Meia-noite. Sem pressa, ele caminhava devagar por entre as árvores, seguindo pela alameda iluminada apenas pela luz da lua, e cercada de árvores dos dois lados. Depois de uma curva, estava lá o imenso portão de aço, todo enferrujado, que rangia terrivelmente toda vez que se abria.
Com o máximo de cuidado que era possível, ele ergueu uma das mãos, tirando-a dos bolsos de seu sobretudo, e empurrou o portão. O rangido se espalhou por toda a floresta, como um grito na noite. Parecendo não se importar, ele entrou, caminhou mais um pouco até chegar ao velho banco de praça, e então se sentou. Uma leve brisa soprou, refrescando a noite e levantando as folhas do chão do parque.
Há quanto tempo não se sentava naquele banco de praça? Três? Quatro anos? Mais, talvez. Muito menos, quem sabe. Houve uma época em que costumava ficar ali, admirando a lua e as estrelas, tendo idéias. Houve uma época em que achou que isso não servia para nada. Mas quem disse que tudo na vida tem de servir para alguma coisa?
Meteu a mão no bolso esquerdo da capa e sacou um maço de cigarro e um isqueiro. Retirou um cigarro, acendeu, tragou, cuspiu a fumaça, tirou o cigarro da boca...e ficou pensando. Tanta coisa acontecera enquanto esteve longe de seu banco de praça. Tantos amigos. Tantos chopes. Tantas coisas engraçadas. Tantas mulheres. Tantos beijos, abraços, cumprimentos, risadas, bons momentos. Tantos lugares bons, tantos jogos divertidos, tantas bebidas maravilhosas, tantas aventuras. E que coisa engraçada, nada havia permanecido. Tudo passou.
O vento voltou a soprar, e carregou para longe uma das folhas daquele chão de outono. Sim, pensei, aqueles momentos, desde a última vez que havia me sentado no banco de praça, eram cada um como uma daquelas folhas, que permaneciam ali no chão criando um ambiente bonito, poético, com o banco de praça ao fundo, o cara sentado fumando no escuro, apenas a lua iluminando a cena, como um holofote daqueles de monólogo de teatro. Aquela folha que voou na minha frente parecia um desses momentos que passam. E a vida agora, para mim, parecia o chão à minha frente: um campo aberto, sem nada a se preencher.
Como realmente o tempo havia passado. Dois? Três? Quatro anos? Como uma mola comprimida pela imagem da folha, as lembranças começaram a voltar à mente dele. Agora não pareciam tão boas assim. A derrota do Brasil na Copa, frustrações amorosas, pessoais e profissionais, erros cometidos pelo caminho, besteiras que não precisavam ser ditas, mancadas verbais e físicas, dores, choros, sofrimento. A música que lembrava quem ele queria esquecer, as músicas que recordavam seu tempo de infância e quase o levavam às lágrimas, as coisas que fizera e que achava que tinham sido perda de tempo. E que coisa engraçada, nada havia permanecido. Tudo passou.
Novamente o vento soprou, agora mais forte, trazendo poeira e mais folhas em plena madrugada de outono. Fechou os olhos com força e baixou a cabeça, tentando evitar que a poeira atingisse seus olhos. O cigarro apagou. Mais folhas pararam na frente do banco. Ele abriu os olhos devagar. Como que teimando, o vento voltou a soprar, em uma brisa muito leve, e levou as folhas embora de novo, deixando o chão vazio.
Larguei o cigarro, as lágrimas começaram a rolar pelo rosto. Retirei as mãos dos bolsos e levei aos olhos, soluçando. Não conseguia me conter. Chorava. A natureza agora decidira ser metafórica e falar de acordo com meus sentimentos? Até ela estava contra mim agora, decidira ventar e levar para longe o que era bom e o que fora ruim? Como se já não bastasse todas as dúvidas, ainda havia algo de metafórico naquilo tudo? O que fora a minha vida no tempo em que não estive sentado no banco do parque, ou da praça, ou seja lá qual for o banco? Um amontoado de folhas que embelezam a paisagem e são carregadas embora pelo vento? Uma imagem poética de um texto de blog “madrugante” (considerando que “madrugante” não é necessariamente um texto escrito pelo Seu Madruga) ? O que, afinal, eu construíra durante esse tempo do lado de fora do parque, longe do banco mas nem tanto assim?
E como que respondendo, o vento soprou novamente, atingindo seu rosto com força. Ele enxugou as lágrimas, tentou se controlar. Não sabia. Não tinha as respostas prontas. Nem com quem conversar, agora que o vento levara tudo. Então, pegou o cigarro e o atirou longe, e voltou as mãos aos bolsos. Parou de pensar. Ficou apenas contemplando a paisagem do parque “madrugante” (que não, não necessariamente é o parque onde mora o Seu Madruga). Olhando a sombra das árvores escuras, o brilho das estrelas no horizonte, a lua que o iluminava, como num daqueles velhos monólogos de teatro. Se não tinha nada, então olharia o que estava em volta, sem se preocupar.
E o vento soprou pela última vez, trazendo folhas que passaram e deixando outras aos pés dele, em meio à fria madrugada de outono.
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