Thursday, January 21, 2010

Sobre alguma coisa qualquer

Os lugares estão lá, mas os olhos, o olhar, não.

Parece que ainda posso ver. Caminhando pelos mesmos locais, ainda pareço escutar sua voz, lembrar do brilho dos seus olhos. E quem sabe, daquela risada a cada piada que eu fazia...

Mas não, agora é tarde. Não há mais ninguém. Só sobrou a estrutura. O restaurante, o bar, o ponto do ônibus, o posto de gasolina. O copo vazio...

Quantas vezes ele esteve cheio?

Não sei, perdi a conta. Foram muitas. Bastava ficar vazio para se encher novamente. Não chegava a ser um passe de mágica, não era tão assim. Era mais uma coisa automática, um movimento direto. Mas sem a contrapartida da repetição pós-movimento, como naquele velho filme do Chaplin...

E que importa? Agora só sobrou o copo vazio. Tem cerveja perto, mas não tem mais a mesma graça. Sem o brilho daqueles olhos, perdeu toda a graça. Sem carro, não tem combustível.

E aqui estou eu, sentado, sozinho, olhando o céu e a próxima estrela brilhando. Me sentindo estranho por pensar num texto tão poético, tão romântico, se há dúvidas se realmente acredito em tudo isso.

Se o tempo que passou realmente passou, e se vale a pena lembrar de todos aqueles olhares...

Eram apenas mais alguns, diante dos 2.354 que ainda vou encontrar pela vida. O copo ainda vai se encher muito. Ainda haverá muitos lugares, muias estruturas, que se tornarão mais do que isso...

Ah, como eu gostaria de acreditar nisso.

Sim, tudo continua como antes, mas parece que alguma coisa mudou. E sobre o que era o texto que eu estava escrevendo, mesmo?

Acho que era sobre alguém, alguma coisa, algum lugar...ou seria sobre o mistério do tempo? Ou sobre o copo de cerveja vazio?

Não sei. É hora de pedir a conta, o tempo acabou...

Wednesday, January 13, 2010

O Largo - parte II

O ônibus fez a curva na Rua Bento Lisboa e cruzou os últimos metros até chegar à frente da Igreja Matriz da Glória.

Seria coincidência? Parece que foi ontem (e não foi?) que escrevi sobre um certo Largo do Machado, e aqui estou eu novamente.

Os tempos, é claro, mudaram. Me levantei e desci do ônibus, desligando o MP3, e cruzei os três degraus até a calçada.

Por ali, uma família que à primeira vista parecia de mendigos. Não, não eram: era gente esperando o ônibus. Fui vítima do meu próprio preconceito. Isso era uma coisa que não existia no "velho Largo"...

Deixando essas ideias estranhas para trás, segui até o sinal e atravessei a rua, chegando à praça, esse local onde o Largo é mais Largo.

São seis horas, um dos meus horários preferidos. Daqueles onde não é mais dia e ainda não foi noite. Sob as luzes dos postes acesas, o movimento é intenso. Gente vai e vem. Pessoas conversam. Crianças brincam, velhinhos jogam cartas, trocadores pegam água, motoristas cospem no chão, estudantes seguem rumo a algum lugar que certamente não me dirão qual é.

A essa altura do campeonato, a velha galeria do Condor já acendeu suas luzes, assim como as lojas do outro lado da rua. E estou chegando mais perto do metrô. E há mais gente andando, correndo, falando...

Às vezes tenho a sensação de viver num mundo à parte. Como seria possível que, de um simples passeio, alguém caminhasse o tempo inteiro imaginando a cena, capaz de descrevê-la depois? Não sei, realmente, devo ser um caso raro de loucura.

Até porque esse último parágrafo não fez qualquer sentido. Ou não.

Mas a praça já chegou ao fim, e a hora é de atravessar a rua. Por fora. Esse não é um bom local para circular assim, como se tudo estivesse bem e nada fosse um problema. Aliás, não só aqui como em todo o Rio.

