Saturday, November 27, 2004

O sonhador e o cotidiano

“Todo dia ela faz tudo sempre igual / Me sacode às seis horas da manhã / Me sorri um sorriso pontual / E me beija com a boca de hortelã...”

Os primeiros raios de sol atravessam a minha janela, passando pelas frestas da cortina; são seis e meia da manhã. Me viro de bruços, querendo dormir mais um pouco, e quando estou quase pegando no sono novamente, o despertador começa a tocar. Detesto alarme; coloquei uma música. Naquela manhã especialmente, acordei ouvindo “Hey Ya”, do grupo americano Outcast. Uma música ideal para despertar, sem dúvida...
Me levanto extremamente irritado, doido para ficar na cama mais um pouco. Estou com uma cara parecida com a do Garfield quando cai da cama na Segunda-Feira de manhã. Hora de ir ao banheiro, lavar o rosto, limpar os olhos e escovar os dentes.
Feito isso, hora de tomar café. Cafezinho simples, pão, queijo, uma xícara de café de ontem. Volto ao banheiro; hora do banho matinal.
Nada melhor do que um banho matinal, daqueles que relaxam e fazem a gente compensar o tempo que não dormiu, mas que eles nos atrasam, ah, isso sem dúvida. Perdi a hora; desligo o chuveiro rapidamente, saio, me enxugo, me visto o mais depressa que posso e saio, pegando as chaves do carro que estavam sob a mesa da sala.
Não moro longe; meia hora, vinte minutos, chego ao meu destino, se o trânsito estiver bom. No carro, tenho que estar atento a tudo o que acontece, mas a minha cabeça não está.
Que saco essa rotina. Tempo igual, vida igual, tudo igual. Hora que passa do mesmo jeito, segundo que corre da mesma forma, minuto eternamente igual. Tudo, tudo, tudo do mesmo jeito. Estou cansado – cansado de não fazer nada, cansado da rotina. A vontade é mudar o curso do carro e ir para algum lugar onde eu possa sentar, quem sabe uma praça.
Iria para a praça e estacionaria o carro ali. Algumas crianças iam brincar pelo lugar; não, não ia haver perigo algum. Babás iriam dar voltas na praça e conversar umas com as outras; senhores simpáticos, de calça xadrez, blusa azul e boina, iriam dar suas caminhadas na praça, passando pela igreja e fazendo o sinal da cruz. Sempre resmungando coisas como “o mundo não é mais como antigamente” e contando suas velhas histórias, velhas e belas histórias de um tempo que já não mais existe.
Eu ia me sentar num daqueles bancos de praça e ali permaneceria, quietinho. Jogaria o meu relógio o mais longe que pudesse e ia ficar sentado, sentindo o tempo passar devagarzinho, aquele ventinho gostoso de outono soprando de leve, levantando o cabelo da gente..
— Acorda, imbecil! Tá dormindo?
Voltando à realidade. O trânsito não perdoa mesmo, não se pode nem mais imaginar enquanto se dirige o carro!
Mundo real chato e cotidiano, das coisas que não mudam nunca...não agüento mais esse trânsito, esse caminho, essa vida...
Trabalho, aqui estou eu. Esse trabalho sempre estafante!
Entro estressado na minha sala, depois de pegar um elevador lotado. Exagero chamar de “minha”: é uma sala enorme, com algumas divisórias. Minha mesa é uma mesa pequena, perto da janela, e com certeza a mais bagunçada de todas!
Trabalha, trabalha, trabalha.
Lá embaixo, todo aquele movimento, todas aquelas pessoas passando, os carros, o ar meio poluído...melhor do que o do interior do escritório...e uma sensação de rotina, de prisão...
Podia eu estar lá embaixo. Sozinho, sem ninguém, ninguém mesmo. Uma parte vazia da cidade. Estaria andando. Jogaria o terno longe, tiraria a gravata, jogaria os sapatos ao vento, arremessaria o relógio o mais longe que pudesse e sairia caminhando. Não, também não existiria a violência. Andaria por onde fosse, calmo e tranqüilo, sem hora, tempo, nem razão.
— Acorda! Por acaso eu te pago pra ficar sonhando, é?
Chefe. Quer uma coisa mais na rotina do que chefe? Aquela pessoa que se comporta sempre da mesma forma, que te trata sempre do mesmo jeito, que vem com aquelas velhas idéias, que te conta centenas de vezes a mesma história. Coisa chata...
Sete horas, tá na hora de sair. Ufa. O mundo lá fora, enfim...
Estou mais estressado que nunca, esbravejando palavrões. Não me deixam mais sonhar, me tiraram o direito de sonhar. Merda. Eu não agüento mais essa rotina, essa vida, tudo igual, sempre igual. Ah, amanhã eu largo tudo. Não, não posso conceber. Não agüento isso. Vou procurar algo pra fazer, algo que me agrade mais...
Trânsito. Como eu odeio, sempre igual, sempre engarrafado, por onde quer que se vá. Sempre esse mesmo caminho...
Meus olhos se arregalam de repente, o estresse fica em segundo plano. Aquela é a Baía de Guanabara, muito iluminada, belíssima com suas luzes refletindo-se na água, e aquele vento batendo no rosto, e tudo mais...
Saindo do túnel, uma visão magnífica: a Lagoa, a Lagoa Rodrigo de Freitas, aquele espetáculo de luzes se refletindo na água, o ar de paz, aquela beleza toda...
Praia. Aquelas ondas batendo na areia, o vento forte, o coco gelado a qualquer hora...lindo, lindo, lindo.
Passo, o estresse volta. Bem menos pior, lógico, pois ver aquela imagem bela me deixou bem.
Trrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrriiiiiiiiiiiimmmmmmm...
Celular. É a Amanda. Não acredito! Uma conversa rápida, estou dirigindo. Sair? Claro.
Um barzinho, um violão, um copo, um sorriso, um beijo.
Estresse? Onde? Largar tudo? Não sei quem foi que disse isso alguma vez. Impossível ficar estressado diante desse sorriso, desses olhos que parecem me dizer muita coisa, daquele beijo que pára tudo ao redor. Impossível largar tudo, não dá, não posso, não me vejo fazendo outra coisa, tendo outra vida. Impossível ficar estressado diante de uma cidade que se revela tão bela, capaz de, com uma visão, levar um cidadão ao êxtase, a sentir uma felicidade e uma renovação que nenhum outro lugar do mundo seria capaz de proporcionar.
Volto para casa feliz, um enorme sorriso no rosto, a madrugada já alta, a felicidade fluindo por todas as partes do corpo.
Amanhã começa tudo de novo...

