Saturday, September 10, 2005

Empórios & Depósitos

Cerveja. Caipirinha. Amendoim. Fogo Paulista.
A noite, mais uma vez, começa no bar.
Sobre o balcão de aço, os copos vão se acumulando, cheios de líquidos que, em excesso, provocam rodopios, tonturas, e fazem as pessoas falarem as maiores merdas do mundo. Que na verdade, são apenas os pensamentos guardados na memória, aqueles que o consciente são nunca deixava escapar. Acontece que esses líquidos têm o milagroso poder de “apagar” o consciente.
Depois de venenos de todos os tipos, é hora de ganhar amendoim de graça. Cortesia do dono do bar.
Terminado o serviço, vamos à luta.
Na entrada, pessoas estão penduradas do lado de fora, se acumulando, formando bolos de gente, bloqueando a passagem. Como mercadorias querendo ocupar um depósito lotado.
Dá licença. Deixa eu passar. Ou então um simples empurrão.
Uma escadinha, mais uns cinco “com licença”, e finalmente, estamos na “pista”.
Pista não: é um espacinho improvisado entre a mesa do DJ, as mesas dos clientes, a entrada do banheiro e a subida da escada para lugar nenhum (leva ao segundo andar, mas é fechado, e a porta parece não levar mesmo à nenhum lugar...coisa que só vendo pra entender).
Aqui, me posiciono entre as (poucas) pessoas, e elas estão se mexendo freneticamente, ao som de alguma música que não sei. O ritmo é bem claro: rock. Mas vai lá se saber qual a letra, e qual a próxima batida. Todos parecem saber, mesmo aquelas músicas desconhecidas, que você nunca ouviu antes. E todos se movem freneticamente, e bebem seus venenos, a maioria, aquele estranho líquido amarelo.
De repente, a “pista” se enche, e eu me vejo sem espaço. Chegam mais pessoas, de todos os gêneros e tipos, envenenadas ou não, e saem distribuindo cotoveladas, tapas involuntários, empurrões, “chega pra lá”, buscando espaço. Algumas estavam só querendo ir ao banheiro, mas teve muita gente que ficou, mesmo.
Não só o espaço; o ar também ficou estranho, ficou quente, sem vento. Agora estou suando, com calor. Há pessoas por todos os lados; ar, ar...sufoco...me roubaram o vento.
Não consigo nem sequer me balançar freneticamente: sempre que tento, esbarro no ser do meu lado, que está tão animado que distribui cotoveladas como se fossem beijos (não achei uma palavra mais agradável pra descrever), e que não está nem aí. Deve ter se envenenado bastante antes, ou algo assim. Fato é que ele não pára.
E o sufoco aumenta, e o calor também, e acabo ficando parado. E aí me vêm pensamentos à cabeça, de todos os tipos. Todas as aflições, tudo o que eu havia vomitado durante a semana e em especial no Sábado, tudo está de volta, girando na cabeça, brigando com as idéias novas, querendo seu espaço de novo. Não aceitam perder a guerra; durante anos, dominaram a mente, tiraram todo o proveito dela. Em uma semana, idéias novas chegaram e reclamaram seu espaço, expulsando as antigas. A guerra é inevitável, com vitórias dos dois lados, em que a confusão acaba prevalecendo.
Sem conseguir me concentrar na música e me mexer, a guerra mental começa, e ainda há idéias antigas que resolveram aproveitar o momento.
Mal, agora estou me sentindo mal, desconfortável demais. Então me destaco discretamente, e sigo para o bar.
Não, chega de venenos por hoje. Algo mais leve. Quem sabe aquele líquido preto gasoso e engordativo. É, talvez me faça bem.
Peço, pago, abro, coloco o canudinho. Um, dois, três goles. Estou melhor. Deixa a guerra mental pra lá.
Mais uns golinhos. É gasoso e venenoso também, mas é bem doce e refrescante. Hum. Idéias novas. Não precisa ser do jeito antigo de pensar, também. Que merda. Porque as coisas não podem ser novas, hein? Ah, que se dane a guerra mental...aliás, que se dane não, as idéias novas vão vencer. Demora, mas elas chegam lá. Tem a força e a experiência da juventude. As velhas podem ter a experiência, mas não agüentarão muito tempo. Ou então vai existir uma trégua.
Toca o celular; me destaquei tão discretamente que chamei a atenção.
Hora de voltar para a “pista”. Agora piorou: tem um chato que, além de dar cotovelada, ocupa todo o espaço, fica rebolando e se encostando no chão. Merda. Outros chegam, e o espaço fica ainda menor.
Acabou a noite, chega, hora de ir pra casa. Não foi hoje.
Tomara que algumas idéias velhas tenham ficado lá no empório. Me fariam um grande, enorme, imenso favor.

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