Saturday, September 03, 2005

Crônica do Telefone

Baseado numa música e numa história real (ou seria irreal?)

Colocou a mão no bolso; passando pelo celular e encostando no forro, encontrou finalmente a chave.
Puxou-a; encaixou-a na fechadura e girou. Uma volta e a porta se abriu. Empurrando-a, entrou em casa. Finalmente.
A noite havia sido longa.
Saíra sem espírito, sem ânimo, mas agora estava feliz. As coisas mudam rápido, pensou.
Passou pelo hall de entrada, pela sala e pelo corredor, e entrou no quarto.
Se sentando na cama, usou o pé esquerdo para tirar o sapato do outro pé, e vice-versa; depois desceu a mão até a altura do calcanhar-de-aquiles, e com um puxão, se viu livre da meia.
Respirou e suspirou fundo.
Levando a mão ao bolso, tateou até encontrar o papel rosa, e puxou-o para fora.
Abriu-o cuidadosamente e olhou-o: custou um pouco a acreditar.
Lá estava o número de telefone. Conseguira.
Não tinha sido fácil. Precisou de bastante tempo até conseguir; teve que conversar muito, e driblar um forte jogo duro. Mas, que importância tinha isso agora? Conseguira.
Fez a cama rapidamente, apagou a luz e foi dormir.

***
Dia seguinte, duas e meia da tarde, dia e hora ótimos pra ligar.
Quase pulando de alegria, agarrou o papel (que deixara embaixo do travesseiro, para não voar, ou quem sabe, ficar perdido por aí), e se dirigiu ao telefone.
Discou e esperou.
Ocupado: tu, tu, tu, tu...
Vai ver discou muito rápido. Apertou o botão de desligar o telefone, e depois discou de novo.
Tu, tu, tu, tu...
Mais uma vez.
Tu, tu, tu, tu...
Hum. Uma última, por via das dúvidas.
Tu, tu, tu, tu...
Resolveu dar um tempo, quem sabe, esperar. Deu azar, ligou na hora em que estava ocupado, deve ser isso.

***
Pegou o telefone já sem esperança, e agarrou o papel rosa, já muito amassado depois de três dias embaixo do travesseiro e perambulando pelos bolsos de calça. Não largara o número um só minuto.
Discou.
Tu, tu, tu, tu...
Discou de novo.
Tu, tu, tu, tu...
Tinha que desistir. Sabia disso. Mas não queria, não podia simplesmente desistir assim. De novo.
Tu, tu, tu, tu...
Arrasado, desligou o telefone e recolocou-o no gancho. Pegando o papel, foi se colocar diante da janela.
Será que aquele número fora inventado na hora? Mas se fosse assim, a fita ia falar que era número inexistente, não ia ficar dando ocupado.
Será que o telefone estava quebrado, e exatamente por isso, não tinha sido difícil driblar todo aquele jogo duro?
Bom, não podia estar ocupado há três dias, direto. Ao menos disso tinha certeza.
Olhou o papel de novo, com atenção...
Estranhou, a princípio. Depois ficou com raiva. E em seguida, caiu na gargalhada.
Não, não tinha driblado todo aquele jogo duro.
Se lembrou de que também tinha dado seu número de telefone. E que tinha sido num papel rosa.


Bein-bein/Ocupado pela décima vez/Bein-bein/Telefone não consigo falar/Bein-bein/Estou ouvindo há muito mais de um mês/Bein-bein/Já começa quando eu penso em discar/Eu já estou desconfiado/Que ela deu meu telefone pra mim...

Telefone - Wilson Simonal

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