Thursday, October 07, 2010

Luís e as janelas

O Luís era apaixonado por janelas. Desde pequeno gostava de parar diante dos edifícios e ficar observando o que conseguia. Sua paixão, sua diversão, era ficar tentando adivinhar o que se passava do outro lado.

"Mamãe, olha naquela janela ali...o moço abraçou a moça...e eles estão tirando a roupa, estão deitados..."
"Vamos embora, menino!!!"

Diziam que era enxerido, metido, que gostava de ficar controlando a vida dos outros, e que precisava arrumar algo melhor pra fazer. Ele nem ligava.

"Papai, olha aquele gordinho de cueca ali...já é o quinto pedaço de pudim que ele come!"
"Deixa de ser enxerido, menino!"

Foi crescendo, e, já adulto, a brincadeira virou quase um hobby.

"Hum...veja...aquele apartamento ali tem uma lâmpada sem lustre. Isso significa que o dono é ou uma pessoa sem dinheiro, ou descuidada, do tipo que tem uma bagunça tão grande que sai tropeçando nas coisas. E veja aquele móvel ali...colocado quase junto da janela. Isso significa que a pessoa não tem espaço no apartamento..."

Namoradas, teve várias: todas duraram dez minutos. Mal saía de algum lugar, lá estava o Luís procurando janelas com luzes acesas, ou tentando enxergar por trás do apartamento apagado mesmo, tentando descobrir o que acontecia do outro lado.

"Veja, gata...aquele apartamento apagado ali tem vários caixotes. Devem estar de mudança..."
"Eu pensei...a gente talvez pudesse ir pra algum lugar mais calmo..."
"E olha só, acendeu a luz! Acendeu a luz! E veio correndo! Ali deve ser o banheiro, e ele deve estar apertado! Veja, gata...ei? Gata? Cadê você?"

Os amigos diziam para ele parar com aquela mania, que já estava passando dos limites. Já tinha quase 30 e continuava estudando janelas.

"Luís, deixa disso, rapaz...vai viver a vida, encontrar uma mulher decente, sair pra se divertir...fica só vendo janela..."
"Mas Arnaldo, você não entende! É mais forte do que eu...é algo tão interessante! E tão divertido..."

Luís tentava, se esforçava para parar com aquilo, mas, mal se distraía e já estava ele de novo estudando janelas. Foi quando aconteceu. Vinha de ônibus e acabara de passar pela Rua Belford Roxo, em Copacabana, quando, observando uma janela, teve um impulso estranho e desceu no ponto seguinte.

Lá em cima, diante da janela, estava uma morena linda, cabelos longos, vestida com uma blusa azul, e uma calça - que ele não pôde identificar, porque estava embaixo e a moça estava debruçada. Fascinado, Luís ficou olhando, olhando, sem vontade alguma de ir embora ou fazer qualquer outra coisa. E teve a impressão de que os olhares se cruzaram mais de uma vez.

E assim ficou até que ela se retirou dali. Decidido, voltou no dia seguinte, no mesmo horário, e encontrou a moça no mesmo lugar. E ficou lá, olhando. E assim foi a semana inteira, o mês inteiro. Todos juravam que ele finalmente havia encontrado alguém e esquecido a bobagem da janela; mas na verdade estava lá, mais firme do que nunca.

Até o dia em que, ao lado da moça na janela, apareceu um homem. E a beijou.

Luís ficou arrasado. Tão arrasado que foi para casa e chorou três dias seguidos. No trabalho, ninguém entendeu porque ele insistia em usar óculos escuros o tempo inteiro.

"É que a luz aqui me incomoda..."
"Mas nunca incomodou antes..."
"Ah...descobri ontem que tenho alergia à luz..."
"Alergia à luz? Nunca ouvi falar..."
"É claro que nunca ouviu falar...se é luz, é algo para ser visto..."

Refeito do problema, jurou que nunca mais ficaria olhando janelas.

"Ah, é melhor assim, Luís. Você agora mudou de rumo. Adorei saber disso!"
"Pois é, Arnaldo, nunca mais vou olhar janelas!"
"Isso mesmo!"
"Agora só olho portarias!"

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