Thursday, March 20, 2008

Conversa de bar

Inspirado em fatos reais.

A Ana e a Paula estavam há meia hora no bar, bebendo um chope. A Ana volta e meia mexia no cardápio, procurando o que comer. A Paula parecia mais interessada em conversar.

- ...e então o Hugo veio, com aquele jeito dele, e me olhou...na hora fiquei, você nem imagina...
- Ah, eu sei o que é isso, amiga!
- Pois é Ana...a gente sempre suspirando pelos caras...e no fim, não valem nada...acredita que outro dia o esquisito do Danilo me chamou pra sair?
- Hum...parece gostoso!
- Hein? O Danilo? Aquele esquisitão?
- Hã? Não! Tô falando desse filé, esse com fritas que tá aqui no cardápio!
- Ah...também é esquisitão.
- É? Bem...então quem sabe um frango...
- Mas amiga, você não sabe da maior...o Júlio tá dando em cima da Suzana!
- Não me diga!!!! A Suzana, aquela louca? Aquela que trabalhava comigo e que tinha a mania de cantar Blowin in The Wind sempre às 15h43min e 5 milésimos da tarde?!
- É, essa mesmo...agora ela tá trabalhando lá no escritório.
- Não me diga! Jura?
- Pois é. E o Júlio tá dando em cima dela!
- Júlio não é seu chefe?
- Pois é, ele mesmo! Vive falando galanteios pra ela...outro dia deu até chocolate!
- Não me diga!!!! E ela, e ela?
- Ah, tá se aproveitando da situação, né...aquela filha da mãe...finge que gosta...ele fica mais incisivo...aí ela recua...mas ele parece que tá gostando mesmo!
- Paula, vamos comer alguma coisa?
- Ah, vamos, né...a gente fica aqui conversando e esquece da vida. Vê aí o que tem no cardápio.
- Deixa ver...frango assado...estrogonofe...lombo...
- Ai amiga, por falar em lombo, você não sabe quem eu descobri que tá trabalhando na empresa!
- Quem, quem?
- A Flávia!
- Não acredito! Mas você anda com pouca sorte, hein, amiga? Logo a Flávia, aquela metida?
- Pois é!
- Mas vem cá...o que isso tem a ver com lombo?
- Ai amiga, nem te conto...ela tá com um bundão...um corpaço!
- Jura? Mas era magra que nem um bacalhau!
- Pois é, mas agora tá com uma retaguarda...passa e os homens ficam todos olhando. Parecem...parecem...
- Pão-doce...
- Isso, parecem moscas em cima do pão-doce!
- Não, amiga, tô falando do pão-doce de comer que tá aqui no cardápio...
- Ah, bem. Mas vem cá...não te contei da viagem que a Julinha fez com a gente pra comemorar o niver dela?
- Não...
- Ah, foi um espetáculo! Ela alugou um barco, sabe? Bem na verdade não alugou um barco...comprou um passeio de barco.
- Puxa, que máximo!
- Não é? Chamou um grupo e deu R$ 15 pra cada um. Fomos até as Ilhas Cagarras.
- Hum, parece ótimo...
- Saímos ali da Marina da Glória, cedinho. O barco é um espetáculo, tem tudo...banheiro...bebida...
- Churrasco...
- Churrasco, isso...fizemos um belo churrasco! Mas quem te contou, hein?
- Hã...eu tava falando desse churrasco aqui do cardápio.
- Ah tá. Mas você só pensa em comer, amiga? Deixa eu continuar contando. Aí levamos biquíni...ficamos pegando sol...um marinheiro gatíssimo no barco...foi um dia maravilhoso!
- Paulinha, o que é que a gente vai comer, hein? Tô com fome...
- Ah é...sei lá...pede qualquer coisa aí.
- Qualquer coisa?
- É...um filé com fritas tá ótimo.

