Essa mesa costumava ser mais alta. E esse vidro, mais largo e espesso. Costumava ser mais difícil alcançar as coisas, tinha que ficar em pé, quase que subir na cadeira.
Mudei eu? Ou mudou a mesa?
E essas cortinas? Se me lembro bem, pareciam quase brancas quando não estavam na janela. Agora ganharam um tom bege, uma coisa entre o branco e o cinza, e estão cada vez mais amareladas. Sujeira? Tempo? Ou meus olhos?
Mudei eu? Ou mudaram as cortinas?
O pórtico da cozinha costumava ser enorme, gigantesco. Passar por ele era quase como atravessar um portal, de tão grande. E eu nunca tinha reparado bem nessa armação de metal na parte de cima. Agora parece tão...simples. Tão normal, comum.
Mudei eu? Ou mudou o pórtico da cozinha?
E essa manhã? Me lembra colégio, faculdade, aula, ter que acordar cedo, interromper o sono. Essa manhã costumava ser muito chata. Mas...ah, essa manhã enevoada, plúmbea e pardacenta...de quando o sol não nasceu. Nunca tinha reparado como é bonito esse momento, simples, esse silêncio, quebrado apenas por um leve carro passando. Como a luz amarelada acesa sobre essa manhã dá um ar bonito à rua, uma coisa quase que poética.
Mudei eu? Ou mudou a manhã?
E o sono? Ah, ele costumava ser mais profundo, mais bonito, mais descansado. Mas...o sono continua sendo um dos raros momentos de...descanso...em meio à vida agitada e corrida, um dos raros momentos em que é possível relaxar quase que inteiramente. Bem...às vezes há um despertador para atrapalhar...mas há sempre um sono sem despertador. Que bonito esse silêncio do sono, essa paz que ele costuma transmitir.
Mudei eu? Ou mudou o sono?
Sono. O sono costumava ser uma coisa chata, irritante, e de vez em quando ainda é. Dormir. Tanto tempo perdido, oito horas, dormindo. Mas que palavra legal essa, "sono". Legal mesmo, nesse termo. Porque "sono" lembra "som", mas é justamente o oposto. É justamente ver o rosto do outro em paz, tranqüilo. Há sonos agitados, há pesadelos, há sonhos ruins - mas descanso é sempre bom.
Mudei eu? Ou mudou o sono?
Esse travesseiro costumava ser mais confortável, mais macio, mais fofo, digamos assim. Costumava ser mais agradável. E costumava ser mais limpo, ter cheiro melhor. Mas como é bom poder deitar e recostar a cabeça em algum lugar macio!
Mudei eu? Ou mudou o travesseiro?
Tudo começou como uma grande referência das coisas, um olhar...e virou um grande espanto de coisas que parecem tão óbvias que nem se pára para pensar nelas. O que parecia ruim parece se tornar melhor, se olhado de outro jeito, outra forma, outro espanto.
Mudei eu? Ou mudou o texto?
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