Friday, November 19, 2004

Gosto?

06h30: hora do café da manhã, ou se preferirem, desjejum.
O café não tem o mesmo gosto de todos os dias. Está amargo, aguado, com gosto ruim. Muita água, muito açúcar, outro café em outra xícara, e nada. O café continua horrível.
Torrada de pão de forma com manteiga: horrível também. A manteiga não tem gosto de nada; o pão parece um tijolo.
Um chá, quem sabe. Horrível: água suja com açúcar.

07h30: hora de sair de casa.
A noite foi chuvosa: há poças d´água por todos os lados e a rua ainda está molhada. A rua está feia, triste, vazia; tem cheiro de abandono.
O ônibus que eu pego é habitado por insetos nada convenientes, com suas asas nojentas e sua mania de pousar em qualquer lugar. Horrível...

08h30: hora do primeiro cafezinho no trabalho.
Merda de café, esse, hein? Quem foi o imbecil que fez este café aqui? Porra, vou dar umas aulas pra ele de como fazer um bom café. Andem, me digam quem foi. O que? Eu?
Tento beber um chá, mas é de boldo. O gosto é amargo, horrível, a xícara está toda suja; quando acabo de beber, talvez por intencionalidade, talvez não, a xícara voa em direção ao chão, se espatifando toda.