Reflexões de um metrô

Ainda estava no alto da escada rolante quando ouviu o apito do metrô. O trem ia partir.
Segurou a pasta com mais firmeza e começou a correr, subindo o mais rápido que podia. Correu correu correu...e pegou o trem no exato instante em que a porta se fechava.
Ainda ofegante, respirou fundo e procurou um banco para se sentar. Achou um num canto do vagão, entre uma velhinha e um senhor engravatado. Sentou, pôs a pasta no colo e logo o trem arrancou, rumo à próxima estação.
Fechou os olhos e tentou relaxar. Não conseguiu. Naquela manhã chuvosa e fria de quarta-feira, não sentia qualquer vontade de ir para o trabalho. A rotina estava deixando-o desanimado, cansado, estressado. Contas a pagar, papéis a assinar demais. Há cinco anos no mesmo lugar, vendo as mesmas pessoas - estava cheio. Já não sentia mais vontade de sair para tomar uma cerveja depois do trabalho, o que fora um de seus maiores prazeres.
Não fora ontem mesmo que o chefe gritara com ele porque enviara um relatório com as duas folhas grudadas? E não fora há dois dias que o chefe gritou com ele porque enviara os relatórios com as pontas dobradas e cinco minutos depois do tempo previsto? Não fora ontem que discutira com o colega...por causa de uma tomada e um recarregador de celular?
Podia procurar outro trabalho - mas achava que dava muito trabalho. Com cinco anos de firma, o adicional do salário era bom. Não se arriscaria a procurar outro emprego e perder o que já tinha.
Em casa as coisas também não andavam boas. Antes de sair de casa, discutira de novo com a esposa. A velha história: ela reclamava que ele não tinha tempo para ela. Ele dizia que não era bem assim, que quando chegava em casa ela estava sempre ocupada. E os dois começavam a discutir de novo, até ele decidir bater a porta da rua e ir embora. E ficava cheio de dúvidas o dia todo. Tinha medo que um dia a fechadura fosse trocada de vez. Ou que ela não estivesse quando ele voltasse para casa. E ia com a cabeça cheia para o trabalho.
Sentia falta dos velhos amigos, que há tempos não via. Todos os dias dizia que ia telefonar para eles, mandar um e-mail, pombo-correio, qualquer coisa...e ficava adiando. Vinha fazendo isso há mais ou menos dez anos. E a culpa descia e enchia sua cabeça de pensamentos estranhos. Não ligava, mas sentia falta. E não ligava. Mas sentia falta...
Quando deu por si, estava mergulhado em pensamentos, completamente entregue. Despertou de repente, como quem acorda de um sonho. Ouviu o anúncio da estação: era a sua. Tinha que descer agora.
Pegou a pasta e ficou em pé. A porta abriu, ele saiu em meio à multidão e começou a caminhar.
Enquanto isso, seus olhos pousaram do outro lado da estação. Separado dele pelos trilhos, lá bem do outro lado, estava uma senhora. Negra, bem idosa, cabelos grisalhos, coque no alto da cabeça. Usava um casaco escuro e uma saia igualmente escura. Segurava uma bolsa nas mãos. E vinha andando apoiada na parede da estação.
Um passo de cada vez, bem devagar, para não cair, ela avançava. Segurava a parede, dava um passo, parava para respirar. Apoiava as duas mãos na parede, dava mais um passo, respirava fundo, apoiava as mãos na parede. Dava mais um passo. Devagarzinho, sem pressa. Em volta da velhinha, pessoas de todos os tipos passavam, sem ajudá-la, sem nem mesmo olhá-la, como se ela fosse invisível.
E ele ficou ali, em êxtase, olhando o caminhar da velhinha, parado bem na hora de ir trabalhar, como se o tempo fosse infinito. E continuou admirando o caminhar daquela senhora simples, até que se deu conta e retomou o seu.
Ficou com pena da idosa, mas estavam separados por um trilho de metrô - e provavelmente ela não iria precisar da ajuda dele. Nem iria querer.
Nunca mais esqueceu a cena, nem o que descobriu naquele breve instante.
Ainda podia caminhar sem a ajuda da parede.

