O sol ainda nem nasceu. Do lado de fora da casa, a noite ainda exibe o brilho das centenas de estrelas que enfeitam o céu. Casa simples, de três cômodos, no interior do Nordeste, chão de terra batida e paredes que parecem ser levadas por um vento mais forte.
Aos poucos, no entanto, a claridade vai tomando conta do lugar, e o brilho das estrelas vai sumindo, dando lugar àquele tempinho existente entre o fim da noite e o nascer do sol, quando os primeiros raios atravessam os céus e tocam o solo, ainda com aquela delicadeza e poesia do nascer do sol.
Mal o sol nasce, Dona Lurdinha já está de pé, fazendo café. Acordou antes, e foi olhar as estrelas. Como dorme antes do sol se pôr, não pode olhar as estrelas; então faz isso quando acorda.
Lá está ela, de pé em frente ao fogão muito simples, na cozinha pequena e apertada, de paredes porosas, naquele tom mostarda-amarelado, esperando a água ferver. Assim que a água ferve, Dona Lurdinha prepara o café.
A primeira xícara ela bebe ali mesmo, para “acordar”, quem sabe. Depois enche duas outras e vai se sentar na varanda.
Fica ali sentada, olhando a estrada, os campos lá longe, admirando a grandeza do mundo, olhando o chão daquela terra maltratada. E, principalmente, não desgrudando os olhos do caminho.
Há 35 anos, Seu José foi comprar uma caixa de fósforos na venda da vila, que não fica longe, e disse que voltava, que era para D. Lurdinha esperar.
Ela esperou. Esperou um dia, dois, três, dez, vinte, cinco meses, e nada de Seu José voltar. Os vizinhos diziam “ih, esse não volta mais”.
Mas D. Lurdinha continua esperando. Os olhos brilham ao avistar alguém na estrada, e o brilho some quando ela percebe que não é Seu José que vem vindo. Mas ela continua lá, xícara de café na mão, bebendo aos golinhos, olhando a estrada. E dizendo para si mesma: “José, meu velho, por onde você anda? Seu café está esfriando!”.
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