Monday, March 07, 2005

Senta que lá vem história!

Baseado em fatos irreais.

O lugar era uma praça calma, sossegada, silenciosa. O dia era de um sol vibrante, céu azul, poucas nuvens no céu, um vento fresco soprando, refrescando a pele e chacoalhando as copas das árvores. Na rua, nenhum carro passava; na praça e nas calçadas em volta, nas lojas, não tinha ninguém. Tudo muito tranqüilo, cheio de paz e sossego.
Num banco na praça estava eu, sentado, lendo Carta Capital. O vento soprou forte, como que querendo arrancar a revista da minha mão.
Ergo os olhos por um instante e lá está ela: vem vindo na minha direção.
— Ah, finalmente te achei!
Olho em volta, mas não há mais ninguém. É, deve ser comigo, penso eu.
— Onde você foi se meter, hein?
Continuo lendo, fingindo que não é comigo. Ela vem se aproximando.
— Danadinho...da próxima vez, não vou deixar você fugir de mim assim!
Agora ela está bem perto; levanto os olhos da revista para olhá-la olho no olho.
É uma menina LINDA, como eu nunca vi antes. Os olhos são de uma cor meio caramelo, os cabelos são negros e escorridos; a pele dela é morena, não de sol, mas de uma cor natural; a voz dela é macia, parece uma melodia doce e suave.
— Agora não te largo mais!
Ela se senta no banco da praça e dá um tapa na revista, lançando-a longe.
— Me abraça...
Atendo prontamente.
— Me abraça FORTE!
Atendo prontamente.
— Me beija...
Me afastei um pouco – afinal não é possível beijar alguém estando abraçado com força – e me inclinei para beijar-lhe os lábios. Ela fez o mesmo.
Respiração travada, coração acelerado. Coisa de cinema...
Os lábios vão se aproximando, se aproximando, se aproximando e...
— QUERIDA, HÁ QUANTO TEMPO NÃO TE VEJO! SMAC! SMAC!
Dou aquele salto na cadeira, típico de quem levou um susto. Olho em volta. Cadê a menina? A praça? A Carta Capital?
— Pois é, querida! Olha só, a gente veio se encontrar aqui no ônibus!
Olho em volta. Estou num ônibus da linha 433, Vila Isabel-Leblon, via Lapa. Era tudo um sonho! NÃOOOOOOOOOOOOOO!
Me virei na cadeira, para esbravejar com quem tinha me acordado daquele sonho lindo e poético, reclamar da vida e dizer que as pessoas devem sempre conversar em voz baixa para não atrapalhar quem dorme no ônibus.
Não esbravejei. Virei de volta e fui admirar a paisagem.
Eram duas velhinhas!
Elas conversavam bastante alto, e portanto, não tinha como não ouvir. O ônibus inteiro ouviu. Tive até a impressão que as pessoas da rua e do ônibus que vinha atrás também estavam ouvindo.
—Soninha! — dizia uma das velhinhas. — Como vão as coisas? A vida? O Leopoldo?
— Ah, Berta, tudo ótimo! O Leopoldo agora tá que tá danado, sabe? Ele andou meio falhando quando não podia...
As duas caíram na risada.
— Mas vira e mexe ele toma aquele remedinho azul e fica tudo ótimo!
Caíram na risada de novo.
— Mas e você? — perguntou Soninha. — O que anda fazendo da vida?
— Ah, eu não te contei? — disse Berta. — O Astolfo...ele...ele...ELE MORREU!
As duas começaram a chorar.
— Não fica assim, não, é a vida, tudo passa...
— É, já estou melhor, foi um golpe duro, é uma vida inteira junto, a gente luta e luta tanto, amanhã morre e fica tudo praí...
— Mas e o Paulo Roberto? — perguntou Soninha.
— Paulo Roberto?!
— É, o seu porteiro!
— Ah! Claro! Como pude me esquecer do Robertinho? Ah, foi demitido, você não sabia?
— Jura?
— Pois é. Andou se agarrando com aquela vassourinha...
— Jura? Quem?
— A menina do 402! Andava com uma saia curta, o rabo todo de fora...
— Não!