12h30: Hora do Almoço.
Bosta de restaurante. A comida é gordurosa demais, há pouca variedade de pratos, o atendimento é péssimo, e esses garçons são pessoas esnobes demais. Já ignoraram meu pedido três vezes. Teria sido por causa do meu jeito manso?
A carne está dura, a comida está sem tempero, esse pastel encharcou de gordura, esse empadão está uma merda. Nunca mais volto nessa espelunca, onde almoço já há exatos 25 anos...

16h00: Hora do Lanche da Tarde.
Não houve, por motivos de força maior: esqueci o sanduíche em casa.

19h00: Hora do Lanche final.
Lanchinho em casa, bem parecido com o café da manhã. O pão continua um tijolo, a manteiga está uma merda, a caneca está toda suja, o café muito ralo. Quero alguma coisa decente; me trazem um bolo comprado, vagabundo, com gosto de aditivo químico industrial. Nesse bolo horrorível o maracujá passou longe...

00h30: Dormir.
A cama, ao menos, não tem inconvenientes, nem nada. Putz...
Quando é que eu vou arrumar uma tomada repelente contra mosquitos?

01h30: Acordar e pegar o telefone.
Merda, ela ainda não voltou de lá. Tenho que dizer pra ela que não vivo sem ela, que ela precisa voltar de qualquer jeito...

Insônia

Hum...minha cama não é mais tão macia quanto antes.
Abro os olhos devagar e olho o relógio: uma e meia da madrugada. Lá fora, o vento assobia alto; a noite é úmida e fria.
Me viro na cama, tentando dormir; são quase vinte minutos sem sucesso algum. Perco a paciência, enfim; me levanto e vou até a janela, quem sabe estou tenso, se eu relaxar um pouco...
O vento continua assobiando, parece estar zombando de mim. Ou talvez não, talvez ele queira apenas me assustar, para que eu corra desesperado para debaixo das cobertas e fique lá, tremendo, enquanto o sono vem naturalmente.
Volto para a cama. Resolvo desligar o relógio, quem sabe assim eu consiga dormir. Começo a me virar de um lado para o outro, mil pensamentos fervilhando na cabeça: idéias, tristezas, mágoas, saudade. Tudo junto, tudo misturado, num “bolo mental” que parece fechar a porta da minha mente toda vez que o sono bate: toc, toc, toc.
A irritação vem em seguida, e só não é pior porque estou cansado demais para reações muito enérgicas. Sem contar que não ia adiantar. Jogar o travesseiro longe, por exemplo, não me ajuda a dormir. Me alivia no momento, mas é só, no instante seguinte vou precisar de mais alguma coisa para me aliviar. Se cada vez que quiser um alívio eu tacar alguma coisa, não vai sobrar m**** alguma no quarto.
Angústia, incertezas, medo, saudade, mágoa, sensação de traição, tudo junto, tudo vem reforçar o “bolo mental”. Deve ser quatro da manhã e continuo rolando na cama, sem dormir. Não quero ler nada, simplesmente não tenho paciência nem disposição para isso; quero dormir. Quero dormir. Quero dormir. Quero dormir...
O tempo continua passando. O sono também vai passando, mas bem longe de mim. Meu corpo exige descanso, mas a mente impede que o sono chegue. Rolo na cama, de um lado para o outro; me cubro, me descubro, me cubro, me descubro, me cubro, me descubro e aí acabo descobrindo que isso não ajuda a dormir.
Poderia levantar e beber leite, mas não acredito que leite ajude a dormir; portanto, continuo deitado, rolando na cama. Três minutos depois, começo a achar que tudo é válido, afinal não custa tentar. Mas cadê as forças pra ficar de pé depois de quase quatro horas em claro?
O vento já parou de uivar; deve ter ido lá naquele lugar onde faz a curva, e aí, quem sabe, pôde descansar um pouco. A mente trabalha continuamente. Merda. Isso não é hora de a mente trabalhar!
Tento dizer isso pra mente, que não quer aceitar. Quer que eu resolva tudo logo, afinal, se não resolver, não tenho ânimo. É fo...go, eu preciso, eu quero, EU TENHO QUE DORMIR. Mas eu simplesmente NÃO CONSIGO!
Os primeiros raios de sol atravessam a janela; devem ser seis da manhã. Tenho que levantar, preciso levantar, está na hora. Não, hoje não vou, vou ficar dormindo.
Não dá, o corpo não obedece a nenhum dos dois comandos. Está exausto pela falta de descanso, e ao mesmo tempo, não consegue descansar.
É impossível ficar de pé e mais impossível ainda ficar deitado. Merda. Será que consigo ficar sentado?
Tento. Caio de volta na cama, deitado, imóvel. Meu corpo trabalha a mil por hora, e ao mesmo tempo, pede descanso.
O desespero é tamanho que eu GRITO, GRITO, GRITO, GRITO, com toda a força dos pulmões...
Acordo.

