Tuesday, August 31, 2010

O sábado

O sábado é algo tão único, tão especial, que é difícil achar um jeito original para falar dele.

Existe manhã melhor do que a de sábado? Mesmo que você acorde à tarde, de ressaca, não existe manhã melhor que a de sábado - nem que seja para ser gasta dormindo. E se você acorda cedo, não existe manhã melhor para fazer exercício, ler o jornal, tomar aquele café, ou simplesmente não fazer nada.

Ah, o café de sábado também não tem igual. Com o radinho do lado então...coisa de louco. Até o gosto do pão fica melhor, mais puro. E a sensação de poder continuar sentado na mesa do café depois que acaba, sem preocupação com a hora...coisas que só o sábado proporciona.

Existe sensação melhor do que deitar na cama, sábado de manhã ou à tarde, e colocar os pés para cima? Poucas, eu diria. E, para quem gosta de exercício, também não existe manhã melhor que a de sábado. Ou tarde. Ou noite. É um dia perfeito por si só.

Alguns dirão...mas...ah, e se chove? Pois não. E aquela sensação de ficar deitado embaixo do edredom, com a chuva batendo na janela, algo quente para beber, assistindo um filme velho e repetido na TV? Existe dia melhor para fazer isso do que sábado? E existe tarde melhor para ficar deitado, lendo um bom livro, sem preocupação com hora, tempo ou coisa qualquer?

Isso porque ainda não falei da noite de sábado. O dia de "todas as baladas", o dia onde surgem pessoas que nunca ninguém imaginou conhecer. O dia onde as pessoas se multiplicam na mesma proporção em que bares e vagas de carro parecem desaparecer. E que, de alguma forma, lembra a cena dos copos de cerveja em cima da mesa, das luzes de neon e a música da pista, do lanche às seis da manhã antes da volta para casa, com as primeiras luzes do domingo.

Sábado, o dia que lembra música, festa, agito. O dia que, por si só, já seria perfeito se fosse apenas a noite. Mas que, ainda bem, é muito mais do que isso.

E viva o sábado.

Friday, August 13, 2010

De casa para o trabalho

O barulho do motor da escova de dentes é sempre o último. Assim que ele termina, já sei: está na hora de sair.

Na verdade, não é uma questão de "saber": é uma questão de hábito. Hábito que começa com banho, vestir a roupa, pentear os cabelos, e por fim, escovar os dentes. E, claro, sair de casa para pegar o 110 e ir trabalhar.

A caminhada diária até o ponto não dura mais que dez minutos: coisa de atravessar três ruas e caminhar uns dez metros. O tempo de espera é absolutamente variável: pode levar entre cinco minutos e meia hora. Isso, quando não saio correndo atrás do ônibus, atravessando a rua esbaforido, tentando alcançá-lo enquanto ele ainda está parado no ponto.

Essa corrida tem dois efeitos interessantes: quando consigo pegar o ônibus assim, o alívio é enorme, e a sensação de sair logo do ponto é ótima. Mas, se ele vai embora antes que eu possa alcançá-lo, fica a frustração. Não dele ter ido embora, mas do fato de saber que o próximo costuma demorar um pouco.

A espera no ponto é outro capítulo à parte. Como o 110 é muito parecido com outro ônibus, o 460 - ambos são amarelos por fora - nunca sei qual deles está chegando no ponto, só quando se aproximam bastante. E como há mais 460 do que 110, é comum que eu passe um tempinho no ponto reclamando e dizendo para mim mesmo: "Mas nossa, quanto 460! De novo ele? Cadê esse 110 que não chega?"

Lá se vão quase cinco anos nessa rotina, com direito às mesmas frases todos os dias. E pensar que, em breve, tudo isso deve mudar.

Tomado o ônibus, é hora de ir trabalhar. Seguir pelo pouco que ainda resta do Leblon e entrar na Lagoa. Primeiro, em uma parte onde ainda não é possível ver o espelho d´água que dá nome ao bairro, e que inclui o Clube do Flamengo, uma academia de ginástica, o Parque dos Patins, o Clube Piraquê.