— Pois é. Era a maior vassourinha. Passava diante dele com aquele rabo todo de fora, e aí, sabe como é homem, não é? Andaram se agarrando e tudo. Aí a síndica descobriu, fez o maior escândalo e botou ele na rua!
— Não diga!
— Pois é. Foi morar lá em deus-me-livre, não sei onde, longe pra chuchu.
— Não acredito nisso! Que horror...
— Aí fiquei sabendo que ele foi trabalhar lá na Rua Marquês de São Vicente.
— E os filhos?
— Ah, estão bem. A menina já tá toda saidinha. Namorando e tudo!
— Não acredito! Com 12 anos?
— Pois é, vê se pode? Já com essa idade. Daqui a dois anos tá com filho pequeno!
— E os filhos?
— Não, ela ainda não teve. Ainda é muito cedo!
— Não, os outros filhos dele! Do Paulo Roberto!
— Ah. Tão bem, tá tudo bem, tudo ótimo.
Estávamos em Copacabana.
— Deixa eu ir, Berta — disse Soninha. — Smac, smac, foi ótimo te ver de novo!
— Smac, smac, foi sim! Me liga, tenho que te contar da minha empregada, é cada história...
— Ah, vou ligar com certeza. Tchau!
Até chegar em casa, estava pensando...
O que leva as pessoas a terem tanto interesse na vida dos outros?
O que será que faz com que queiram saber da vida dos porteiros, das empregadas, dos artistas, de pessoas que ficam três meses trancafiadas numa casa? E que discriminem, falem mal, critiquem quem simplesmente não acha a menor graça em ver esse tipo de programa ou falar de assuntos que não lhe digam respeito? O que será que leva as pessoas a falarem tão alto nos ônibus, acordando os pobres meninos de seus sonhos perdidos?
Não, falando sério.
Saber da vida dos outros parece ter sido sempre um atrativo. Não duvido nada que, nas cortes dos reis, durante os séculos XV a XIV, as pessoas comentassem sobre a vida da família real, assim como fazem na Inglaterra até hoje.
No início do século XX, parece muito clara em nossas mentes a imagem daquelas senhoras conversando com as vizinhas das janelas de casa, contando as últimas novidades a respeito da vida dos outros.
Parece ser algo natural do ser humano. A curiosidade sobre o que acontece na vida do outro parece ser muito natural. No entanto, parece ainda mais reforçada com o culto às celebridades, onde a vida tem exemplos de pessoas a serem seguidos, onde a vida de quem é famoso é exposta de uma maneira que nunca aconteceu antes.
Sim, porque os colunistas sociais já existiam na França dos anos 20 e 30, e já fofocavam sobre a vida dos artistas. Mas essa megaexposição, como no caso Ronaldo-Cicarelli, onde até quem não se interessa pelo assunto ficou sabendo TUDO a respeito do casamento, isso é mais recente.
A impressão que tenho é que, como no Big Brother, isso vem de dentro do próprio artista. Isso parece ser parte da essência do artista de hoje: ele não tem que aparecer com o trabalho, ele tem que aparecer. Ele não tem que aparecer, ele tem que se expor, caso queira estar na mídia e ser chamado para a próxima novela.
No caso dos porteiros e das empregadas, parece recair sobre a naturalidade da curiosidade humana, reforçada pelo culto à celebridade.
Desejo que tanto artistas quanto empregadas e porteiros tentem se preservar ao máximo, como fazem alguns famosos de fora do Brasil, que não tiram foto com filhos, por exemplo, e até alguns de dentro do Brasil. Falem de seus trabalhos, do que vocês pretendem para o futuro, contem histórias de trabalho, mas não falem sobre sua vida. Deixem a mídia e as velhinhas irem buscar alguma coisa mais interessante para fazer.

Um grande abraço e até a próxima.

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