Thursday, September 01, 2005

Um Dia de visita

Tudo começa na UERJ.
Andam dizendo por aí que estou misterioso demais, que estou ocultando informações e coisas assim.
E estou, mesmo. Aliás, estava, agora já não tem mais segredo.
Saí de fininho hoje de manhã, com uma furtividade adquirida em recente treinamento. Ninguém nem me notou.
Quer dizer, quase ninguém. Algumas pessoas me encontraram no ponto de ônibus, e tive que parcialmente revelar minha missão. Mas consegui escapar...e lá fui eu, de 464, rumo a um Dia de visita.

Duas e meia da tarde
Finalmente estou chegando à redação. O silêncio ouvido a princípio contrasta com a idéia original do ambiente: muito barulho, principalmente de telefones tocando, e de gente gesticulando, falando, trocando informações o tempo todo. Mesmo assim, continuo.
A princípio, a dúvida: não tem orientação, nem sei onde é que fica a repórter. Vou perguntando aqui e ali, até que um repórter baixinho e simpático (que vim a saber depois que é da editoria de polícia), diz, apontando: “é pra lá”.
Olho na direção indicada e vejo-a, finalmente. E lá vou eu, crachá preso ao pescoço, ansioso pelo que vai acontecer...

Duas e quarenta e cinco
Após alguns breves minutos de conversa, acabo de perceber que nada está garantido. E fico me perguntando o que estou fazendo ali.
Ela então começa a digitar a matéria no computador, já no espaço devido. E eu começo a me meter, dizendo “ih, como leitor, eu não entenderia aquilo ali”. “Olha, você esqueceu o f na palavra tal”. A relação de cumplicidade parece tão grande que ela me mostra uma matéria recente e diz “inventa uma legenda pra foto, pra não termos que repetir essa”.

Três horas da tarde
Depois dela me dizer que acertei na legenda (embora não vá ser a que vai pro jornal), continuo me perguntando o que estou fazendo ali. Estaria sendo submetido a algum teste para entrar em algum tipo de sociedade secreta? Ou seria simplesmente um dia pra conhecer a redação?

Quatro horas da tarde
A repórter me diz que precisa apurar uma matéria, e pede que eu me sente ao lado do editor. A ele, faço várias perguntas, sobre o funcionamento do jornal e coisas assim. A frase que choca:

“Não é mito que eu modifico a matéria do repórter. Meu papel é definir o que o leitor vai ler. Modifico, sim, e pronto. O máximo que o repórter pode pedir é para que a matéria não seja assinada, mas aí, é o próprio repórter que sai perdendo.”

Enquanto responde às perguntas, o editor começa a montar as pautas do dia. Ele pega enormes blocos de texto (as pré-pautas) e começa a enxugar as informações, deixando-as as mais resumidas possíveis. No caso de existirem mais de um bloco de texto, enxuga cada um separadamente, para depois reescrever todas as informações num bloco só.
Ao mesmo tempo em que monta as pautas, ele consulta repórteres, buscando novas informações e tirando dúvidas sobre os textos que está escrevendo. Tudo terminado, envia as pautas para os editores-chefe, e me manda voltar para a mesa da repórter.

Cinco e meia da tarde
Mais conversas com a repórter. Faço cara de cansado, e ela pergunta se quero um café.
Bebendo o café, conheço rapidamente o repórter baixinho (o mesmo de quando cheguei aqui), e descubro que ele é da editoria de polícia. Ele, a repórter e mais um outro (que não sei quem é) começam a falar sobre a Jeany Mary Corner (é, a cafetina do mensalão) e a conversa evolui rapidamente para a Rita Cadillac e as chacretes, passando pelos filmes pornôs (o baixinho diz que já viu filmes pornô com a Rita, que ela faz filmes desse naipe há muito tempo).
Terminado o café, volto para a mesa junto com a repórter.

Seis horas da tarde
Mais conversas. Pergunto à repórter se existem free lancers no jornal, mas ela diz que não. Então pergunto sobre voluntários, e afirmo que quero ser um. Ela diz que vai negociar com o editor, e depois me dá a resposta.
Em seguida, me convida pra ir lanchar.