Saturday, November 06, 2004

Só mais um 438 rápido

Todo dia é dia de 438 rápido, afinal não tem jeito mais rápido de chegar em casa. É quente e nem sempre muito confortável; é chato e nem sempre empolgante; é sonolento e fica sempre na mesmice do caminho, que se antes era novidade, agora já está ficando chato. Ainda assim é o melhor jeito de chegar em casa.
Outro dia subi no ônibus, e quando estava terminando de me acomodar na cadeira, alguém fez sinal fora do ponto. O motorista parou e abriu a porta; para a surpresa dos passageiros, um grupo enorme entrou. Daqueles jovens que vão à praia em grupo e pegam ônibus, e que você sabe só de olhar que irão fazer uma algazarra por todo o caminho. Ah, claro, sem esquecer que sempre sentam juntos, nos últimos lugares do ônibus.
Dito e feito. Da Tijuca até a Praça da Bandeira apenas conversaram em voz alta; quando o ônibus saía da Praça, começaram a cantar, dando um show variado e bastante brega que tornou a viagem diferente das outras.
Primeiro foi funk. Começaram pelo mais recente, de um estilo mais “romântico”, e foram voltando, indo até Claudinho e Buchecha. Cantaram tudo, passando pelas mais variadas músicas e duplas de sucesso.
Já na metade do Rio Comprido, a inspiração pra cantar funk cessou. Voltaram a conversar em voz alta, falando bobagens e rindo, com o ônibus todo olhando para eles, fazendo aquela cara de “ai, que saco”.
Começaram a cantar algumas músicas “neutras”, enquanto um deles, de voz mais alta e aguda, soltava besteiras a torto e a direito, fazendo as meninas rirem em coro. Daí para o brega foi um pulo: Br´Oz, pagode, samba e tudo mais que vocês possam imaginar.
Já no Jardim Botânico, a inspiração cessou de novo. O “agudo” voltou a falar suas besteiras, agora mais alto, fazendo o ônibus todo ouvir:

“CAIU! CAIU! CAIU! Caiu o preço da bananada...”

Atravessávamos a Rua Jardim Botânico em frente ao Jardim, e o motorista deu uma gargalhada com um comentário feito pelo grupo. A partir dali, os dois estabeleceram uma espécie de “pacto”:

“Ih, olha, o motorista. Ele tá rindo!”
“Ih, eh mesmo!”
“Ae, seu motô...”


O motorista deu mais uma risada, olhando o grupo pelo espelho retrovisor, enquanto o ônibus continuou avançando. Algumas pessoas olharam novamente para trás, enquanto o agudo soltou mais uma das suas:

“Não, não olhem pra gente com essa cara. A gente não fala com vocês, só com o ‘home’ lá...”

