Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...
Não, definitivamente, não era de tarde. E ele não vestia luto, como na música da Elis Regina. Ou será que vestia?
Lembro que ele devia ter 50 anos, usava barba, estava apenas de bermuda e camiseta, e descalço. Uma bermuda velha, esfiapada e curta, cinza. No peito, levava uma camisa amarela, com a inscrição de um congresso espírita. Chegou, assim, entre as ruas Gomes Freire e Inválidos, na Lapa, vindo não se sabe de onde, e indo para não se sabe o rumo.
O andar era torto, e, pela impressão que tive, estava bêbado, mesmo, com dificuldades para ficar em pé. Nunca saberei ao certo; sei que ele vinha catando latas. Uma por uma, ia pegando as latas do chão, e, cada vez que se levantava, tinha que se equilibrar para não cair.
Lembro que ele chegou perto, e já tinha quatro latas, duas em cada mão. Ao ver a quinta no chão, tentou se abaixar para pegar, mas as latas caíram, se espalhando por todos os lados. Com uma paciência de santo, ele se abaixou e começou a catar todas, uma por uma.
Não conseguiu; depois de pegar três, perdeu o equilíbrio, bambeou e quase caiu de cara no chão. A cena provocou risadas em algumas pessoas que passavam; outras olharam com pena; e houve quem desprezasse o esforço do bêbado.
Ele bambeou, mas conseguiu manter a força nas pernas e seguiu de pé, com as latas na mão. Sem ter como segurar a quinta, que havia caído na rua, longe da calçada, se abaixou e mordeu a lata, segurando-a com a boca. Bebendo o conteúdo, seguiu seu caminho, com as quatro latas na mão e uma na boca.
Seria um catador? Um bêbado? Um mendigo?
Quem sabe...não tive a oportunidade de perguntar. Mas, diante da cena que choca, que entristece, que nos faz refletir sobre a condição humana, penso no Bêbado Equilibrista...e penso...
Em nenhum momento ele desistiu. Fosse como fosse, seu empenho era pegar a lata, e conseguiu.
Quantas vezes, na vida, é justamente isso que nos falta? Talvez ainda tenhamos algo a aprender com o Bêbado Equilibrista...
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...
(Elis Regina, o Bêbado e o Equilibrista)
Sunday, October 24, 2010
Tuesday, October 19, 2010
O Gigante e eu
Ah, Gigante, eu estava com saudades. Olhar, assim, você, de cima, mesmo que vazio, me trás várias lembranças. Várias não...muitas. Inúmeras.
Lembro que, quando cheguei aqui hoje, nem tinha me dado conta disso. Mas algo começou a mexer comigo quando vi um rapaz limpando o busto do Mario Filho, na entrada do hall dos elevadores do estádio. Com habilidade, ele esfregava uma flanela no busto, ia e vinha, lustrava bastante, e cada vez o rosto do famoso jornalista que dá nome ao Maracanã parecia mais brilhante. Em um olhar amplo, é uma síntese do que vem ocorrendo do lado de dentro.
À medida que se sobe nas arquibancadas, é possível ter ideia do tamanho da obra. Lá embaixo, as cadeiras comuns onde me sentei na primeira vez que vim aqui, naquele longínquo 1992, não existem mais. Aos poucos, o espaço ocupado por elas vai sendo destruído por escavadeiras, que trabalham sem parar.
A parte das arquibancadas segue quase intacta, não fosse pela retirada das cadeiras que formavam esse setor do estádio. Não sei qual é a magia que possui o Gigante, mas, simplesmente de ficar aqui, em pé, com o estádio vazio e em obras, olhando para o campo, quase posso ouvir o barulho da torcida. Quase posso ver as faixas, as bandeiras, os jogadores se movimentando, trocando passes, se aquecendo...