Thursday, March 13, 2008

O pouco que sobrou

Não gosto de postar letras de músicas. Mas às vezes elas falam mais do que um texto próprio...


Eu cansei de ser assim

Não posso mais levar

Se tudo é tão ruim

Por onde eu devo ir?

A vida vai seguir

Ninguém vai reparar

Aqui neste lugar

Eu acho que acabou

Mas vou cantar

Pra não cair

Fingindo ser alguém

Que vive assim de bem



Eu não sei por onde foi

Só resta eu me entregar

Cansei de procurar

O pouco que sobrou

Eu tinha algum amor

Eu era bem melhor

Mas tudo deu um nó

E a vida se perdeu

Se existe Deus em agonia

Manda essa cavalaria

Que hoje a fé

Me abandonou

Estado fluido

Hoje acordei num estado fluido.
Não sei qual é exatamente a definição de fluido. Nem sei exatamente se isso é um estado relativo à matéria, ou apenas um sinônimo de "líquido".
Mas estado fluido é aquele onde você sente como se sentisse que não sente nada.
Se algo de bom acontece, o que te levaria obviamente a ficar feliz, você só consegue sorrir brevemente por alguns instantes. Se algo de ruim acontece, você nem chega a ficar triste por muito tempo. A sensação na maior parte do tempo é de um vazio, algo como se fosse um estado de espírito sem um estado de espírito, algo indefinido - daí a idéia de "fluido".
Não sei se isso é necessariamente bom ou ruim. Talvez não seja nenhuma das duas coisas. Talvez seja apenas a transição de um estado de espírito, um momento em que você simplesmente não está bem nem mal.
Talvez seja uma sensação de momento como outra qualquer. Ou talvez seja coisa da minha cabeça, mesmo, que vive arquitetando coisas e coisas e tentando entender o que se sente.
Talvez sim, talvez não...mas a resposta mais provável é...quem sabe!

Monday, March 10, 2008

A chuva e o aeroporto

Há algumas coisas que me fascinam sem muita explicação. Chuva e aeroporto são duas delas.
Não sei o que tem demais em um lugar de onde aviões chegam e decolam. Não sei qual é o fascínio capaz de despertar em uma pessoa uma simples torre de controle, como existem aos montes pelo mundo. E os aviões decolando? Voando (quase) livres pelo céu, aqueles pássaros gigantes de metal, devorando quilômetros em questão de segundos...toda aquela estrutura interna...o cheiro de viagem...a imagem das nuvens, belas tanto de fora quanto de dentro.
Você já viu uma nuvem "por dentro"? Eu já, me lembro bem. Parecia envolto por um raio luminoso. Um belo espetáculo.
Ou não sei o que pode fascinar um ser humano naquela megaestrutura de aeroporto, gente chegando e saindo, malas, transportes, abraços, despedidas, reencontros e tudo mais.
O internacional do Galeão (vulgo Tom Jobim) tem algo de especial. Diria eu que fica num lugar classificado como "meio do nada", em uma área que não sei direito onde fica nem onde vai dar, algo que parece não ter fim. Ouso arriscar que fica perto do céu, de tão longe de qualquer coisa. Deve ser por isso que virou aeroporto, vai saber.
E olhar assim, para a torre de controle, me fascina muito. Ainda mais num dia chuvoso como hoje, em que o barulho da água batendo no telhado se mistura à visão turva das gotas escorrendo pelo vidro, em meio ao céu plúmbeo-cinzento, e a torre ao fundo, sempre imponente.
Quando era pequeno eu me perguntava como se subia à torre, aquele lugar tão alto. Talvez tenha me perguntado se os caras por acaso chegavam lá de avião. E ficava imaginando como era aquilo por dentro. Cheguei a desenhar uma escada, certa vez:

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Coisa de criança. O tempo passou, cresci, mas o fascínio por aeroportos, aviões, torres de controle e chuva não mudou.
Hoje, quando olho para esse cenário, o sentimento é diferente, meio misturado com tristeza, meio bucólico, meio melancólico. Mas esse é assunto pra outro post...