O grupo então resolveu emendar mais uma música, numa espécie de “saideira rodoviária”. Era uma música “clássica”, um daqueles hits românticos bregas. Terminada a música, alguém do grupo se ergueu e apertou o botão, pedindo que o ônibus parasse. Enquanto toda aquela turma descia, uma das meninas disse:

“Tchau gente, boa viagem para vocês. Desculpem a confusão, as músicas bregas...”

Pronto. Novamente o silêncio, a paz da viagem de todos os dias, o barulho do ônibus deslizando pela pista, o ruído dos carros lá fora, o vento uivando. Novamente o ônibus tranqüilo, sem barulhos. Novamente a sonolência, a monotonia e as mesmas paisagens de todos os dias, o mesmo caminho que já começa a me impacientar. Ei! Onde vocês estão indo, grupo musical do 438-rápido? Voltem aqui...venham continuar a cantar...voltaaaaaaa...é tão bom ter você ao meu lado...
Histórias de uma viagem de ônibus, sempre tão cheia de monotonias, novidades e paisagens urbanas de uma cidade belíssima.

Wednesday, November 03, 2004

Summertime

Nada melhor do que uma música para representar o estado de espírito. Verão chegando, e eu em mais um eterno processo de mudança; a música que fala o que eu sinto hoje está postada abaixo.

Summertime
Estamos todos aqui
Rodando na estrada deixa a cidade sumir
Sou de praia na marola
Será sempre assim
Agora vou embora
Vou pra longe daqui
Vi
Longe daqui
Roda na areia no mar
Harmonia na praia
Sintonizada com o som das águas...

Invadindo a areia
Molhando nossa alma a noite inteira (doideira)

Só quero o que é meu
Não quero mais pedir
Momentos sentimentos relacionamentos
Eu olho pro céu
Antes de ver cair
Não reconheço mais as ruas
Por onde eu cresci

A cidade não tem mais o jeito
Nem do tempo de quando eu nasci
Yeah, yeah

Summertime
Estamos todos aqui
Rodando na estrada deixa a cidade sumir
Sou de praia na marola
Será sempre assim
Agora vou embora
Vou pra longe daqui
Vi
Longe daqui
Roda na areia no mar
Harmonia na praia
Sintonizada com o som das águas...

Vivo
Vivo nessa selva de pedra
Vivemos sem sorrir
Vivo
Lutando por uma vida eterna
Que nunca vai existir


Summertime – Tihuana – CD “Ilegal”, ano 2000, Virgin Records.

Deixem o seu comentário (é só clicar na palavra em laranja logo abaixo do texto), um grande abraço e até a próxima...

