A sombra da última cerveja já ficou para trás. Os pedidos insistentes para que eu ficasse, também.
É bem verdade que a vontade era ficar. Tomar mais uma, mais duas, mais três. Mas não posso. Não hoje.
Enquanto caminhava pela praça deserta, o vento balançou as folhas e fez com que as sombras se mexessem. Enquanto isso, na cabeça, outras sombras se movem.
“Volta. Corre lá. Ainda dá tempo”.
Não. Não hoje, digo baixinho, sob pena de dar de cara com alguém e parecer um louco falando sozinho no meio da madrugada.
Não hoje...
E atravesso a praça rápido, apertando o passo, talvez por medo de marginais, talvez por medo de não agüentar e acabar voltando para tomar mais uma.
Que é sempre a última e acaba sendo sempre a primeira...de muitas.
Agora, deixando a sombra da praça e as luzes dos prédios, é tarde demais. Não existe mais volta. Nem tampouco barulho de folhas, nem sombras se movendo, nem seguranças e porteiros à espreita.
Apenas o silêncio, o silêncio calmo, relaxante e assustador da madrugada.
Me preparo para atravessar a rua, mas lá adiante uma “pequena multidão” me causa um arrepio.
O que estarão fazendo todos juntos, no meio de uma praça vazia, em plena madrugada? Pelo jeito...boa coisa não é.
Melhor desviar. Seguir outro rumo, outro caminho. E a saída pela esquerda é sempre a mais útil.
Será, mesmo?
Pela esquerda, sim, até que a “pequena multidão” não mais me veja, e eu possa passar tranqüilo para o outro lado.
Cruzo com um homem de boné e mochila. Por alguma estranha razão, passamos incólumes um pelo outro, como se ambos não existíssemos, ou como se estivéssemos tão envoltos nas sombras da noite que nossa presença se torne tão pouco importante.
Atravesso a segunda praça por um caminho alternativo, sem passar pela “multidão”, e retomo o caminho como se nada tivesse acontecido.
E que calor terrível que está fazendo. Nem um vento bate...
Ou será que eu estou andando rápido demais?
Atravesso uma rua, duas. Fui pensar e falei alto, chamei a atenção de um motoqueiro que nem tinha visto.
Melhor assim, com essa pinta de louco ele fica na dele e eu na minha.
Desviando do táxi, atravesso mais uma rua. Agora o cenário é outro. Há luzes, cervejas, bares, gente conversando.
Elas estão lindas.
Como sempre.
E como falam. E de onde será que saem essas vozes tão bonitas?
Mas preciso seguir, e assim, mergulho mais uma vez nas sombras da noite. Um prédio, uma casinhola de chaveiro.
Um casal passa por mim, e novamente, nem me nota. Melhor assim.
Atravesso outra rua, duas, e agora pela direita, saindo das sombras e mergulhando novamente na luz.
Aqui também há bares, mas estes já fecharam. Há carregadores, porteiros, gente circulando, mas nem um sinal delas.
E nem uma cerveja, diga-se de passagem.
Atravesso outra rua, passo por uns sacos de lixo e levo um susto com um catador de latinhas.
Ah, é só um catador de latinhas.
Mais bares. Mais gente conversando. Mais luzes, mais cerveja. Agora há táxis, também.
Elas continuam lindas, como sempre.
E mais uma rua atravessada, e o caminho está perto do fim. E estou pensando em escrever um texto sobre esse passeio em uma madrugada qualquer, em um dia qualquer. Puxa, isso vai ficar tão legal...
Cruzo com um grupo, dessa vez eles me notam. Mas não há nada de estranho com eles, nada de “pequena multidão”.
Cruzo o sinal, mais duas ruas, e aperto o passo. Agora falta pouco, muito pouco.
Meto a mão no bolso, pego a chave.
O porteiro é mais rápido e abre a porta antes.
Saio das sombras e mergulho no silêncio do prédio.
E do silêncio do prédio para as vozes de casa, para as sombras do quarto, e por fim, para a sombra mais profunda da madrugada...
O sono.
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