Quase posso ver a bola, rainha do espetáculo, sendo chutada com brilho, com categoria, e balançando as redes, no momento mais mágico do futebol. Um simples momento, mas, que de tão espetacular, é capaz de fazer vinte, trinta, quarenta, cinquenta mil pessoas pularem alto e ao mesmo tempo, gritarem, festejarem, sentirem a felicidade pulsar nas veias, beijar o escudo da camisa, abraçar os amigos, os inimigos e os desconhecidos.
Ao olhar o Gigante assim, quase posso ver Júnior Baiano, Marcos Assunção, Romário, Petkovic, Edmundo, Felipe, e tantos outros que marcaram minha vida, todos balançando as redes (não tive a honra de ver Zico jogando ao vivo). Caminho mais, ando mais, e vou me lembrando de outros jogos, outros momentos, do meu pai, dos amigos, e dá uma saudade...
Ao mesmo tempo, dá uma vontade de sair gritando gol, de comemorar, de festejar muito, essa coisa louca que só o Maracanã tem.
Sei que só poderei voltar para ver um jogo de futebol aqui no fim de 2012, ou quem sabe, só em 2013. Mas tenho certeza que, pelo Maracanã, valerá a pena esperar cada segundo.
E, ao deixar o estádio, me viro para o campo e digo, com saudade e esperança no peito: "Até logo, Gigante!"
Lembro que, quando cheguei aqui hoje, nem tinha me dado conta disso. Mas algo começou a mexer comigo quando vi um rapaz limpando o busto do Mario Filho, na entrada do hall dos elevadores do estádio. Com habilidade, ele esfregava uma flanela no busto, ia e vinha, lustrava bastante, e cada vez o rosto do famoso jornalista que dá nome ao Maracanã parecia mais brilhante. Em um olhar amplo, é uma síntese do que vem ocorrendo do lado de dentro.
À medida que se sobe nas arquibancadas, é possível ter ideia do tamanho da obra. Lá embaixo, as cadeiras comuns onde me sentei na primeira vez que vim aqui, naquele longínquo 1992, não existem mais. Aos poucos, o espaço ocupado por elas vai sendo destruído por escavadeiras, que trabalham sem parar.
A parte das arquibancadas segue quase intacta, não fosse pela retirada das cadeiras que formavam esse setor do estádio. Não sei qual é a magia que possui o Gigante, mas, simplesmente de ficar aqui, em pé, com o estádio vazio e em obras, olhando para o campo, quase posso ouvir o barulho da torcida. Quase posso ver as faixas, as bandeiras, os jogadores se movimentando, trocando passes, se aquecendo...
Quase posso ver a bola, rainha do espetáculo, sendo chutada com brilho, com categoria, e balançando as redes, no momento mais mágico do futebol. Um simples momento, mas, que de tão espetacular, é capaz de fazer vinte, trinta, quarenta, cinquenta mil pessoas pularem alto e ao mesmo tempo, gritarem, festejarem, sentirem a felicidade pulsar nas veias, beijar o escudo da camisa, abraçar os amigos, os inimigos e os desconhecidos.
Ao olhar o Gigante assim, quase posso ver Júnior Baiano, Marcos Assunção, Romário, Petkovic, Edmundo, Felipe, e tantos outros que marcaram minha vida, todos balançando as redes (não tive a honra de ver Zico jogando ao vivo). Caminho mais, ando mais, e vou me lembrando de outros jogos, outros momentos, do meu pai, dos amigos, e dá uma saudade...
Ao mesmo tempo, dá uma vontade de sair gritando gol, de comemorar, de festejar muito, essa coisa louca que só o Maracanã tem.
Sei que só poderei voltar para ver um jogo de futebol aqui no fim de 2012, ou quem sabe, só em 2013. Mas tenho certeza que, pelo Maracanã, valerá a pena esperar cada segundo.
E, ao deixar o estádio, me viro para o campo e digo, com saudade e esperança no peito: "Até logo, Gigante!"
