Saturday, November 22, 2008

Noite de goleada

São oito da noite de um dia qualquer. Mais precismente, uma quarta-feira. A essas horas, eu estaria me preparando para sair do trabalho e ir para casa. Mas...hoje não. Especialmente hoje, não.

Estou, mais precisamente, em um carro, no meio do bairro de São Cristóvão, indo em direção ao Maracanã. Hoje é dia de futebol. Para mim, é mais do que um jogo, é O jogo. Porque, de um jeito ou de outro, será meu primeiro jogo como profissional, como repórter esportivo, cronista, jornalista, enfim, seja lá o que for.

A tensão e a ansiedade tentam me consumir, enquanto tento me controlar. É apenas mais uma partida de futebol. Apenas mais um jogo do Flamengo contra o Coritiba. Por outro lado, estou um pouco nervoso. Como será esse negócio de cobrir futebol do estádio? Será que conseguirei não torcer, me mantendo imparcial, como diz a regra? E se o time jogar mal pra caramba, terei o direito de xingar cada um dos jogadores e mandá-los para vários locais pouco agradáveis?

Para disfarçar a tensão, converso com um colega que também vai cobrir o jogo. Deve ser a milésima oitava vez que ele vai. É claro que não vou comentar nada sobre o meu nervosismo, não quero parecer bobo. E tampouco quero admitir que estou me roendo por dentro. Melhor falar sobre o time, sobre os jogadores, saber um pouco como andam as coisas nos bastidores.

Ao chegar no estádio, uma rápida negociação até que encontram minha autorização para entrar. Sabem como é, não tenho a carteirinha da associação dos cronistas, então precisei ligar antes e pedir permissão. Mas nada que atrapalhe. Aliás, onde está o colega? Ele disse algo sobre ir para a arquibancada comum...e assim, é sozinho mesmo que eu subo em direção à tribuna da imprensa.

Tudo é novidade por aqui. Legal, isso, a imprensa tem um bar só para ela e um banheiro também exclusivo. Posso ficar na tribuna da imprensa ou na cabine. Melhor na tribuna. Mal saio, ouço a torcida gritando, festejando, comemorando. Que vontade de gritar junto...mas não, melhor não, sou jornalista aqui, não torcedor.

Começa o jogo, bola rolando no Maracanã. A visão da tribuna não é das melhores, a cabine de rádio/TV quase invade a visão do campo...mas dá pra ver numa boa. O jogo começa equilibrado, com os dois times tocando bem a bola, e sem ninguém ter uma chance muito clara de gol.

E lá vai o Flamengo...lá vai Obina...entrou na área...opa...foi derrubado, é PÊNALTI! E o juiz marca!!!! Comemoração discreta, claro. Afinal, quem é o jornalista aqui? E enquanto isso, a torcida faz a festa.

Lá vai Léo Moura, bateu...ahhhhhhhh, o goleiro defendeu...mas Léo Moura pegou o rebote...é gol. É GOL! Com comemoração discreta, é claro, bem imparcial. A torcida do Fla faz a festa e canta o "parabéns pra você", aproveitando que o Léo está fazendo aniversário hoje. E um a zero pro Mengão!!!

Segue o jogo...agora parece que o Coritiba vai reagir, afinal está perdendo, precisa vencer para continuar sonhando com uma vaga na Copa Sul-Americana, se perder complica...mas quem tá atacando é o Mengão...lá vai Kléberson, recebeu pela direita, arrancou, cruzou...Obina bateu de primeira...tá lá, no fundo da rede...GOL, DOIS A ZERO PRO MENGÃO! E mais uma comemoração discreta, lógico.

Hora do intervalo. Melhor, impossível. Desço para beber um chá gelado, ir ao banheiro, conhecer as cabines de rádio/TV, respirar um pouco. E depois volto para a tribuna de imprensa. Olhando esse estádio, esse campo e essa torcida, fico me lembrando dos tempos de colégio. Sempre gostei de futebol, mas era gordinho e não conseguia ir atrás da bola. Aí, comecei a ficar de fora, assistindo os jogos, muitas vezes imitando o Galvão Bueno (não tinha outro melhor).

Será que veio daí essa coisa de querer ser jornalista esportivo? Talvez. Diziam, na época, que eu não entendia nada de futebol, não sabia nem escalar meu time - o que era uma crítica injusta, diga-se de passagem. Mas, hoje, sei escalar não só meu time, como os quatro grandes do Rio (e se bobear, vários outros do Brasil). Vejo os jogadores de perto, falo com eles e ouço histórias dos bastidores, posto pitacos em blogs criticando esquema tático, formação, escalação, enfim, tudo.

