Sao oito da noite. Caminhamos praticamente em silêncio, em direçao a rodoviária, depois de um dia em que andamos muito e falamos o tempo inteiro. Às vezes, um ou outro comentário, uma risada, uma piada. De repente, olhamos para trás...e...lá está, mais um cachorro nos seguindo. Rimos de quase gargalhar. O destino às vezes é engraçado...
Tudo começou bem antes, as cinco da manha, quando acordei com o despertador tocando. Sabia que seria o início de um dia longo e cansativo...ou talvez, de um dia muito, muito bom. Um dia realmente de férias, como eu merecia há tempos.
A primeira missao foi arrumar a mochila. Um casaco, uma calça, mp3, livros...quando olho, parece que estou levando uma mala. Tudo conferido: dinheiro, documentos, cartoes...vamos, entao.
O sol nem nasceu ainda, e o vento frio da madrugada sopra firme pela rua quase deserta. Meus passos sao firmes, rápidos. Acostumado a andar de madrugada no Brasil, passei a ficar sempre alerta para tudo e qualquer coisa. Mesmo que digam que aqui posso andar tranquilo, seja a hora que for...
Fui o primeiro a chegar ao terminal de ônibus. A dúvida. Nao há mais ninguém. Em um canto, um cachorro dorme. Pronto, agora sim. Estamos todos aqui. Mochilas nas costas, passagem na mao, esperamos o ônibus enquanto os primeiros raios de sol clareavam. No instante em que Córdoba acordava, subíamos os degraus do coletivo e partíamos rumo à aventura.
Depois de ouvir música e dormir um pouco, o resto do caminho foi todo de conversa. Caramba, quanto assunto. E quanto mais se fala, mais se tem a dizer, a comentar, a conversar. Tópicos brotam, assim, como um atrás do outro. E a conversa só para no terminal de önibus, quando chegamos ao nosso destino, e é preciso usar o banheiro.
Banheiro usado, mochila nas costas, dia começando, seguimos rumo à oficina de turismo da simpática Mina Clavero, interiorr da Argentina. E tome conversa. Mas agora paramos por um instante. Vamos ver o mapa, saber onde vamos, o que vamos fazer. O tempo é curto e a vontade de conhecer tudo é grande. Temos que escolher. Ficamos com a opçao que pareceu mais razoável: ir até um povoado, depois visitar um museu, e por fim, um balneário. Sabem...águas, nadar...enfim, um ótimo programa para um dia ensolarado, mesmo que hoje ele esteja nublado.
Pegamos o ônibus até o povoado e começamos a andar rumo ao museu, que fica no caminho do balneário. Mas logo pedimos informaçao e descobrimos que aquele nao é o caminho. Entao voltamos, seguimos mais algumas quadras, e por fim, tomamos o caminho certo. ¨É melhor irem de táxi, é longe, senao, vocês terao de voltar de ambulância¨, disse um transeunte. Nao, obrigado, vamos a pé. Afinal, se nao for assim, onde está a aventura?
E tome caminho. E tome chao. E nada do museu aparecer. E tome conversa. Haja assunto. Mas o dia parece inspirado, ninguém quer se calar e todos parecem estar morrendo de vontade de conversar. E tome chao. E nada de museu. Quem foi que disse que o museu ficava a cinco quilômetros? Já devemos ter andado uns sete, e nada...
De repente, uma cabeça de cachorro surge de uma cerca. Ele entao sai, cai na estrada e começa a perseguir um grupo de insetos. Comento que gosto de animais bem longe, no zôo, enquanto minha amiga diz que tem dois e que adora animais. E à medida que seguimos caminhando, o cachorro - um belo exemplar, de cor meio caramelo, de uma raça que poderia ser um cocker spaniel - começa a nos seguir. Será porque ela gosta de animais ou porque eu os prefiro longe?
Seja como for, tome mais conversa, mais caminho, mais chao. Finalmente, chegamos o museu. Decidimos parar, relaxar um pouco, comer alguma coisa e depois seguir viagem. Alguns biscoitos bastam, afinal, comemos bem todos os outros 364 dias do ano.
