Tuesday, April 29, 2008

O sonhador, a chuva e o banco do parque

Caminhava devagar, a passos lentos, chutando as pequenas pedrinhas do caminho. Então, fez a curva e deu de cara com o enorme portão de ferro. Olhou para os lados. Para trás. Lá para dentro. Ninguém. Empurrou o portão, que se abriu com um rangido, e entrou no mesmo passo lento.
No céu, apenas a lua e as estrelas. No interior do parque, seguiu o caminho de pedra por entre as velhas lamparinas, até achar seu banco preferido, encostado a um poste meio torto, a lâmpada já parecendo que ia cair a qualquer momento.
Olhando para os lados mais uma vez, viu que não havia ninguém. Respirando fundo, tirou um lenço do bolso da calça, passou na testa, guardou o lenço de novo e se sentou no banco.
Ficou ali, olhando para o horizonte, para o ponto onde a montanha parecia se encontrar com o céu estrelado, sentindo a brisa leve bater em seu rosto. Ouvindo o silêncio calmo da madrugada, quebrado talvez por um ruído de algum animal próximo, um grilo quem sabe. Nada mais. Apenas o silêncio. Apenas o barulho de seus pés batendo um contra o outro. E ficou pensando...
Não aceitava. Não queria aceitar aquilo, de jeito nenhum. Doía. Machucava. Incomodava. Sentia falta. Precisava. Mais do que uma necessidade, era quase uma obsessão. E agora...estava acabado. Tudo acabado.
Por mais que tivesse feito, não havia jeito de mudar, reverter ou trocar, não havia como substituir. As coisas chegaram a tal ponto que tinham se tornado rígidas. Não havia meio de voltar ao que eram, simplesmente porque haviam deixado de ser.
O vento soprou, levantando folhas, poeira do chão. Alguma coisa bateu em uma pedra, ali perto. O silêncio, só o mais profundo silêncio.
E agora? Sabia que as coisas estavam assim, estáticas, fixas, rígidas, e fim. Mas estava triste com isso. Porque, porque tinha que ser assim, desse jeito? Não podia ser de outro? Não queria mais que fosse assim. Queria que fosse do outro jeito.
Mas como faria para mudar? Não havia mais meio de mudar, as coisas simplesmente já não eram mais...não existia meio.
Uma lágrima escorreu por seu rosto, e a ela se juntou mais uma, e mais uma, e mais outra, até formar um choro quase convulsivo, entremeado por soluções e aparado apenas pelo lenço. Era pouco: as lágrimas escorriam por suas mãos, por seus dedos.
Levantando apenas os olhos, ficou olhando o horizonte lá longe. E, não sabia se era efeito do sono ou do choro, tudo começou a girar...as pedras, as árvores, o chão, o céu, o horizonte...tudo começou a se desfazer...
Agora não estava mais no parque à noite. E não era mais adulto. Epa. Estava se vendo. Sim, lá estava ele, com seus cinco anos. Onde foi que já vira algo parecido?
Lá estava: ele, pequenino, de mão dada à mãe. O dia, porém, não era nada bonito: nuvens negras de chuva se avolumavam no céu do parque e grossos pingos de chuva começavam a cair.

- Mamãe, mamãe...tá chovendo...não gosto de chuva...não posso brincar...

As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto do pequeno, enquanto a mãe o agarrou pela cintura, o ergueu e tentou tirá-lo dali, enquanto enxugava suas lágrimas.
Foi atrás: não estava entendendo nada e queria acompanhar a cena. A mãe seguiu até uma árvore, onde botou o pequeno, ainda chorando, no chão.

- Mamãe, mamãe, tá chovendo...não gosto de chuva...eu quero sol...eu quero sol!
- Mas meu filho, tá chovendo...não dá pra fazer sol agora!
- Mas eu quero sol...eu quero brincar...e com chuva não dá...eu quero que faça sol!
- Mas meu filho, não dá...
- Eu quero, eu quero...

Quase perdendo a paciência - visível por seu rosto irritado - a mãe tirou alguma coisa plástica da bolsa e desembrulhou. Uma capa. Enfiou no filho pela cabeça, cobrindo o pequeno quase todo.

- Pronto.
- Hã?
- Você quer brincar?
- Quero, mas eu quero que faça sol, com chuva não dá!
- Quem disse que não?
- Não dá, a gente se molha todo...
- E isso por acaso é ruim?
- Eu quero sol...
- Você tá de capa. Agora pode ir brincar.
- Eu...
- Anda, vai brincar. Você tá de capa, molhar um pouquinho não vai ter problema.

Deu um passinho na direção da chuva. Voltou. Olhou para a mãe, que o encorajou. Ameaçou fazer cara de choro...

- Anda logo!

Deu dois passinhos...mais dois...mais três...cinco...vinte...e dali a pouco estava brincando entre as poças, pulando, aproveitando ao máximo a chuva.

