De "A morte do sonhador", de outubro, neste blog:
"Chegou em casa, subiu até seu apartamento e deitou na cama, sem saber direito o que fazer. Então era assim? Os sonhos podiam ser pisados desse jeito, e traídos assim? Todo o tempo e todos os sonhos não valiam de nada? Ela, sem saber, matara um sonhador.Ele, sem saber, se tornara um, mais um entre muitos, e sinceramente, não sabia como ia ser. Não sabia nem se ia ser."
Bom-dia, alô, alô, Rio de Janeiro! Que dia bonito de sol, Beliza Ribeiro! Estamos começando mais um programa aqui na Rádio Bandnews FM.
O rádio o acordou. Abriu os olhos devagar, deixando o quarto entrar em foco aos poucos. Ricardo Boechat? No céu existe Ricardo Boechat?
Sua mente, que na noite anterior relaxara completamente, agora trabalhava a mil. Boechat? Então não morri...
Se espreguiçando e soltando um grande bocejo, sentou-se na cama, os cabelos ainda despenteados, a camisa e a bermuda amarfanhadas. Dormira daquele jeito mesmo, de tanto cansaço. Olhou em volta do quatro, como se a explicação que procurava estivesse ali, em cima da estante. Sua mente voltou a trabalhar: não, não morrera. Longe disso. Apenas dormira uma longa noite. Quanto tempo?
Olhou para o rádio-relógio que o acordara: nove horas. Não era tarde, mas era muito para quem dormira às oito e meia.
Ficou de pé, se espreguiçando de novo, deixando os lençois para trás, enquanto o sol invadia o quarto. Dormira realmente muito...mas não parecia renovado. Ao contrário, parecia que tudo o que acontecera na noite anterior ainda pairava sobre sua cabeça, como uma grande e pesada nuvem. Depois de uma noite tranqüila, relaxada, tudo voltava.
Nove horas. Nove horas. Nove e cinco. Lembrou que precisava estar no escritório às dez em ponto. Ligando o botão de velocidade máxima, tomou café, tomou banho, escovou os dentes, escolheu a primeira roupa que encontrou, pegou a chave do carro e saiu correndo.
No trânsito, parecia disperso, desligado. Quase bateu no carro da frente. Avançou um sinal e por pouco não provocou um acidente grave. Merda, merda, dizia para si mesmo. Assim não dá. Não posso.
Parou o carro em frente à Igreja Batista da Lagoa. Que se danasse a hora e o trabalho: se um pequeno atraso o demitisse, achava outro emprego. Desceu, pegou a pasta, atravessou a rua e seguiu para a Lagoa. De frente para a água, arremessou a pasta o mais longe que pôde; depois, tirou o celular do bolso e pisou nele com força, atirando seus restos na água logo em seguida. Por último, tirou o paletó e o atirou o mais longe que podia. Livre. Livre, enfim!
Acorda! Acorda! Por acaso te pago pra sonhar? Preciso dessa porcaria de relatório ainda hoje!
Acordou. Não estava na Lagoa. Sua pasta estava aberta na mesa à sua frente. Seu celular tocava insistentemente, com 12 ligações não-atendidas. Seu paletó estava na cadeira às suas costas. Seu chefe gritava, esbravejava. E ele estava sentado na mesma mesa de sempre, junto à janela. Sonhara antes ou depois de chegar ao trabalho? Não sabia. Mas metade do relatório estava digitado. Sem entender nada, continuou aquele trabalho, de forma mecânica.
Quatro e meia, hora do pão de queijo. Estranhamente, se lembrou de descer para comer o pão de queijo, mas não se lembrava de tê-lo comido. Que tempo estranho era aquele, que teimava em apagar algumas coisas?
Não estava bem. Às seis, uma tremenda dor-de-cabeça o impediu de trabalhar. Pediu para sair mais cedo, e ficou surpreso quando o chefe o liberou. Um pouco de paz, enfim.
Na volta, também mal conseguia dirigir, embora estivesse melhor. Decidiu ir pela Praia. Quem sabe olhar o mar o ajudasse a ficar mais calmo...
Decidiu ir para casa, voltar a dormir. Não era hora de acordar ainda. Mas como, dormir de novo? Tinha que trabalhar na manhã seguinte.
E, num giro daqueles de filme, tudo à sua volta desapareceu. Estava de pé, na frente de seu carro, com a chave na mão, às nove e quarenta da manhã.
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