Não incomoda ninguém

É meio-dia, mês de Outubro, sol à pino. Desço do ônibus e começo a caminhar; atravesso uma rua, duas. Estou passando por uma praça, e por um instinto da natureza, olho para a placa de rua, aquele poste que tem uma marca de propaganda na parte mais alta e duas placas, que apontam a direção e dizem o nome da rua.
Permaneço andando e olhando para a placa. A distância entre eu e o poste começa a diminuir, até que passo por baixo dele, mantendo o olhar para cima. Qual não é minha surpresa quando eu noto, tremeluzentes e translúcidos, fios de teia de aranha habitando a placa...
Sim, fios de teia de aranha. A sujeira mais elementar de todas, a mais fácil de limpar – basta passar uma vassourinha e pronto – ali, habitando aquela placa.
Alguns irão me chamar de maluco, pelo estranho ato de olhar uma placa de rua de baixo para cima. Outros dirão que é uma sujeira “que não tem problema”, afinal “ninguém vê”, “ninguém nota”, “não incomoda ninguém”.
Acho que esse “não incomoda ninguém” é exatamente a idéia que levou o Rio de Janeiro a um completo abandono, chegando ao estado lastimável que se encontra hoje: totalmente podre, com os cantos, as placas, as árvores, o mar, tudo habitado por fios translúcidos e tremeluzentes de teia de aranha, o símbolo maior do abandono.
Acho que esse “não incomoda ninguém” é a mesma idéia que permitiu que os traficantes de drogas crescessem e tomassem conta da cidade. Deixa eles lá na favela, vendendo a droga deles, não é verdade? Não deixa a polícia subir lá não, afinal só vai dar dor de cabeça. Deixa eles lá vendendo a sua droguinha, eles “não incomoda ninguém” mesmo, não é verdade? Aí vem o bandido assaltar na Zona Sul, na porta da mansão, e a classe média e média alta fica horrorizada, se perguntando o que pode ser feito e até onde a situação vai chegar. Enquanto “não incomoda ninguém”, vai longe, muito longe mesmo.
Acho que esse “não incomoda ninguém” é a mesma idéia que leva o prefeito a não consertar os buracos das ruas. Ah, os buracos “não incomoda ninguém”, não é mesmo? A mesma idéia que leva o prefeito a não trocar a iluminação das ruas, afinal, uma rua escura “não incomoda ninguém”. Se aproveitando que “não incomoda ninguém”, bandidos e pivetes fazem a festa, assaltando e roubando pessoas que trabalham, lutam, suam o mês inteiro para ganhar o seu dinheiro e comprar um sonho qualquer, e mal conseguem aproveitar o sonho, ele é levado embora com a ajuda de uma arma...
Realidades e histórias de uma cidade partida, cansada, combalida, arrasada, e principalmente, abandonada. Parece que os presidentes paulistas gostam de deixar o Rio arrasado, afinal o Rio sem dinheiro “não incomoda ninguém”. Fica lá, no canto, deixando a violência explodir, as finanças quebrarem, a cidade ficar entregue às baratas, o estado investir em assistencialismo barato. Deixa, deixa, dizem todos. Deixa ele lá abandonado, como um morador de rua que ergue o chapéu pedindo uma moedinha. Deixa ele quieto, abandonado, não cuida dele não, não se preocupa com ele não. Afinal, ele quieto, pedindo esmola, “não incomoda ninguém”.

Rafael Cavalcanti é aluno de jornalismo, e por enquanto, seus textos “não incomoda ninguém”...