Entro como jornalista no Maracanã e assisto aos jogos que quiser. Fico pensando...o que será que diriam aqueles bobalhões, se pudessem me ver aqui, agora, crachá de jornalista no peito, assistindo ao jogo? Quem é que está por dentro agora, hein?

Me lembro do meu pai, que sempre me apoiou, ligo para ele...e conversamos sobre essa partida. "Agora só falta o Fla meter mais uns 3 para ficar perfeito, pai", digo a ele.

Começa o segundo tempo. O Coritiba pressiona, o Fla se segura bem, com a zaga funcionando perfeitamente. Obina faz fila mas perde o gol. E agora lá vai Ibson...toca para Fierro...toca para Ibson de novo...lá vai ele...chutou....É GOOOOOOOOOOOL!!!!! E eu comemoro mais animado, agora, cantando junto com a torcida. TRÊS A ZERO MENGÃO!!!!

Perfeito, melhor do que isso, impossível...ver uma goleada na minha estréia profissional no Maraca. O Fla faz uma belíssima partida. E lá vai o Mengão de novo...Fernando recebe...arranca...tocou pra Maxi...e É GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL...DO FLAMENGO!!!!! FOI FOI FOI FOI ELE...MAAAAAAAAAAAAAAAAAAAXI!!!!

Quem falou em comemoração imparcial? Bobagem, isso, isso não existe. Quatro a zero Mengão...lindo, lindo, lindo de se ver. E já canto com a torcida, bato palmas, comemoro, festejo. Belíssimo espetáculo.

Vai terminar, 48 minutos do segundo tempo...lá vai Obina de novo...opa, foi derrubado...É PÊNALTI! E o juiz marca!!! A galera pede pelo goleiro Bruno, grita, diz que ele que tem que bater o pênalti. E claro, eu grito junto. Os jogadores chamam...e lá vai Bruno!!!! Partiu, deu uma paradinha, bateu...

É GOOLLLLLLLLL!!!!!! CINCO A ZERO MENGÃO!!!

Belíssimo jogo, uma das melhores apresentações no campeonato, simplesmente impecável. A essas alturas, já comemoro muito, efusivamente - até já recolheram meu crachá de jornalista. Alguém falou em não torcer?

Ah, que noite. Para não esquecer nunca mais!!!

Janela em Movimento

Um sinal de trânsito. Uma curva. Um casal se beijando. Dois velhinhos sentados num banco de rua. Um homem que vai e outro que vem. Um castelinho. Um ponto de ônibus. Um sujeito em uma bicicleta com uma lâmpada piscando na frente, como se fosse um farol. Uma esquina. Uma placa de rua com o nome de um hotel argentino em cima. Uma mulher passeando com um cachorro. Outro sinal de trânsito.

Um sujeito careca ouvindo walkman em uma esquina. Um radar. O símbolo de uma empresa de telefonia. Um canteiro cheio de árvores, vazio. Dois caras estranhos conversando no canteiro. A Baía de Guanabara. Um letreiro de marca de refrigerante e outro de telefonia. Um monte de táxis parados em frente a um prédio. Um túnel.

Outro túnel. Uma loja de carros. Uma estátua. Uma lanchonete. Um botequim. Uma placa com uma seta "siga ou vire à direita". Uma banca de jornal. Uma loja de empanadas. Pessoas andando na rua. Outra curva. Um posto de gasolina. Seguranças conversando apoiados em uma cancela. Um colégio. Um cartaz dentro do colégio. Um orelhão. Um sujeito quase escondido em uma esquina.

Pessoas reunidas em uma esquina. Um letreiro azul e verde de uma loja de tintas. Um cartaz escrito 'Os estranhos' em um ponto de ônibus. Um relógio digital que marca 22h02. Uma senhora em um ponto de ônibus. Outro túnel.

Um caminhão de lixo. Uma padaria. Um sujeito passeando com um cachorro. Uma cancela vazia. Um clube. Uma praça. Uma curva. Outro cartaz escrito 'Os estranhos' em um ponto de ônibus. Uma mancha na parede. Uma curva. Uma árvore enrolada em lampadinhas natalinas. Uma luz verde lá longe. Um monte de tralhas apoiadas em uma árvore. Uma arquibancada.

Um casal passeando. Uma Lagoa. Lâmpadas de mercúrio. Um ponto de ônibus. Uma lata de lixo. O vão da grama entre o ponto do ônibus e a lata do lixo. Um sujeito fazendo exercício. Um homem fotografando alguma coisa. Luzes lá longe. Um clube. Um barco. A lanterna do ônibus da frente. Uma lata de lixo lá longe. Um cartaz escrito "10% de desconto". Uma esquina. Uma placa. Um carro. O letreiro de um prédio. Um posto de gasolina.

O ponto final.