Monday, September 27, 2010

A praia e o tempo

Ajoelhado em meio à praia deserta, a primeira lágrima rolou de seu rosto.

Seguida dela vieram várias, a segunda, a terceira e a quarta, até seus olhos ficarem cheios d´água, molhando seu nariz, seus lábios e seu rosto.

Fungou e suspirou, soluçando alto, enquanto o choro se tornava mais forte, mais convulsivo. Olhando para o céu estrelado daquela bela noite de verão, ele parecia implorar às estrelas por uma solução.

Que não fosse uma solução, então, já que a perda era irreparável. Que fosse um alívio, um conforto, algo capaz de fazer com que sua dor diminuísse.

Mas, enfim, que algo fosse feito. Não podia suportar a dor, a dor incrível da perda, a certeza da separação, e que o inevitável fim havia chegado. E que ocorrera justamente a única coisa para a qual não havia meio nem remédio.

Perdas, já sofrera muitas na vida. Superara todas. Mas essa...era diferente. Dessa vez, não havia nada que pudesse fazer.

Foi quando sentiu uma mão em seu ombro. Um toque macio, delicado, diferente, que deu um aperto muito leve, mas suficientemente confortável.

"Acredite, eu sei e compreendo."

A voz era leve e macia. Olhando para trás, ele vislumbrou a bela mulher diante de si.

"Sei exatamente. Já passei pela mesma situação que você, inclusive mais vezes."

"Mais de uma? Como seria possível suportar?"

"Suportando. Entendendo. Compreendendo os valores, os princípios. E mais do que isso, com a ajuda do melhor e mais cruel amigo dessas horas..."

"Que amigo?"

"O tempo. Ele fará não com que você esqueça, mas sim, com que você possa aceitar a situação. Que comece a ver as coisas de outra forma."

"Não entendo..."

"Não é para entender, amigo. É algo para se pensar. Eu poderia lhe dizer, mas você, do jeito que está, não compreenderia. Para entender, é preciso equilíbrio. E nesse momento, isso é certamente o que você não tem. Está machucado, ferido, cansado. Tudo perfeitamente compreensível. Quando o equilíbrio voltar, você certamente poderá compreender melhor o que eu lhe digo."

Ele olhava a mulher, sem entender muito bem. Se sentindo melhor, enxugou as lágrimas do rosto.

"Que coisa, estou me sentindo em um conto espírita."

"Pode ser. Se você sente assim...então, que seja. Agora vamos, levante-se. De pé."

Ele hesitou, mas obedeceu.

"Muito bem. Confiança. Esse é outro valor importante. Vamos, andemos pela praia. Tenho muito a lhe dizer. E você tem muito a ouvir..."

"Dizer e ouvir...não é a mesma coisa?"

"Certamente não. Vamos."

E lá foram os dois, caminhando pela praia deserta, com o barulho do mar ao fundo, e observados pelo belo céu estrelado.

Thursday, September 09, 2010

A Cidade do Sono

Se eu pudesse, dormiria agora, nesse instante, nesse momento, e viajaria até a Cidade do Sono.

Quem nunca foi não tem ideia de como é. Em uma definição bastante simples, não é um lugar nem bom, nem ruim...apenas calmo. Tranquilo. Sereno. Silencioso.

A Cidade do Sono é o mesmo Rio de Janeiro das praias, os trens, dos bares, dos subúrbios, do samba, dos arcos da Lapa; a diferença é que, por lá, não há gente circulando. Por mais que você ande, não há vivaalma nas ruas.

Nada, ninguém.

Nem carros, nem ônibus, nem caminhões, nada. Apenas os prédios, as casas, as ruas, tudo, como numa grande cidade fantasma. Da mais pura e rara beleza, como só o Rio consegue ser...mas sem ninguém. Sem gente.

Por lá, posso fazer o que mais gosto: andar e falar, mexer a boca, quem sabe, ao mesmo tempo, ouvir música. Sem olhares de reprovação, sem desprezo, sem gente que tenta me ver e entender o que estou fazendo.

Posso andar por todos os lugares, explorar e descobrir cada canto, cada pedaço, cada lugar; ouvir o silêncio mais puro e mais profundo, que às vezes soa ensurdecedor; mas, aí, basta gritar, falar alguma coisa, e quebra-se essa mágica. Sem réplica, sem resposta, sem ser internado como se fosse louco por gritar no meio da rua.

Se pudesse, iria até a Cidade do Sono e caminharia em um belo fim de tarde, com o sol começando a baixar, tomando um mate - sim, há mate na Cidade do Sono, não me perguntem como. Caminharia pelos Arcos da Lapa, me sentaria na grama ali perto, e ficaria olhando o horizonte. Assim, sem hora e sem trabalho - que também não existem por lá.

Depois, iria caminhando devagar até a praia, enquanto a noite cai. E me sentaria por lá, na areia, bebendo uma água de coco, ficaria olhando e ouvindo o mar bater na praia, nas pedras, fazendo aquele barulho que só ele sabe. Só eu, sozinho, solto, sem ninguém, nada, sem horário, sem preocupação - que também não existe por lá.

E quem sabe, dormiria ali mesmo, relaxado e tranquilo. Quando acordasse, iria em busca de uma televisão e passaria horas assistindo. Quem sabe, de uma forma diferente...não sei...levaria a TV para o meio da Avenida Presidente Vargas e começaria a assistí-la ali mesmo, completamente nu.

Soou engraçado? É sério. Fico me imaginando dessa forma, sentado no meio da avenida, vendo televisão, sem nada, sem ninguém, sem gente, apenas eu e a cidade, na forma da relação mais pura, sem crise, sem dor, sem problema. Rindo dos meus programas favoritos, e sem jamais lembrar que algum dia sofri, ou que algo não deu certo, ou que alguma coisa não saiu exatamente como eu esperava.

E, se me cansasse disso, sentisse falta das pessoas, do mundo verdadeiro, dos problemas que não tenho...bastaria desejar, e estaria de volta à Cidade Real.

O mágico é justamente saber fazer a viagem.