Quando o Santiago entrou no escritório e foi em direção à mesa do Fontoura, que era seu chefe, este suspirou fundo. Ia começar tudo de novo.
- Bom-dia, chefe!
- O que é que você quer, Santiago? - perguntou o Fontoura, sem tirar os olhos da tela do computador.
- Puxa...nem pra me dar bom-dia!
- Você nunca me dá bom-dia, Santiago. É sempre um "oi" discreto. Quando cumprimenta assim, todo simpático, é porque quer alguma coisa.
- Quebra essa pra mim, chefe.
- De novo essa conversa, Santiago? Já falei que não!
- Por favor...
- Não, não e não. Agora anda, vai trabalhar e não me atrapalha.
- Mas chefinho...
- Chefinho é a tua mãe, Santiago. Olha aqui, hoje é sexta e você tem muito o que fazer. Então anda logo, vai pra tua mesa e começa a trabalhar, senão as coisas vão complicar. E nem ouse falar nada com a Roberta, hein?
O Santiago andava insuportável. Desde o início daquela semana, torrava a paciência de todos no escritório para não ter que trabalhar naquele fim-de-semana. Contava ele - nem todos acreditavam - que tinha que visitar o pai em Valença, porque o velho, de 80 anos, estava muito doente e ia morrer.
Para ir ver o "papai", ele fez de tudo: tentou trocar o fim-de-semana, fingiu que estava doente, pediu para não trabalhar, inventou que tinha quebrado a perna, depois o braço...
A Roberta, que trabalhava no fim-de-semana após o do Santiago, era a vítima preferida dele. Todos os dias ele encostava na mesa dela e começava a conversar. No início ela adorou, pois o achava bonito, mas quando percebeu que Santiago apenas queria trocar o fim-de-semana, passou a nem olhar na cara dele.
Depois de voltar da mesa do Fontoura, na sexta-feira, o Santiago chegou a dar uma meia-trava perto da mesa da Roberta...
- Nem vem.
- Por favor...
- Não quero saber.
- Mas...
- Não, não e não.
- Mas Rô...
- Não me chama de Rô, não me chama de Rô, você sabe que eu odeio!
- Mas Beta...
- Também não me chama de Beta, eu também odeio!
- Mas...
- Não me chama, não, tá, Santiago? Agora sai daqui antes que o chefe te esfole vivo.
Sem alternativa, ele voltou para a mesa. Seu tempo estava se acabando, tinha que pensar. Não podia trabalhar naquele fim-de-semana de jeito nenhum. Decidiu tentar o Fontoura de novo.
- Fontoura...
- De novo, Santiago? Olha aqui...preciso ter uma conversa séria com você.
- Diga.
- Não, não...venha comigo. Aqui não. Vamos fumar um cigarro.
O Fontoura saiu do escritório, com o Santiago atrás. Pegaram o elevador e desceram, o Santiago sem muita coragem de encarar o chefe. 'Vou ser demitido. Agora acabou-se tudo', disse para si mesmo.
Depois de sair do elevador, o Fontoura seguiu até a portaria do prédio, onde encostou do lado de fora e acendeu um cigarro. Deu uma baforada, e sem tirar os olhos do trânsito, disse...
- Santiago, me diz a verdade.
- Como?
- Se você me disser a verdade, ou seja, porque você não quer - ou não pode - trabalhar nesse fim-de-semana, dou um jeito no seu caso.
- Jeito como?
- Um jeito. Boto alguém de outro setor. Digo que você ficou realmente doente. Não interessa.
- Mas o meu pai...
- Não, Santiago, não. Essa desculpa não cola comigo. Você tem algum compromisso que considera inadiável. Ninguém força as coisas desse jeito exagerado como você está fazendo. Aliás, nunca faça isso. Soa ridículo.
- Sim, chefinho.
- E chefinho é a tua mãe - disse Fontoura, com ar irônico.
- Tá bom, eu falo. É...é...como dizer...
- Falando.
- Bem...eu...
- Você...
- É...um concurso público, é isso - disse Santiago, baixinho.
- Um concurso?
- Sim. Uma prova. A segunda etapa de um concurso público. A prova é domingo de manhã e por isso não terei como vir...e estar lá ao mesmo tempo.
- Um concurso, hã?
- Sim...para Furnas. Esse ano é em duas etapas.
O Fontoura ficou em silêncio por um instante, enquanto deu mais uma baforada no cigarro.
- Não precisava nada disso.
- Mas chefe...
- Você podia ter me dito em particular.
- Mas o senhor não ia me demitir?
- Demitir não...só não ia permitir que você fosse - e deu uma risadinha irônica.
- Então!
- Olha aqui, Santiago, era melhor você ter dito logo e pedido uma folga do que ficar inventando desculpas. Mesmo que eu não liberasse, não ia te demitir por querer fazer a prova. Todos tem direito de querer melhorar de vida.
- É...
- Então agora sossega e volta ao trabalho.
- Então posso folgar domingo, chefinho?
- Não - e deu uma risada. - Pode, sim, eu te prometi.
- Obrigado, chefe!
- De nada. E ah, mais uma coisa.
- Qual?
- Chefinho é a tua mãe.
***
No domingo, o Santiago chegou cedo ao local da prova, em uma faculdade particular na Praça XI. Cartão de confirmação e um estojo - com quinze canetas e doze lápis, para o caso de falhas - na mão, ele entrou na fila que levava ao prédio onde faria a prova.
Subiu de elevador, foi procurando até chegar à sala 706, e então entrou.
Depois de assinar a lista, começou a procurar um lugar. Estava cheio e só achou uma carteira livre, no fundo da sala. Ao lado estava um homem abaixado, amarrando o sapato.
- Ei, senhor - disse o Santiago, cutucando o homem - este lugar está livre?
- Está s...
- Não...não pode ser...FONTOURA?
- Santiago?!
Pedidos de silêncio vieram de todos os cantos da sala. Envergonhado, Santiago ficou ali, paralisado, sem saber o que fazer. O chefe o fez se sentar na cadeira vazia. Visivelmente constrangidos, os dois não disseram mais nada.
Terminaram a prova quase juntos. No corredor, Fontoura acelerou o passo e Santiago teve que correr para acompanhá-lo.
- Chefinho...
- Não diga nada, Santiago.
- Mas chefinho...
Irritado, Fontoura o segurou pelo braço e o encostou na parede.
- Olha aqui, chega, tá? Não precisa dizer mais nada. Nem aqui nem na empresa. Eu não falo nada sobre você e nem você sobre mim.
- Pensei que o senhor fosse guardar segredo mesmo...
- Era a idéia. Mas - abaixou ainda mais o tom de voz - não esperava que você fosse fazer a prova no mesmo lugar que eu, muito mais sentar do meu lado! Então se você falar sobre mim, não terei escolha!
- Eu...eu...
- Santiago, vamos ficar assim, tá? O assunto morre aqui.
- Tá.
Soltou o empregado e começou a andar. Dali a pouco parou e virou para trás.
- Mais uma coisa.
- O que?
- Chefinho é a tua mãe.
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