Tudo girou, foi se desfazendo...e estava de volta à noite, ao banco, ao horizonte.
Olhando uma última vez para o céu estrelado, já sem choro, sem lágrimas, mais calmo, foi caminhando lentamente em direção à saída.

Vou sair pra ver o céu
Vou me perder entre as estrelas
Ver da onde nasce o sol
Como se guiam os cometas pelo espaço
E os meus passos...
Nunca mais serão iguais...

Indefinido

Olhou as horas no relógio: cinco e meia. Bem a tempo.

- Quanto ficou a corrida?
- Vinte e cinco - respondeu o motorista de táxi.

Puxou a carteira, tirou duas notas e deu ao motorista. Em seguida, desceram os dois do carro para retirar a bagagem do porta-malas.
Agradeceu e puxou a mala para fora, botando-a na calçada. Com ajuda das rodinhas, começou a levar a bagagem para dentro. O motorista entrou no carro, acelerou fundo e se foi.
Deu dois passos, atravessou a porta automática de vidro e entrou no saguão. Entre pessoas e bagagens, senhores de terno, engraxates, painéis de aviso de vôo e chamadas de embarque, atravessou o aeroporto em busca do balcão do check-in.
O tempo. O tempo que não passava. A todo instante, olhava o relógio com ansiedade. A fila para confirmar a viagem parecia que ia demorar uma eternidade.
Finalmente, com check-in feito, bagagem na mão, chocolate para a viagem, puxou a mala de rodinhas em direção ao portão de embarque. Enfim.

- Ei! Espera!

Olhou para trás e procurou quem falava, como quem diz "é comigo?". Sem perceber nada, continuou a andar.

- Espera aí. Onde você vai?

Conhecia bem aquela voz. Não. Não era possível. Será?

- Por favor, não vai não.

Parou. Se virou para trás. Confirmou suas suspeitas. Fechou a cara.

- O que você está fazendo aqui?
- Vim impedir que você faça essa besteira.
- Besteira? VOCÊ vem me falar fazer em besteira?
- Por favor...não vamos discutir no meio do aeroporto...
- Não tô discutindo, ué. Você falou comigo e tô respondendo. Aliás nem sei porque, eu devia estar indo embora, vou perder o vôo.

Tentou se virar para trás, mas sentiu seu braço ser segurado.

- Me solta.
- Você vai me ouvir.
- Não quero ouvir nada agora, não tenho mais nada pra ouvir. Nem pra falar.
- Pensa bem...
- Já pensei.
- É? Então porque simplesmente não me ignorou?

Sentiu um calor subir por seu rosto. Sua vontade era soltar uma bofetada ali mesmo.

- Não é nada disso...é...você não tá me deixando ir.
- Quem quer não se deixa segurar.
- Quer parar de filosofar e soltar meu braço, por favor?
- Não solto nada. A gente vai conversar.
- Olha aqui...não quero conversar mais porra nenhuma com você, tá legal?
- Acho melhor você falar mais baixo e sem palavrões. Tá todo mundo olhando.

Engoliu em seco. Voltando a si, balançou o braço e tentou se soltar.

- Quer me largar, por favor? E parar com essa cena...olha o mico que estamos pagando!
- Não paro nada até você aceitar conversar.
- Mas que diabo de conversar? A gente já falou umas setecentas vezes. Já brigamos, discutimos, quase saímos no tapa, mas nunca chegamos a um acordo.
- Somos dois teimosos.
- Ainda bem que reconhece.
- Mas isso não quer dizer que a gente não possa tentar de novo.
- Pra acabar tudo como da última vez? Pra gente ficar bem e no dia seguinte você vir demonstrar suas preocupações e medos e fobias e inseguranças? Dizer que como tá não dá pra ficar? Isso já encheu, encheu. Cansei. Tô de saco cheio. De saco cheio. Não agüento mais essa insegurança, essa falta de determinação, essa vontade de não saber e não definir o que você quer.

Atenção senhores passageiros. Última chamada para o vôo 4637 rumo à Lisboa. Embarque imediato portão 5.

- É o meu. Tenho que ir.

Sentiu o braço ser solto. Ajeitou a manga. Se virou, e sem olhar para trás, começou a puxar a mala em direção à sala de embarque. Foi quando ouviu, em alto e bom som:

- EU QUERO FICAR COM VOCÊ.

Parou por um momento. Não era possível. Estava ouvindo aquilo? Ou...estava dizendo aquilo? E bem alto, no meio do aeroporto, na frente de todo mundo? Logo quem...logo quem dizia que nunca sabia...

- NÃO POSSO DEIXAR VOCÊ IR EMBORA ASSIM, DESSE JEITO, EU NÃO SEI O QUE SERIA...NUNCA MAIS VIVERIA DO MESMO JEITO, NÃO SEI DIZER NEM EXPLICAR...MAS QUERO VOCÊ AQUI. POR FAVOR...NÃO VÁ EMBORA. EU...EU...EU...COMO É QUE VOU DIZER ISSO...AMO VOCÊ. MAIS DO QUE QUALQUER COISA.