E, por fim, aos poucos e reluzente, surge a Lagoa. De uma beleza sempre ímpar (ou seria "par"?), é bonito em dia de chuva, em dia de sol, em outono, verão, inverno, enfim, seja como for. Por quase vinte minutos (um pouco mais ou menos, dependendo do trânsito), fica ele ali, à direita do ônibus, dando um pouco de beleza a mais um dia como outro qualquer.

Rotina. Ou não...

Depois vem o Túnel Rebouças, o Rio Comprido, e a virada na Rua Haddock Lobo para ir ao Estácio. Engraçado...esse lugar me lembra alguma coisa.

O ônibus então segue pelo Estácio, cruza a Rua Salvador de Sá, o Sambódromo, e o túnel Martim de Sá, rumo à Rua Henrique Valadares.

Fim do caminho e início de mais um dia de trabalho.

Thursday, August 05, 2010

O professor

Hoje eu o vi pela segunda vez. Sim, não há dúvida: era ele, "o professor". O conheci já faz um tempo - não faz tanto tempo assim, mas, para mim, parece ter sido há séculos.

Seja como for, hoje eu vi o professor pela segunda vez, na mesma rua e no mesmo horário da semana passada, caminhando na mesma direção de sempre - eu indo, ele vindo.

Seu andar continua diferente de qualquer outro que eu já vi. É um andar lento, arqueado, pausado, e de uma simplicidade ímpar. E ele caminha com tal olhar fixo no horizonte que parece não se abalar com nada. Às vezes tenho a impressão de que, se um trem passasse diante de seus olhos, ele parararia com o mesmo olhar fixo, esperaria pacientemente a locomotiva passar, e retomaria seu andar calmo como se nada tivesse acontecido.

É visível que o mestre está mais velho do que naquela época. Seu rosto ganhou mais rugas, os cabelos parecem estar mais escassos, e com mais fios brancos do que cinzas; e o cavanhaque em forma de seta continua contrastando com a barba, que segue malfeita como sempre foi. Às vezes me pergunto se ele já fez a barba algum dia...

Suas roupas continuam chamando a minha atenção: ele anda com uma camisa aberta no peito, um casaco grosso...e bermuda e tênis. Nunca sei se o professor está com frio, com calor, ou um pouco de cada um. Ou se sai de casa com roupa de frio e de calor e escolhe na rua o que vai vestir.

Da mesma forma, seguem seus livros embaixo do braço direito, sempre parecendo mal seguros, como se a qualquer momento fossem se espalhar pelo chão. Mas não: todas as vezes em que o encontrei, ele sempre está com os livros bem firmes, e pelo pouco que pude acompanhar, nunca caíram.

Lembro que o professor tinha algumas manias estranhas, e ao mesmo tempo, invejáveis. Uma delas era não ter televisão em casa, e mais do que isso, não assistir televisão. Adoro TV e fico imaginando como alguém consegue viver sem ela, apenas entre livros, papéis de estudo e anotações. Não sei se ele tem computador com internet, mas desconfio que não. É algo fascinante e muito estranho. Como alguém consegue viver apenas lendo?

A outra mania era sair muito cedo para dar suas aulas. Se a aula era às dez, lá estava ele às oito e meia perto da casa do aluno. Lembro que encontrei com ele uma vez, e o cumprimentei. Conversamos um pouco, e eu disse: "Já vai?". E ele, apontando para uma galeria próxima: "Não, vou entrar aqui e ler um pouco, até a aula das três horas...". Olhei no relógio e eram meio-dia, mas achei melhor não dizer nada: me despedi dele e segui meu caminho.

Hoje, mais uma vez, tive o ímpeto de cumprimentá-lo, mas novamente travei. Sempre penso que ele não vai se lembrar de mim.