Dez horas que Abalaram a República
Acabou agora, dez e dez da noite, o depoimento do publicitário Duda Mendonça. Amanhã, ele estará nas capas de todos os jornais, e no final de semana, na capa de todas as revistas. O personagem que ergueu a república usando sofisticadas técnicas de marketing político e persuasão eleitoral acaba de dar um golpe nessa mesma república, um golpe digno de mestre, daqueles que pode-se até reclamar com o juiz, dizer que foi baixo, que não vale, mas cuja dor não cessa.
A participação de Duda na crise começou há mais ou menos uma semana, quando o publicitário e sua funcionária apareceram como sacadores das contas da empresa SMPB, do empresário mineiro Marcos Valério, acusado de ser o operador do “mensalão” – o esquema pelo qual o PT compraria o apoio de deputados da base aliada usando recursos de origem não identificada.
Quando sua funcionária Zilmar Fernandes foi chamada à CPI, Duda se apresentou junto, pediu para falar. As razões são claras: ele tem o próprio nome e o de sua empresa a zelar. É um dos, senão o maior, especialista em marketing político do Brasil. Não quer ver seu nome ser arrastado para o centro do furacão e jogado em seguida no mar de lama da crise política.
Foi por isso que se dispôs a falar, e foi por isso que optou pela verdade. Não sei se está falando 100% da verdade, mas assumiu o crime de ter recebido dinheiro ilegal no exterior. Embora isso não o isente e nem garanta nada, ele ao menos assumiu – ao contrário de outros depoentes.
Mas, voltando. Duda Mendonça explicou que foi contratado pelo PT para fazer a propaganda política de quatro candidatos – o presidente Lula, a (agora) ex-governadora Benedita da Silva, o senador Aloizio Mercadante e o ex-presidente do PT José Genoíno (que foi candidato ao governo do estado de São Paulo em 2002). Como pagamento de todas essas campanhas, ficou combinado um pacote eleitoral – um valor que girava em torno de R$ 25 milhões, se não me engano.
Por essa quantia, segundo Duda, o PT não teria nenhuma despesa eleitoral. Tudo o que viesse a ser produzido e gasto seria responsabilidade do publicitário.
Por aí, já parecem cair por terra as versões de Marcos Valério e Delúbio Soares para a origem dos empréstimos da SMPB ao governo, que segundo os dois, seriam para quitar dívidas eleitorais.
Ora, que dívidas, se Duda afirma que bancava tudo? Para que tanto dinheiro – para pagar o publicitário? Mas como, se os pagamentos não foram feitos a ele, e sim a parlamentares?
Continuando. O publicitário afirmou que, até o final de 2002, recebeu parte do pagamento da campanha através de cheques entregues pelo ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. A partir de 2003, no entanto, quem fez os pagamentos foi o empresário Marcos Valério, por indicação do próprio Delúbio, que afirmou que não poderia conceder nota fiscal aos pagamentos. Estes eram feitos numa agência do Banco Rural em São Paulo, através de malotes de dinheiro, e foram, segundo o publicitário e a sócia, R$ 900 mil, divididos em três parcelas de R$ 300 mil (não tenho muita certeza dos valores).
Em dado momento, Valério teria procurado Duda e dito “olha, tá difícil fazer os pagamentos por dentro, vamos ter que fazer lá fora. Abra uma conta nas Bahamas e você receberá o resto do seu dinheiro”.
Duda afirmou que, desde que foi negada a nota fiscal, sabia que o dinheiro era de caixa-dois. “Ou eu recebia assim, ou não recebia”.
Zilmar, por sua vez, disse que ficou constrangida com o pagamento em malotes de dinheiro, mas acabou recebendo.
Voltando. Duda disse que abriu a conta nas Bahamas, e que o dinheiro foi sendo assim depositado. São R$ 10 milhões, segundo o publicitário, que ainda estão lá. Ele afirma poder provar todas as transações, e colocou seus sigilos à disposição da CPI – inclusive o extrato dessa conta bancária nas Bahamas.
Conseqüências
Duda foi à CPI limpar seu nome, e acabou jogando mais coisas na lama. A começar pelo presidente Lula, que ficou extremamente...enrolado. Mesmo que Duda esteja mentindo em algum momento (por exemplo, no fato de que Valério o obrigou a abrir a conta nas Bahamas), o dinheiro recebido no exterior pode ser comprovado facilmente. Mesmo Valério, que depunha em outra CPI e comentou que “é tudo mentira” (como aliás, vem sendo hábito), não negou os repasses a Duda Mendonça, afirmando apenas que eram feitos em cheque.
Há algum impedimento de que esses cheques tenham sido de alguma conta do PT no exterior? Não. O próprio Valério não negou isso.
É aí que a crise dá mais um nó e avança um passo em direção ao presidente da república. Dinheiro de caixa-dois para pagar dívidas de campanha complicaria a situação de Lula, já que o presidente é responsável pelo dinheiro gasto para se eleger. Por outro lado, dinheiro no exterior complica a situação do PT, que poderia até a perder o status de partido.
É. Dez horas de depoimento abalaram mais uma vez a república. Lula tem que vir à público e falar, desabafar com a nação, ser sincero. Caso contrário, sua situação pode se complicar ainda mais, caso as denúncias de Duda venham a ser comprovadas...e caso apareçam outras.
Querem uma prova de que abalou a república? Hoje mesmo, 21 deputados petistas se desligaram da bancada, e o PT está perplexo com todos os fatos. A economia sofreu um abalo sério, com o dólar saltando de aproximadamente R$ 2,30 para aproximadamente R$ 2,40 em apenas um dia, depois de levar quase uma semana para descer na mesma variação. Lula parece – pela primeira vez, primeira mesmo – escorregar sobre a rampa do Palácio do Planalto.
Nessa altura do campeonato, que ninguém duvide da última hipótese. Quando a crise estava amansando, reacendeu. Não se sabe o dia de hoje, e muito menos o de amanhã.
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