Abaixo o assistencialismo garotinho

Definido “garotinho” como “menino pequeno”, vamos reduzir um pouco o sentido do termo. Digamos que “garotinho” seja quase sinônimo de “pequeno”. Agora o título fez sentido? Ah, ótimo. Vamos à crônica...
Polêmica à vista. Não tenho medo de fazer a seguinte afirmação:
SE EU FOSSE ELEITO GOVERNADOR, A PRIMEIRA COISA QUE FAZIA ERA SUMIR DO MAPA COM OS RESTAURANTES POPULARES DA ROSINHA.
Sim, dirão vocês, e seria linchado em praça pública. Seria chamado de “governador das elites”, de “traidor do povo”, de “safado”, “pilantra”, “filho da” e outros adjetivos nada agradáveis.
Sim, realmente, desconfio que isso fosse acontecer. O povo – e entendam “povo” aqui como a massa “falida” e sempre manipulada pelas elites – é imediatista. Não costuma pensar grande, não parece pensar no futuro. Quer soluções rápidas, agora, já, imediatamente, sem mais delongas (bonita essa expressão hein?).
Exatamente, quer soluções rápidas. Por exemplo, tem fome, quer comer.
Entendendo isso, o Governo do Estado inventou esse negócio de comida a R$ 1. Você vai lá, paga R$ 1 e come. Mata a fome.
Ótimo. No dia seguinte, volta, paga mais R$ 1 e come.
No dia seguinte, o mesmo ritual.
Dentro de um mês, está escravo do restaurante popular. Não tem sequer a chance de escolher onde comer; TEM que comer ali, é a única opção. A idéia de “matar a fome” acaba tornando o povo um escravo do governo. O povo continua pobre, miserável, sem emprego nem oportunidade. De barriga cheia, mas pobre.
Pobre vota sem pensar muito, dizem os políticos por aí. Não precisa de muita coisa para votar: basta um prato de comida. É, a Rosinha e o Garotinho se aproveitaram dessa “ferida” da sociedade e exploraram esse nicho. Resultado: uma explosão de popularidade.
O Restaurante Popular é uma idéia muito controversa e muito perigosa. Ele tem um lado até que importante, no sentido de que mata a fome; mas a longo prazo, ele se torna algo terrível, pois escraviza o pobre, o limita a uma opção, faz com que ele esqueça que um dia poderia escolher onde comer. Faz com que o pobre se esqueça da vontade de subir, de mudar a sua condição. Afinal, como dizem por aí, “barriga cheia, coração contente”.
Com o sucesso desta m...maravilhosa idéia, o governo resolveu criar a Farmácia Popular: remédios por R$ 1.
Ótimo. Não teria nenhuma crítica à farmácia, desde que se cuidasse dos hospitais públicos, principalmente dos estaduais. Afinal, de que adianta farmácia sem hospital, ora porra? Pra que remédio barato se é impossível conseguir um diagnóstico num hospital do estado? Essa idéia não parece ser um incentivo à automedicação?!
Basta ver o estado lastimável do HUPE, o Hospital Universitário Pedro Ernesto, onde não há sequer ALGODÃO. Falta dinheiro para comprar ALGODÃO. Para se ter uma idéia, os médicos chegam a arrancar pedaços da própria roupa para tapar os ferimentos. Duas semanas depois, o indivíduo volta com uma (desculpem o termo) puta inflamação, com o ferimento muito pior do que chegou, todo infeccionado.
O HUPE está arrasado, e o governo estadual faz o que? Cria Farmácias Populares. Isso não parece incoerência?!
Tem mais; existe o lado negro dessas “popularidades assistencialistas” do casal garotinho.
Para se ter uma idéia, ouvi há algum tempo atrás que cada refeição popular custa, para o estado, R$ 3. O indivíduo paga R$ 1, e o estado fica com o prejuízo de R$ 2. Quem você acha que paga esse prejuízo, hein? O dinheiro da saúde e da educação. É...
Não posso dizer que essa informação é 100% segura, mas suspeito que seja. A governadora retira dinheiro da saúde e da educação para manter e pagar os prejuízos das “popularidades assistencialistas”. Inclusive tentou aprovar um projeto de lei para que o “desvio” desses recursos fosse “permitido”.
É por essas e outras que eu sou contra as “popularidades assistencialistas” e o “assistencialismo garotinho” desses dois seres, que se julgam os donos do Rio de Janeiro. Querem transformar o nosso pobre estado num feudo, onde irão mandar e desmandar. Aliás, já fizeram isso. O assistencialismo cresce, enquanto o emprego desce; a educação continua péssima e a saúde no estado só piora.
Talvez eu esteja sendo muito radical defendendo aquela idéia inicial. Fica entre nós: vou fazer uma pequena mudança.
SE EU FOSSE ELEITO GOVERNADOR, UMA COISA QUE FAZIA ERA SUMIR DO MAPA COM OS RESTAURANTES POPULARES DA ROSINHA.
Posso estar sendo tendencioso demais ao escrever esse texto. Juro que busquei não ser, mas ao mesmo tempo, é difícil quando a gente busca defender um ponto de vista. É difícil assumir o ponto de vista do outro, ainda mais quando sua realidade parece tão distante, e não quis me arriscar nisso, temendo ser mal interpretado e acabar gerando um grau de tendência ainda maior. Não sei se esse texto foi muito “chutando a porta na cara” e menos “uma conversa onde eu quero te convencer”, talvez tenha sido. Ainda assumo muito esse estilo “porta na cara”, a minha maior luta é para amenizar isso ao máximo.
Um grande abraço, comentem por favor, e até a próxima.