Thursday, October 07, 2010
Luís e as janelas
O Luís era apaixonado por janelas. Desde pequeno gostava de parar diante dos edifícios e ficar observando o que conseguia. Sua paixão, sua diversão, era ficar tentando adivinhar o que se passava do outro lado.
"Mamãe, olha naquela janela ali...o moço abraçou a moça...e eles estão tirando a roupa, estão deitados..."
"Vamos embora, menino!!!"
Diziam que era enxerido, metido, que gostava de ficar controlando a vida dos outros, e que precisava arrumar algo melhor pra fazer. Ele nem ligava.
"Papai, olha aquele gordinho de cueca ali...já é o quinto pedaço de pudim que ele come!"
"Deixa de ser enxerido, menino!"
Foi crescendo, e, já adulto, a brincadeira virou quase um hobby.
"Hum...veja...aquele apartamento ali tem uma lâmpada sem lustre. Isso significa que o dono é ou uma pessoa sem dinheiro, ou descuidada, do tipo que tem uma bagunça tão grande que sai tropeçando nas coisas. E veja aquele móvel ali...colocado quase junto da janela. Isso significa que a pessoa não tem espaço no apartamento..."
Namoradas, teve várias: todas duraram dez minutos. Mal saía de algum lugar, lá estava o Luís procurando janelas com luzes acesas, ou tentando enxergar por trás do apartamento apagado mesmo, tentando descobrir o que acontecia do outro lado.
"Veja, gata...aquele apartamento apagado ali tem vários caixotes. Devem estar de mudança..."
"Eu pensei...a gente talvez pudesse ir pra algum lugar mais calmo..."
"E olha só, acendeu a luz! Acendeu a luz! E veio correndo! Ali deve ser o banheiro, e ele deve estar apertado! Veja, gata...ei? Gata? Cadê você?"
Os amigos diziam para ele parar com aquela mania, que já estava passando dos limites. Já tinha quase 30 e continuava estudando janelas.
"Luís, deixa disso, rapaz...vai viver a vida, encontrar uma mulher decente, sair pra se divertir...fica só vendo janela..."
"Mas Arnaldo, você não entende! É mais forte do que eu...é algo tão interessante! E tão divertido..."
Luís tentava, se esforçava para parar com aquilo, mas, mal se distraía e já estava ele de novo estudando janelas. Foi quando aconteceu. Vinha de ônibus e acabara de passar pela Rua Belford Roxo, em Copacabana, quando, observando uma janela, teve um impulso estranho e desceu no ponto seguinte.
Lá em cima, diante da janela, estava uma morena linda, cabelos longos, vestida com uma blusa azul, e uma calça - que ele não pôde identificar, porque estava embaixo e a moça estava debruçada. Fascinado, Luís ficou olhando, olhando, sem vontade alguma de ir embora ou fazer qualquer outra coisa. E teve a impressão de que os olhares se cruzaram mais de uma vez.
E assim ficou até que ela se retirou dali. Decidido, voltou no dia seguinte, no mesmo horário, e encontrou a moça no mesmo lugar. E ficou lá, olhando. E assim foi a semana inteira, o mês inteiro. Todos juravam que ele finalmente havia encontrado alguém e esquecido a bobagem da janela; mas na verdade estava lá, mais firme do que nunca.
Até o dia em que, ao lado da moça na janela, apareceu um homem. E a beijou.
Luís ficou arrasado. Tão arrasado que foi para casa e chorou três dias seguidos. No trabalho, ninguém entendeu porque ele insistia em usar óculos escuros o tempo inteiro.
"É que a luz aqui me incomoda..."
"Mas nunca incomodou antes..."
"Ah...descobri ontem que tenho alergia à luz..."
"Alergia à luz? Nunca ouvi falar..."
"É claro que nunca ouviu falar...se é luz, é algo para ser visto..."
Refeito do problema, jurou que nunca mais ficaria olhando janelas.
"Ah, é melhor assim, Luís. Você agora mudou de rumo. Adorei saber disso!"
"Pois é, Arnaldo, nunca mais vou olhar janelas!"
