Tuesday, March 30, 2010

As crônicas de Córdoba - II

Sao oito da noite. Caminhamos praticamente em silêncio, em direçao a rodoviária, depois de um dia em que andamos muito e falamos o tempo inteiro. Às vezes, um ou outro comentário, uma risada, uma piada. De repente, olhamos para trás...e...lá está, mais um cachorro nos seguindo. Rimos de quase gargalhar. O destino às vezes é engraçado...

Tudo começou bem antes, as cinco da manha, quando acordei com o despertador tocando. Sabia que seria o início de um dia longo e cansativo...ou talvez, de um dia muito, muito bom. Um dia realmente de férias, como eu merecia há tempos.

A primeira missao foi arrumar a mochila. Um casaco, uma calça, mp3, livros...quando olho, parece que estou levando uma mala. Tudo conferido: dinheiro, documentos, cartoes...vamos, entao.

O sol nem nasceu ainda, e o vento frio da madrugada sopra firme pela rua quase deserta. Meus passos sao firmes, rápidos. Acostumado a andar de madrugada no Brasil, passei a ficar sempre alerta para tudo e qualquer coisa. Mesmo que digam que aqui posso andar tranquilo, seja a hora que for...

Fui o primeiro a chegar ao terminal de ônibus. A dúvida. Nao há mais ninguém. Em um canto, um cachorro dorme. Pronto, agora sim. Estamos todos aqui. Mochilas nas costas, passagem na mao, esperamos o ônibus enquanto os primeiros raios de sol clareavam. No instante em que Córdoba acordava, subíamos os degraus do coletivo e partíamos rumo à aventura.

Depois de ouvir música e dormir um pouco, o resto do caminho foi todo de conversa. Caramba, quanto assunto. E quanto mais se fala, mais se tem a dizer, a comentar, a conversar. Tópicos brotam, assim, como um atrás do outro. E a conversa só para no terminal de önibus, quando chegamos ao nosso destino, e é preciso usar o banheiro.

Banheiro usado, mochila nas costas, dia começando, seguimos rumo à oficina de turismo da simpática Mina Clavero, interiorr da Argentina. E tome conversa. Mas agora paramos por um instante. Vamos ver o mapa, saber onde vamos, o que vamos fazer. O tempo é curto e a vontade de conhecer tudo é grande. Temos que escolher. Ficamos com a opçao que pareceu mais razoável: ir até um povoado, depois visitar um museu, e por fim, um balneário. Sabem...águas, nadar...enfim, um ótimo programa para um dia ensolarado, mesmo que hoje ele esteja nublado.

Pegamos o ônibus até o povoado e começamos a andar rumo ao museu, que fica no caminho do balneário. Mas logo pedimos informaçao e descobrimos que aquele nao é o caminho. Entao voltamos, seguimos mais algumas quadras, e por fim, tomamos o caminho certo. ¨É melhor irem de táxi, é longe, senao, vocês terao de voltar de ambulância¨, disse um transeunte. Nao, obrigado, vamos a pé. Afinal, se nao for assim, onde está a aventura?

E tome caminho. E tome chao. E nada do museu aparecer. E tome conversa. Haja assunto. Mas o dia parece inspirado, ninguém quer se calar e todos parecem estar morrendo de vontade de conversar. E tome chao. E nada de museu. Quem foi que disse que o museu ficava a cinco quilômetros? Já devemos ter andado uns sete, e nada...

De repente, uma cabeça de cachorro surge de uma cerca. Ele entao sai, cai na estrada e começa a perseguir um grupo de insetos. Comento que gosto de animais bem longe, no zôo, enquanto minha amiga diz que tem dois e que adora animais. E à medida que seguimos caminhando, o cachorro - um belo exemplar, de cor meio caramelo, de uma raça que poderia ser um cocker spaniel - começa a nos seguir. Será porque ela gosta de animais ou porque eu os prefiro longe?

Seja como for, tome mais conversa, mais caminho, mais chao. Finalmente, chegamos o museu. Decidimos parar, relaxar um pouco, comer alguma coisa e depois seguir viagem. Alguns biscoitos bastam, afinal, comemos bem todos os outros 364 dias do ano.

Ao sair do museu, o cachorro caramelo continuava nos seguindo. E logo a ele se juntou um outro, preto, que andava ali pelo museu, esse, parecendo de rua mesmo. E lá fomos nós, continuando a conversar e caminhando rumo ao balneário, com os dois cachorros nos seguindo, enquanto o tempo decidia se firmava com sol ou se ficava com nuvens. Acabou nao se decidindo...

Depois de pegarmos o caminho errado, ¨invadirmos¨ sem querer uma propriedade e quase sermos atacados por um terceiro cachorro, finalmente terminamos o caminho e chegamos ao balneário. Um belo lugar, calmo e sossegado, com um rio muito gelado, mas ótimo para nadar.

Mas, se antes os cachorros pareceram uma piada, naquele momento começaram a irritar, roubando as coisas, ficando em volta de nós e impedindo que relaxássemos. A brincadeira começou a ficar sem graça. Mas, com a ajuda de algumas outras pessoas que andavam por ali, conseguimos finalmente espantar os dois animais (me refiro aos cachorros) e deitamos na beira do rio. Um merecido descanso para quem dá duro todos os outros dias do ano.

E tome descanso, e tome mais conversa. O assunto nao pára, é possível falar de tudo. Às vezes tenho a impressao de que procurávamos alguém para conversar e falar, muito mais do que relaxar na beira de um rio em uma pequena cidade argentina.