O tempo parou. O aeroporto parou. Parecia que nem o vento estava soprando lá fora. E que todos em volta observavam a cena, alguns em êxtase, outros com a respiração suspensa, outros muito surpresos.
Parado, soltou a mala, que bateu com força no chão. E se virou bem devagar. Só os dois se moviam. Nem uma respiração.
E foram caminhando um na direção do outro, bem devagar, parecendo muito sérios. Até que se encontraram num beijo longo e profundo, enquanto o bilhete de vôo, rasgado no meio, voava para algum lugar bem longe.
O tempo voltou a andar...enquanto eles ouviam dezenas, centenas de aplausos, que iam do homem do balcão do embarque ao engraxate.

Monday, April 28, 2008

Teaser

A realidade, por si só, pode ser muito engraçada. Pode ser porque é estranha, diferente, bizarra, ou simplesmente, porque tem pormenores que a tornam inimaginável em qualquer outra situação.
Vivemos num mundo doido e com cada vez menos espaço para essa realidade. Mas ela merece um lugar só para ela.

Aguardem.

Friday, April 25, 2008

Desânimo

Ando por aí e bate um desânimo...
O ato de "andar por aí" já é perigoso. Preciso olhar a todo instante para trás, para frente, para os lados, para cima. Não me descuidar mais um minuto sequer, pois a morte "espreita em cada esquina". Por mais que haja locais melhores e piores, a ordem parece ser "não vacile nunca, jamais". Nem na Zona Sul, uma espécie de "ilha de fantasia" carioca, a gente pode parar um minuto para amarrar o sapato.

Medo da nossa cabeça? Talvez...

Se ando por aí de ônibus, o desânimo só aumenta. Agora, além de me preocupar com assaltos e ladrões - preciso manter o olhar fixo na porta, o tempo inteiro, e descer se observar algum "elemento suspeito" - ainda tem o incômodo de não achar lugar para sentar, ficar espremido em pé no ônibus, sob um calor africano, no meio de um engarrafamento horrível, atento para ver se enfiam a mão nos meus bolsos para roubar o celular, a carteira, se abrem a mochila. Não dá nem para descansar a cabeça um minuto que seja.

Medo da nossa cabeça? Talvez...

Ando por aí - mantendo a atenção - e vejo abandono total, em tudo, em todos os aspectos, em todos os níveis. Pichações em fachadas de prédios, gente dormindo na rua, lixo e sujeira, trânsito totalmente congestionado, praias perigosas, ruas perigosas, avenidas perigosas.
Ando por aí e vejo dengue, febre amarela, gente com fome, hospitais lotados, descaso, miséria, pobreza. Não mais nos guetos, nos grotões: a pobreza que as classes mais altas empurraram para fora de suas vistas, na década de 60, está batendo em suas portas pintadas e decoradas, de arma em punho, cobrando a enorme dívida que nunca foi paga.
Vejo um povo que não é "povo", é "público" - mas não o culpo por isso. O dia-a-dia de um trabalhador é muito duro, sim, são dez, doze horas voltado à labuta, para ganhar o dinheirinho suado no fim do mês, para mal conseguir comer, sustentar os filhos, levar uma vida que seja digna.
Ando por aí e vejo as escolas abandonadas, alunos sem aprender. Ando por aí e vejo gente desmotivada, sem emprego. Está mudando? Claro. Mas estamos cansados de gerúndio.
Ando por aí e vejo imbecilidades por toda a parte, gente querendo soluções simples para problemas complexos (Estado da Guanabara...legalizar drogas...proibir armas), o medo nos olhos, nos gestos, nas palavras. Medo de ser assaltado, medo de morrer, medo de não ter onde morar, medo de perder o emprego. Medo de perguntar e de dizer as horas.
Ando por aí e vejo um Rio de Janeiro cheio de potencial, capaz de ser um dos maiores pólos de turismo no mundo - mas que está jogando tudo isso fora, pela janela, com todo esse abandono, em todas as partes, em todos os níveis.
Ando por aí e vejo uma justiça corrupta, uma polícia corrupta, um poder público corrupto, tudo corrupto, tudo corrompido, tudo comprado - e tudo vendido. Nem o esporte, de tantas alegrias, anda bem. Muito dinheiro, muita corrupção, bons jogadores sendo vendidos precocemente, ídolos que não tem nada de ídolos, péssimos e horríveis exemplos.
O que é pior, ando por aí e vejo um círculo vicioso terrível, que envolve tudo o que descrevi e muito mais, e do qual não vejo saída. Sabem, estou triste e desanimado. Gosto do meu país e da minha cidade, mas isso aqui não é mais lugar para se viver. É com muita tristeza que digo: quero ir embora daqui.
E se pudesse, já tinha ido.