Hoje é dia...ah...ih...esqueci, não sei, nem me lembro. Não uso mais relógio.
Estou voltando para casa, de ônibus. Também estou extremamente irritado com o trânsito, que parece caótico por todos os pontos da cidade.
Se vamos por Botafogo, está engarrafado; por Copacabana, é lento demais; se optamos pelo rápido Túnel Rebouças, descobrimos que também está lento; e finalmente, quando chegamos ao Jardim Botânico e à Lagoa, também está tudo parado.
Hum. Relógio digital: quatro e meia. Deixa eu ligar pro cara, ele deve estar esperando...
Ih, esqueci. O celular ficou carregando hoje.
Mas que merda de trânsito...e que merda, também, que tenho que ficar aqui sentado nesse ônibus.
Lá fora, o dia é cinza, com aquelas nuvens grossas de chuva e pessoas vestindo roupas quentes, portando seus belos (ou não) e funcionais guarda-chuvas. Um dia cinza de luz cinza, a luz do dia que não cessa nunca, nem quando o sol resolve ficar dormindo atrás do morro.
Mas que merda de trânsito. Cacete, é hoje que eu chego em casa!
Agora já devem ser umas cinco horas, e ainda no trânsito.
Cinco e quinze, pelo último relógio digital: desço e resolvo ir a pé mesmo. Não está tão longe assim...
Desço, já de guarda-chuva na mão; desço com ímpeto, saltando do ônibus em direção à calçada, abrindo o guarda-chuva quase ao mesmo tempo (só não foi ao mesmo tempo porque aqui não é Hollywood).
Começo a caminhar, atravessando uma rua, passando por uma ponte, sentindo o vento frio desse dia úmido (argh, que palavra horrível).
Mas algo me incomoda, e não sei o que é.
De repente, olho para a frente, ao invés do chão – e vejo um mundo todo cinza, de ruas molhadas pela chuva fina, folhas espalhadas pelo chão, carros percorrendo caminhos entre as poças de lama, pessoas andando encasacadas.
O mundo não mudou – é o mesmo do ônibus. Só que agora, eu estou nele, agora eu sou o cara que as pessoas presas no engarrafamento observam passar, livre, sem a obrigação de se manter parado.
Cara, o lado de dentro do mundo é bem mais bonito.
Fecho o guarda-chuva quase que imediatamente, jogando-o longe; era o último acessório que me impedia de ser livre (fora o ônibus, que não é meu). Um guarda-chuva novo, bom, todo preto, daqueles automáticos, que custam R$ 5 em qualquer camelô.
Ao mesmo tempo (ou quase, porque afinal, não é Hollywood), reduzo o passo, caminhando mais devagar, apreciando o mundo cinza – os prédios, as folhas, a chuva muito fina, o vento frio, as pessoas, a luz, o clima, o cheiro de...ah sei lá, não importa...só sei que é bom, e continuo...
E passo por entre mundos de folhas, sentindo a água pingar no rosto, me lembrando da primeira vez que eu vi a chuva – e olhei pra cima, pra saber de onde vinha a água e quem tava jogando.
Olho pra cima, repetindo o movimento, e murmurando palavras pra ninguém ouvir.
Minha casa fica logo ali.
I´m singing in the rain / Just singing in the rain / I´m happy again... / Cause I´m just dancing and singing in the rain...
Gene Kelly – Dançando na Chuva
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