Monday, August 31, 2009

Reflexos

Os óculos escuros do pai fascinavam o menino.

Estavam sempre lá, pendurados no peito, presos à gola da camisa dele; balançavam quando se abraçavam, e se moviam sempre para lá e para cá. O movimento era muito rápido, suave...quase hipnótico.

Na primeira oportunidade, o menino pegava-os entre seus dedos e examinava-os. Quem sabe, buscando alguma resposta para aquele fascínio por trás das lentes escuras, das hastes pretas, daquela estranha marca vermelha e branca que ficava nas laterais.

Procurava entendê-los, quem sabe; virava-os do avesso, de cabeça para baixo, o colocava no braço do sofá, em cima da mesa, na beira do vaso de plantas. Depois, em si próprio e no próprio pai. E tirava de novo, e examinava, e buscava entender algo tão simples. Olhava bem para ele...

E se via refletido nele...naquelas lentes cinza-escuras.

O pai achava graça, ria, procurava mostrar o óculos. "Tá com o óculos do pai?"

A pergunta soa óbvia, mas parecia cheia de orgulho para o menino. E ele punha em si mesmo, e tirava de novo, e colocava na própria gola de sua pequena camiseta, e por fim o largava em um canto qualquer da casa, distraído com outros brinquedos e outros pensamentos.

Até o momento em que o pai pegava-os de volta, colocava em si mesmo - ou na gola da camisa, ou no alto da cabeça - e ia embora...

***

O tempo passou. O menino virou homem, cresceu. E sem se dar conta, comprou seu próprio óculos escuro - seja no singular ou no plural, o que ele menos queria saber era do português. Queria seu próprio óculos.

Mas já não havia o mesmo fascínio, o mesmo olhar de antes, a mesma empolgação. A mesma curiosidade, o mesmo exame, tentando entender algo tão simples. Comprara o óculos para...para...para que, mesmo? Nem ele próprio sabia direito.

E o óculos ficou lá, jogado em um canto da casa, guardado no estojo. Como mais da metade das coisas em seu quarto. Como mais da metade das coisas em sua vida.

Até o dia em que o sol o chamou, e o "menino" se lembrou de seu "velho" óculos. Respirou. Tinha um. Seria útil agora.

Abriu o estojo, colocou no rosto, se olhou no espelho. Perfeito. E lá foi ele atrás do sol.

Foi e voltou. Mas o dever o chamava, e lá foi ele de novo. Desta vez, se lembrou do "velho", e foi com ele. No caminho, tirou o óculos para enxugar o suor do rosto...e olhou bem para ele...

E se viu refletido naquelas lentes cinza-escuras.

"Tá com o óculos do pai?", perguntou uma voz em sua cabeça.

"Não, esse aqui é meu", respondeu ele para si mesmo. "Eu agora tenho o meu próprio."

E depois de examinar o óculos atentamente, virá-lo de cabeça para baixo, olhar a marca e o reflexo, enxugou o suor do rosto, botou o óculos de novo, e seguiu seu caminho.

Thursday, August 20, 2009

A vontade e a dúvida

A vontade é de gritar, dar um berro daqueles quase intermináveis.
De que adianta escrever dizendo que parei de sonhar, se isso em si não passa de um sonho? E de que adianta trabalhar tanto, se no fim o que se faz parece valer tão pouco? Se o que se faz em horas e dias é destruído em questão de minutos...
A vontade às vezes é de sumir. E a sensação é de cansaço puro, eterno, de um desgaste que nasce há algum tempo e vem desembocar hoje, quando alguma coisa idiota qualquer desperta tudo o que está guardado.
Vontade de sumir, sei lá, de ir para outro lugar. Que não é a quadra do Salgueiro, mas também não é melhor, nem pior...é apenas diferente. Péssima tentativa de fazer piada, reconheço.
A vontade é de dar um tempo mesmo, de desaparecer por uns dias, do tipo que nem as melhores férias do mundo conseguem. De simplesmente passar uma temporada em paz, refletindo, pensando, tentando entender...
Tentando mudar.
Eu sei, eu sei que não é o certo. A mudança está aqui, não lá fora. A mudança está em mim, está nas minhas ideias, nas minhas atitudes, e sumir manterá as coisas apenas como estão...
Mas o que posso fazer, se no fundo sinto vontade de sumir por uns tempos? Lutar contra isso? Enfrentar isso? Tentar transformar isso? Mas como, se é a vontade mais pura e profunda, a mais desejável?
Se o cansaço parece tão chato para um jovem de 20 e poucos anos...e se há coisas que não se pode transformar...
Ah, a vontade. Senhora de si...ou escrava de mim mesmo?
Quem sabe...quem sabe não fica para o próximo texto.