Thursday, March 20, 2008

Reflexões de um metrô

Ainda estava no alto da escada rolante quando ouviu o apito do metrô. O trem ia partir.
Segurou a pasta com mais firmeza e começou a correr, subindo o mais rápido que podia. Correu correu correu...e pegou o trem no exato instante em que a porta se fechava.
Ainda ofegante, respirou fundo e procurou um banco para se sentar. Achou um num canto do vagão, entre uma velhinha e um senhor engravatado. Sentou, pôs a pasta no colo e logo o trem arrancou, rumo à próxima estação.
Fechou os olhos e tentou relaxar. Não conseguiu. Naquela manhã chuvosa e fria de quarta-feira, não sentia qualquer vontade de ir para o trabalho. A rotina estava deixando-o desanimado, cansado, estressado. Contas a pagar, papéis a assinar demais. Há cinco anos no mesmo lugar, vendo as mesmas pessoas - estava cheio. Já não sentia mais vontade de sair para tomar uma cerveja depois do trabalho, o que fora um de seus maiores prazeres.
Não fora ontem mesmo que o chefe gritara com ele porque enviara um relatório com as duas folhas grudadas? E não fora há dois dias que o chefe gritou com ele porque enviara os relatórios com as pontas dobradas e cinco minutos depois do tempo previsto? Não fora ontem que discutira com o colega...por causa de uma tomada e um recarregador de celular?
Podia procurar outro trabalho - mas achava que dava muito trabalho. Com cinco anos de firma, o adicional do salário era bom. Não se arriscaria a procurar outro emprego e perder o que já tinha.
Em casa as coisas também não andavam boas. Antes de sair de casa, discutira de novo com a esposa. A velha história: ela reclamava que ele não tinha tempo para ela. Ele dizia que não era bem assim, que quando chegava em casa ela estava sempre ocupada. E os dois começavam a discutir de novo, até ele decidir bater a porta da rua e ir embora. E ficava cheio de dúvidas o dia todo. Tinha medo que um dia a fechadura fosse trocada de vez. Ou que ela não estivesse quando ele voltasse para casa. E ia com a cabeça cheia para o trabalho.
Sentia falta dos velhos amigos, que há tempos não via. Todos os dias dizia que ia telefonar para eles, mandar um e-mail, pombo-correio, qualquer coisa...e ficava adiando. Vinha fazendo isso há mais ou menos dez anos. E a culpa descia e enchia sua cabeça de pensamentos estranhos. Não ligava, mas sentia falta. E não ligava. Mas sentia falta...
Quando deu por si, estava mergulhado em pensamentos, completamente entregue. Despertou de repente, como quem acorda de um sonho. Ouviu o anúncio da estação: era a sua. Tinha que descer agora.
Pegou a pasta e ficou em pé. A porta abriu, ele saiu em meio à multidão e começou a caminhar.
Enquanto isso, seus olhos pousaram do outro lado da estação. Separado dele pelos trilhos, lá bem do outro lado, estava uma senhora. Negra, bem idosa, cabelos grisalhos, coque no alto da cabeça. Usava um casaco escuro e uma saia igualmente escura. Segurava uma bolsa nas mãos. E vinha andando apoiada na parede da estação.
Um passo de cada vez, bem devagar, para não cair, ela avançava. Segurava a parede, dava um passo, parava para respirar. Apoiava as duas mãos na parede, dava mais um passo, respirava fundo, apoiava as mãos na parede. Dava mais um passo. Devagarzinho, sem pressa. Em volta da velhinha, pessoas de todos os tipos passavam, sem ajudá-la, sem nem mesmo olhá-la, como se ela fosse invisível.
E ele ficou ali, em êxtase, olhando o caminhar da velhinha, parado bem na hora de ir trabalhar, como se o tempo fosse infinito. E continuou admirando o caminhar daquela senhora simples, até que se deu conta e retomou o seu.
Ficou com pena da idosa, mas estavam separados por um trilho de metrô - e provavelmente ela não iria precisar da ajuda dele. Nem iria querer.
Nunca mais esqueceu a cena, nem o que descobriu naquele breve instante.
Ainda podia caminhar sem a ajuda da parede.

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