Olhou as horas no relógio: cinco e meia. Bem a tempo.
- Quanto ficou a corrida?
- Vinte e cinco - respondeu o motorista de táxi.
Puxou a carteira, tirou duas notas e deu ao motorista. Em seguida, desceram os dois do carro para retirar a bagagem do porta-malas.
Agradeceu e puxou a mala para fora, botando-a na calçada. Com ajuda das rodinhas, começou a levar a bagagem para dentro. O motorista entrou no carro, acelerou fundo e se foi.
Deu dois passos, atravessou a porta automática de vidro e entrou no saguão. Entre pessoas e bagagens, senhores de terno, engraxates, painéis de aviso de vôo e chamadas de embarque, atravessou o aeroporto em busca do balcão do check-in.
O tempo. O tempo que não passava. A todo instante, olhava o relógio com ansiedade. A fila para confirmar a viagem parecia que ia demorar uma eternidade.
Finalmente, com check-in feito, bagagem na mão, chocolate para a viagem, puxou a mala de rodinhas em direção ao portão de embarque. Enfim.
- Ei! Espera!
Olhou para trás e procurou quem falava, como quem diz "é comigo?". Sem perceber nada, continuou a andar.
- Espera aí. Onde você vai?
Conhecia bem aquela voz. Não. Não era possível. Será?
- Por favor, não vai não.
Parou. Se virou para trás. Confirmou suas suspeitas. Fechou a cara.
- O que você está fazendo aqui?
- Vim impedir que você faça essa besteira.
- Besteira? VOCÊ vem me falar fazer em besteira?
- Por favor...não vamos discutir no meio do aeroporto...
- Não tô discutindo, ué. Você falou comigo e tô respondendo. Aliás nem sei porque, eu devia estar indo embora, vou perder o vôo.
Tentou se virar para trás, mas sentiu seu braço ser segurado.
- Me solta.
- Você vai me ouvir.
- Não quero ouvir nada agora, não tenho mais nada pra ouvir. Nem pra falar.
- Pensa bem...
- Já pensei.
- É? Então porque simplesmente não me ignorou?
Sentiu um calor subir por seu rosto. Sua vontade era soltar uma bofetada ali mesmo.
- Não é nada disso...é...você não tá me deixando ir.
- Quem quer não se deixa segurar.
- Quer parar de filosofar e soltar meu braço, por favor?
- Não solto nada. A gente vai conversar.
- Olha aqui...não quero conversar mais porra nenhuma com você, tá legal?
- Acho melhor você falar mais baixo e sem palavrões. Tá todo mundo olhando.
Engoliu em seco. Voltando a si, balançou o braço e tentou se soltar.
- Quer me largar, por favor? E parar com essa cena...olha o mico que estamos pagando!
- Não paro nada até você aceitar conversar.
- Mas que diabo de conversar? A gente já falou umas setecentas vezes. Já brigamos, discutimos, quase saímos no tapa, mas nunca chegamos a um acordo.
- Somos dois teimosos.
- Ainda bem que reconhece.
- Mas isso não quer dizer que a gente não possa tentar de novo.
- Pra acabar tudo como da última vez? Pra gente ficar bem e no dia seguinte você vir demonstrar suas preocupações e medos e fobias e inseguranças? Dizer que como tá não dá pra ficar? Isso já encheu, encheu. Cansei. Tô de saco cheio. De saco cheio. Não agüento mais essa insegurança, essa falta de determinação, essa vontade de não saber e não definir o que você quer.
Atenção senhores passageiros. Última chamada para o vôo 4637 rumo à Lisboa. Embarque imediato portão 5.
- É o meu. Tenho que ir.
Sentiu o braço ser solto. Ajeitou a manga. Se virou, e sem olhar para trás, começou a puxar a mala em direção à sala de embarque. Foi quando ouviu, em alto e bom som:
- EU QUERO FICAR COM VOCÊ.
Parou por um momento. Não era possível. Estava ouvindo aquilo? Ou...estava dizendo aquilo? E bem alto, no meio do aeroporto, na frente de todo mundo? Logo quem...logo quem dizia que nunca sabia...
- NÃO POSSO DEIXAR VOCÊ IR EMBORA ASSIM, DESSE JEITO, EU NÃO SEI O QUE SERIA...NUNCA MAIS VIVERIA DO MESMO JEITO, NÃO SEI DIZER NEM EXPLICAR...MAS QUERO VOCÊ AQUI. POR FAVOR...NÃO VÁ EMBORA. EU...EU...EU...COMO É QUE VOU DIZER ISSO...AMO VOCÊ. MAIS DO QUE QUALQUER COISA.
O tempo parou. O aeroporto parou. Parecia que nem o vento estava soprando lá fora. E que todos em volta observavam a cena, alguns em êxtase, outros com a respiração suspensa, outros muito surpresos.
Parado, soltou a mala, que bateu com força no chão. E se virou bem devagar. Só os dois se moviam. Nem uma respiração.
E foram caminhando um na direção do outro, bem devagar, parecendo muito sérios. Até que se encontraram num beijo longo e profundo, enquanto o bilhete de vôo, rasgado no meio, voava para algum lugar bem longe.
O tempo voltou a andar...enquanto eles ouviam dezenas, centenas de aplausos, que iam do homem do balcão do embarque ao engraxate.
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