Mas o tempo, esse mistério eterno e inexorável, mais uma vez nao perdoou nada, e chegou a hora de ir embora. Depois de sofrermos com os cachorros, agora a sorte parece estar do nosso lado: um casal que andava por ali se oferece para dividirmos o táxi que veio buscá-los. Que bênçao, nao vamos precisar andar tudo de volta!

O táxi segue por um caminho oposto ao que viemos e nos deixa na beira da estrada que nos leva de volta à cidade grande. Agora é esperar o ônibus para poder voltar. Nisso, o casal que dividiu o táxi arrumou uma carona. Só tem um problema: é uma picape e nao cabe todo mundo sentado.

Dá-se um jeito, aperta daqui, aperta dali, e assim, meio amontoados, rindo daquilo tudo, seguimos em alta velocidade rumo à cidade. Afinal, isso é aventura. No caminho, o motorista vai contando suas histórias, dizendo que vive tranquilo em Mina Clavero, e que conhece parte da Europa. Mas nao, ele nunca foi ao Brasil. O chamo para ir ao Rio de Janeiro, como faço com todo mundo que troca duas palavras comigo. E por fim, descemos na cidade. Fim da aventura?

Longe disso, agora o maior desafio é procurar algo para comer. Mas que cidade é essa onde todos os restaurantes estao fechados no sábado, e os que estao abertos custam os olhos da cara? O jeito é comer um sanduíche na padaria. Com garrafa de coca-cola comprada em uma vendinha, para poder comer o sanduba na mesinha do lado de fora, debaixo de uma sombra para fugir do sol das cinco da tarde. E nao tem sensaçao melhor do que comer, beber, se recostar na cadeira e pensar que as férias estao apenas começando...

Enquanto a noite chega, ainda falta tempo para pegarmos o ônibus de volta. Entao vamos a um banco de praça, com o que restou da Coca-Cola. E tome mais assunto, mais conversa, enquanto o tempo parece voar. Ah, se eu pudesse nem voltar para casa...como é bom estar viajando, de férias, livre, sem tempo, fazendo apenas o que dá vontade. Mas o tempo, esse que nada perdoa, trouxe a noite e as estrelas. Infelizmente, é hora de pegar o ônibus de volta.

Sao oito da noite. Caminhamos praticamente em silêncio, em direçao a rodoviária, depois de um dia em que andamos muito e falamos o tempo inteiro. Às vezes, um ou outro comentário, uma risada, uma piada. De repente, olhamos para trás...e...lá está, mais um cachorro nos seguindo. Rimos de quase gargalhar. O destino às vezes é engraçado...

E como é o destino, o cachorro nos segue até o terminal. Que, aliás, parece um jardim zoológico: tem cao, besouro, cupim de luz, enfim, de tudo um pouco. Há a dúvida. O ônibus virá? Teremos de passar a noite nesse zôo?

Nao, o ônibus chega. O sono me vence na estrada, e quando acordo, lá está Córdoba, meio dormida, meio acordada.

E isso era só o começo. Eu tinha seis horas para dormir antes de uma segunda e nova aventura...

Monday, March 15, 2010

Cronicas de Córdoba - I

(Este teclado nao tem o ¨til¨, por isso usarei ñ).

O tempo acabou.

Ñao foi exatamente um city tour, eu diria que foi mais um passeio rápido onde se contou parte da história da cidade.

Que importa? Será que faz diferença?

Ñao sei. Sei que o tempo acabou. Olho para os dois lados, e de ambos, só vejo gente desconhecida. E agora, o que fazer?

Melhor ñao perguntar isso em voz alta, ñao ia pegar bem. Deixa para lá. O tempo...o tempo ñao acabou, na verdade ele é infinito. E mais do que nunca, é meu.

Só me resta andar. Muito. Por toda parte. O máximo que puder. Mais do que a história, nesse momento vale sentir a cidade, procurar entendê-la, viver um pouco e viajar menos.

Afinal, parafraseando o poeta, viver é preciso, viajar ñao é preciso.

Andar. Andar por aí. Esse sorvete ñao é tao bom, já tomei melhores. Ninguém faz sorvetes como os de Buenos Aires. Sentado sob um canteiro, o tempo passa. As pessoas também. A rua parece vazia. Estranho. Essa hora da tarde?

Andando um pouco mais, encontro o movimento. Um formigueiro de gente em uma rua estreita. Vendedores ambulantes no meio da rua. Lojas de todos os tipos, vendendo produtos de todas as formas, cores, marcas, preços, tamanhos. A sensaçao de sair da Argentina e cair no Japao. Quem mandou andar em uma rua transversal e nao na principal? E de uma rua para a outra, a sensacao se repete. Caramba, que lugar incrível.

E de onde saiu tanta mulher bonita? A forma por aqui anda caprichada...é uma atrás da outra.

Andando mais, paro para comer um alfajor. Esses alfajores me lembram aqueles biscoitos casadinhos de padaria, só que aqui sao em tamanho gigante. Digo, repito, ninguém faz alfajores melhores do que Buenos Aires. Nem alfajores nem sorvetes.

Falta algo ainda para terminar. Mas vamos, antes que o leitor se vá. O caminho leva a uma praça, provavelmente o destino final. Que lugar engraçado. Parece concorrer em tudo com a capital. Tem sua própria marca de alfajor, de sorvete, e em vez dos tradicionais cafés, aqui o forte sao as padarias e lanchonetes. Até sanduíche com nome próprio eles têm...

E que mania estranha, ouço falar mais ¨cordobês¨ que ¨argentino¨. Um nacionalismo particular, interessante, mas de certa forma, meio provinciano.

Sentado numa praça, é o fim. Ou o início do caminho de volta.

(Continua...)