"Isso mesmo!"
"Agora só olho portarias!"
"Mamãe, olha naquela janela ali...o moço abraçou a moça...e eles estão tirando a roupa, estão deitados..."
"Vamos embora, menino!!!"
Diziam que era enxerido, metido, que gostava de ficar controlando a vida dos outros, e que precisava arrumar algo melhor pra fazer. Ele nem ligava.
"Papai, olha aquele gordinho de cueca ali...já é o quinto pedaço de pudim que ele come!"
"Deixa de ser enxerido, menino!"
Foi crescendo, e, já adulto, a brincadeira virou quase um hobby.
"Hum...veja...aquele apartamento ali tem uma lâmpada sem lustre. Isso significa que o dono é ou uma pessoa sem dinheiro, ou descuidada, do tipo que tem uma bagunça tão grande que sai tropeçando nas coisas. E veja aquele móvel ali...colocado quase junto da janela. Isso significa que a pessoa não tem espaço no apartamento..."
Namoradas, teve várias: todas duraram dez minutos. Mal saía de algum lugar, lá estava o Luís procurando janelas com luzes acesas, ou tentando enxergar por trás do apartamento apagado mesmo, tentando descobrir o que acontecia do outro lado.
"Veja, gata...aquele apartamento apagado ali tem vários caixotes. Devem estar de mudança..."
"Eu pensei...a gente talvez pudesse ir pra algum lugar mais calmo..."
"E olha só, acendeu a luz! Acendeu a luz! E veio correndo! Ali deve ser o banheiro, e ele deve estar apertado! Veja, gata...ei? Gata? Cadê você?"
Os amigos diziam para ele parar com aquela mania, que já estava passando dos limites. Já tinha quase 30 e continuava estudando janelas.
"Luís, deixa disso, rapaz...vai viver a vida, encontrar uma mulher decente, sair pra se divertir...fica só vendo janela..."
"Mas Arnaldo, você não entende! É mais forte do que eu...é algo tão interessante! E tão divertido..."
Luís tentava, se esforçava para parar com aquilo, mas, mal se distraía e já estava ele de novo estudando janelas. Foi quando aconteceu. Vinha de ônibus e acabara de passar pela Rua Belford Roxo, em Copacabana, quando, observando uma janela, teve um impulso estranho e desceu no ponto seguinte.
Lá em cima, diante da janela, estava uma morena linda, cabelos longos, vestida com uma blusa azul, e uma calça - que ele não pôde identificar, porque estava embaixo e a moça estava debruçada. Fascinado, Luís ficou olhando, olhando, sem vontade alguma de ir embora ou fazer qualquer outra coisa. E teve a impressão de que os olhares se cruzaram mais de uma vez.
E assim ficou até que ela se retirou dali. Decidido, voltou no dia seguinte, no mesmo horário, e encontrou a moça no mesmo lugar. E ficou lá, olhando. E assim foi a semana inteira, o mês inteiro. Todos juravam que ele finalmente havia encontrado alguém e esquecido a bobagem da janela; mas na verdade estava lá, mais firme do que nunca.
Até o dia em que, ao lado da moça na janela, apareceu um homem. E a beijou.
Luís ficou arrasado. Tão arrasado que foi para casa e chorou três dias seguidos. No trabalho, ninguém entendeu porque ele insistia em usar óculos escuros o tempo inteiro.
"É que a luz aqui me incomoda..."
"Mas nunca incomodou antes..."
"Ah...descobri ontem que tenho alergia à luz..."
"Alergia à luz? Nunca ouvi falar..."
"É claro que nunca ouviu falar...se é luz, é algo para ser visto..."
Refeito do problema, jurou que nunca mais ficaria olhando janelas.
"Ah, é melhor assim, Luís. Você agora mudou de rumo. Adorei saber disso!"
"Pois é, Arnaldo, nunca mais vou olhar janelas!"
"Isso mesmo!"
"Agora só olho portarias!"
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