Seis e quinze
Antes do lanche, passamos na sala da apuração, aquela onde tem rádios ligados na polícia, e onde os telefones tocam o tempo todo. É também onde a repórter resolve dar uma mãozinha pro apurador. Depois ela me apresenta o mesmo: é um repórter famosíssimo, da editoria de polícia, um dos melhores que existe. Ela me diz que aprendeu com ele. Ele então começa a me interrogar:

Qual seu nome?
Rafael.

Sobrenome?
Cavalcanti.

Filho de quem?
(Fiquei sem graça e não entendi bem a pergunta. A repórter respondeu por mim: de ninguém, não é filho de jornalista).

Ah...e o que é seu pai?
Era empresário.

Não é mais?
Não. Não deu certo.

Ele agora é aposentado?
Não. Está estudando para fazer concurso público.

(A repórter fala com ele, diz que eu também quero ser voluntário. A resposta quase me emociona...)

Vem. Se quiser, eu te ensino. Mas por favor, depois não passe na rua e não finja que não me conhece. Tem uns aí que eu ensinei tudo, e eles passam na rua e nem olham pra minha cara. Não essa aqui (aponta pra repórter), essa daqui continua a mesma, sem nariz em pé.

A repórter e eu saímos, afirmando que vamos lanchar. Ela diz que depois vou ficar lá um pouco, conversando com o famoso jornalista. Fato que acabaria não acontecendo...

Seis e vinte
Agora estamos eu, a repórter e uma colega dela de redação, sentados na mesinha, lanchando. A conversa flui, falando de faculdades e tal, e a colega afirma ser contra faculdade de jornalismo. Diz que é técnica, que um curso resolveria tudo. A repórter permanece calada.
Em dado momento, a repórter fala que quero ser voluntário, e a colega corta logo o barato:

“Não pode abrir esse precedente. Senão a gente aqui era mandado embora...”

A repórter então explica à colega que o processo seletivo acabou de acabar, e coisa e tal. Fim de lanche, e voltamos à redação.

Seis e meia
Agora a redação começa a ferver. Os telefones tocam o tempo todo; jornalistas colocam o fone no ombro e correm para terminar seus textos, apurações e o que mais for necessário. Todos pesquisam na Internet, procurando saber se não há nenhum fato novo, nada que ainda possa ser transformado em matéria.
Sento-me novamente ao lado do editor, que agora cuida da página e do espaço em que as notícias serão publicadas. Ele não pára quieto, indo e voltando, olhando a página, as matérias, consultando um e outro. Num desses intervalos...

Quero me tornar voluntário...
(Risada) Ah não, isso não existe.
Existe sim.
Não, não existe.

Nesse instante, chega um repórter, que pelo que ouvi anteriormente, deve ser sub-editor, ou algo assim.

Olha só, quer ser voluntário.

Ih, não existe não. Você desvaloriza o trabalho do seu colega. Eu sempre digo aos meus alunos: não façam nada sem remuneração ou sem supervisão.

Além do que, se bater o fiscal do trabalho aqui, vai querer saber quem é você, e o que está fazendo aqui. Não, voluntário não existe em grandes empresas
(ou, ele disse “em grandes espaços” ou “é algo irreal”, ou “não temos pessoas trabalhando de graça em grandes empresas”, algo assim). Ainda é cedo pra você se preocupar com redação...

É claro que as informações são um choque: vão contra tudo em que eu sempre acreditei. Ainda bem que o choque é rápido, nada sério...

Sete horas da noite
Agora chega, preciso ir. O editor volta, num de seus intervalos, já me despachando (ou será que não?).

Agora vou ficar assim, Rafael, levantando toda hora...

Já vou.

Ah. Muito prazer. E não se preocupe. Ainda é cedo pra você se preocupar com redação...

Quando volto para me despedir da repórter, ela está conversando com uma colega, passando meu curriculum. Quem sabe.

Sete e quinze
Termina o Dia de visita.
Baixas? O comportamento “curto e grosso” do editor, e algumas idéias muito “dentro do sistema”.
Ganhos? A experiência de viver um Dia de redação.
Um dia estarei de volta – mesmo que não seja aqui. Já não tenho mais dúvidas: não há vida fora da redação. E dentro, será que existe?

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