Deixando isso para lá, sigo em frente, até a hora de atravessar de novo a Rua do Catete. Esse é o ponto onde o Largo deixa de ser Largo e passa a ser alguma coisa que ninguém sabe bem o que é.

E não adianta perguntar à prefeitura, ela coloca no IPTU o bairro mais caro.

Enfim, muitos metros depois, o destino está selado. Agora é hora do primeiro chope...

Wednesday, January 06, 2010

Largo

Saudade do Largo do Machado.

Não do Largo de hoje, deserto à noite, silencioso demais, sujo demais. Saudade de um Largo de outros tempos, outra época, que, se não era melhor - e talvez realmente não fosse - ao menos parecia muito.

Tenho um carinho especial por esse pedaço de mundo entre Flamengo, Laranjeiras e Catete, que consegue a mágica de não ser nenhum dos três. E tudo começou faz tempo, faz tempo...

Lembro do som da velha gaita que eu nunca aprendi a tocar. E de uma janela - tinha uma mesa em frente? - por onde entrava o sol escaldante das quatro da tarde, que batia no meu rosto com força e me fazia suar. Mas quem disse que eu desistia de tentar continuar tocando a gaita?

E depois que o sol descia, ali pelas cinco horas, era hora do passeio - que deve ter acontecido uma ou duas vezes. Mas valia a pena. Seguia para comer um folheado de queijo em uma loja chamada Frère Jacques. Ia de mãos dadas com meu pai, ansioso pelo folheado. E ele ia cantando, em francês, a música que tinha o mesmo nome da loja:

Frère Jacques, frère Jacques,
Dormez-vous? Dormez-vous?
Sonnez les matines! Sonnez les matines!
Din, dan, don. Din, dan, don.


E eu cantava, mesmo que meio sem saber o que era nem entender uma palavra. Mais tarde, a loja do folheado acabou. E ele foi trocado por um quibe. O quibe do árabe também era mais do que especial. Mas uma certa palha-de-aço no recheio acabou com a magia da coisa..

Saudade do Largo do Machado.

Não o Largo do Machado só dos folheados e dos quibes. Mas também o da loja de vídeos. Tinha um que de especial, não era uma loja de vídeo como as outras. A começar pelo fato de que eu raramente ia lá. E a continuar pelo fato de que parecia ser maior e mais farta do que qualquer outra videolocadora.

Já achei coisas ali do arco da velha. Era capaz de perder horas ali. No início não era assim: eram apenas duas fileiras de filmes, uma em cima e outra embaixo, naquelas capinhas plásticas que tinham um papelzinho preso nelas. Se a gente queria o filme, tinha que escolher, tirar o papelzinho respectivo e entregar no caixa pra receber a fita.

Aos poucos, a coisa mudou. As duas fileiras viraram cinco, dez, quinze, vinte. Ganharam um subsolo. As capinhas plásticas com papelzinho foram trocadas pelas respectivas fitas. Agora não tinha mais risco de entregar o papelzinho errado, receber uma fita diferente da escolhida e descobrir isso só chegando em casa.

E foi assim que os filmes se multiplicaram, e pude encontrar verdadeiras raridades. Mas o tempo passou, e as fitas começaram a virar DVDs, até sumirem. Hoje só tem DVDs. Coincidência ou não, nunca mais voltei...

Saudade do Largo do Machado.

Não só o Largo dos folheados, dos quibes, da videolocadora, da Sendas (hein?), da Galeria do Condor, da Parmê. Mas também o Largo do velho cinema da galeria do Condor. Por ali passaram várias fitas que não vou esquecer: Professor Aloprado, Noviço Rebelde, O Sexto Dia...

Tinha um ar diferente, de cinema antigo, escondido. Hoje nem existe mais, virou igreja...

Saudade do Largo do Machado não só de lojas, cinemas, lanchonetes, mas de Papai Noel. Era lá que eu esperava o Bom Velhinho, em uma casa mais do que especial. E durante anos foram assim. Aquele apartamento na Rua Machado de Assis virou uma espécie de segunda casa do Noel (o velhinho, não o músico).

É...saudade do Largo do Machado.