael!!!! Venha beber o teu mate, menino, que tá esfriando!!!”