Friday, July 21, 2006

Uma chance

Chorava. Pela primeira vez em muito tempo, não se conteve, nem procurou frear o que sentia.
As lágrimas escorriam por seu rosto e molhavam o chão; soluçava alto, chamando a atenção de quem passava pelo lado de fora do quarto.
Debruçou a cabeça sobre a cama de hospital e chorou ainda mais forte, de maneira mais intensa. Sua esposa afagou-lhe a cabeça, e soltou algumas palavras de carinho. Não ouviu. Não sabia se era o som do próprio soluço ou se "tampara" os ouvidos de propósito.
À medida que perdia as forças, o choro foi ficando mais fraco. Segurou o lenço que a esposa estendia e enxugou as lágrimas.

Vamos?

A pergunta dela parecia redundante. Sim, deveriam ir. Nada mais poderia ser feito naquele lugar. Era tarde demais.
Quantas coisas poderia ter feito para salvar aquela vida? Um outro hospital? Um outro médico? São Paulo, talvez. Não, não, os Estados Unidos. Estados Unidos? Não. Europa ou Japão. O que havia de mais moderno. Aquela vida não poderia acabar daquele jeito. Não, devia ser uma ilusão. Chegaria em casa e escutaria o choro, correria para o quarto e abraçaria o filho pequeno. Tiraria o menino do berço...e o seguraria com os braços estendidos de pai, num gesto forte e superior. Sim, era isso.
Olhando-o, a esposa leu as linhas do rosto, e murmurou baixinho:

Ele se foi, Arnaldo.

Desatou a chorar novamente, agora já no volante do carro. Não conseguiu nem virar a chave da ignição. Sua cabeça tombou sobre o volante e as lágrimas voltaram a rolar. Oito meses. Pensou em Deus. Como morre um menino oito meses? Como as coisas podem ser tão cruéis?

Deixa que eu dirijo, Arnaldo.

Parecia uma ordem, e não um pedido. Como se a esposa fosse dirigir não só o carro, mas todo o resto, dali para a frente. Hesitou.

Não insista, Arnaldo. Você não está bem.

E você, retorquiu ele. Você nem sequer chorou!

Não seja injusto! Você devia prestar mais atenção em mim. Além do mais, há outras formas de tristeza...embora eu também já tenha passado pelo choro. Vamos, deixa que eu dirijo.

A resposta o deixou desconcertado. Percebeu que a esposa estava muito mais triste do que ele, mas dominava melhor o sentimento. Deixou que ela dirigisse.
Chegaram em casa, ainda num clima pesado. Ele foi direto ao quarto de Leonardo, como se ainda quisesse encontrar o filho por lá. Olhou em volta. Foi ao berço. Só faltou procurar nas gavetas e dentro do armário. Desanimado e de cabeça baixa, se sentou no sofá vermelho do quarto, que comprara para o pequeno assistir televisão.
A esposa veio até ele e se sentou do seu lado. De fala mole, ele disse...vamos ter que dar todos esses móveis e o berço. Nos mudar para um apartamento menor. Não tem sentido esse quarto aqui.
A mulher se aproximou dele, segurou sua mão, e disse:

Tudo bem. Mas antes, preciso te contar uma coisa.

Dominado pelo desânimo e sem imaginar o que fosse, perguntou o que era.

Estou grávida.

Em meio à tristeza, tinha uma chance para recomeçar. Deu um beijo na esposa e foi fazer um café bem forte.

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