Ao sair do museu, o cachorro caramelo continuava nos seguindo. E logo a ele se juntou um outro, preto, que andava ali pelo museu, esse, parecendo de rua mesmo. E lá fomos nós, continuando a conversar e caminhando rumo ao balneário, com os dois cachorros nos seguindo, enquanto o tempo decidia se firmava com sol ou se ficava com nuvens. Acabou nao se decidindo...
Depois de pegarmos o caminho errado, ¨invadirmos¨ sem querer uma propriedade e quase sermos atacados por um terceiro cachorro, finalmente terminamos o caminho e chegamos ao balneário. Um belo lugar, calmo e sossegado, com um rio muito gelado, mas ótimo para nadar.
Mas, se antes os cachorros pareceram uma piada, naquele momento começaram a irritar, roubando as coisas, ficando em volta de nós e impedindo que relaxássemos. A brincadeira começou a ficar sem graça. Mas, com a ajuda de algumas outras pessoas que andavam por ali, conseguimos finalmente espantar os dois animais (me refiro aos cachorros) e deitamos na beira do rio. Um merecido descanso para quem dá duro todos os outros dias do ano.
E tome descanso, e tome mais conversa. O assunto nao pára, é possível falar de tudo. Às vezes tenho a impressao de que procurávamos alguém para conversar e falar, muito mais do que relaxar na beira de um rio em uma pequena cidade argentina.
Mas o tempo, esse mistério eterno e inexorável, mais uma vez nao perdoou nada, e chegou a hora de ir embora. Depois de sofrermos com os cachorros, agora a sorte parece estar do nosso lado: um casal que andava por ali se oferece para dividirmos o táxi que veio buscá-los. Que bênçao, nao vamos precisar andar tudo de volta!
O táxi segue por um caminho oposto ao que viemos e nos deixa na beira da estrada que nos leva de volta à cidade grande. Agora é esperar o ônibus para poder voltar. Nisso, o casal que dividiu o táxi arrumou uma carona. Só tem um problema: é uma picape e nao cabe todo mundo sentado.
Dá-se um jeito, aperta daqui, aperta dali, e assim, meio amontoados, rindo daquilo tudo, seguimos em alta velocidade rumo à cidade. Afinal, isso é aventura. No caminho, o motorista vai contando suas histórias, dizendo que vive tranquilo em Mina Clavero, e que conhece parte da Europa. Mas nao, ele nunca foi ao Brasil. O chamo para ir ao Rio de Janeiro, como faço com todo mundo que troca duas palavras comigo. E por fim, descemos na cidade. Fim da aventura?
Longe disso, agora o maior desafio é procurar algo para comer. Mas que cidade é essa onde todos os restaurantes estao fechados no sábado, e os que estao abertos custam os olhos da cara? O jeito é comer um sanduíche na padaria. Com garrafa de coca-cola comprada em uma vendinha, para poder comer o sanduba na mesinha do lado de fora, debaixo de uma sombra para fugir do sol das cinco da tarde. E nao tem sensaçao melhor do que comer, beber, se recostar na cadeira e pensar que as férias estao apenas começando...
Enquanto a noite chega, ainda falta tempo para pegarmos o ônibus de volta. Entao vamos a um banco de praça, com o que restou da Coca-Cola. E tome mais assunto, mais conversa, enquanto o tempo parece voar. Ah, se eu pudesse nem voltar para casa...como é bom estar viajando, de férias, livre, sem tempo, fazendo apenas o que dá vontade. Mas o tempo, esse que nada perdoa, trouxe a noite e as estrelas. Infelizmente, é hora de pegar o ônibus de volta.
Sao oito da noite. Caminhamos praticamente em silêncio, em direçao a rodoviária, depois de um dia em que andamos muito e falamos o tempo inteiro. Às vezes, um ou outro comentário, uma risada, uma piada. De repente, olhamos para trás...e...lá está, mais um cachorro nos seguindo. Rimos de quase gargalhar. O destino às vezes é engraçado...
E como é o destino, o cachorro nos segue até o terminal. Que, aliás, parece um jardim zoológico: tem cao, besouro, cupim de luz, enfim, de tudo um pouco. Há a dúvida. O ônibus virá? Teremos de passar a noite nesse zôo?
Nao, o ônibus chega. O sono me vence na estrada, e quando acordo, lá está Córdoba, meio dormida, meio acordada.
E isso era só o começo. Eu tinha seis horas para dormir antes de uma segunda e nova aventura...
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