Não gostei do texto abaixo, esperava mais para um relato que nasceu num sonho. Mas não tá saindo nada mais animador. Bem, ainda posso voltar e editar...
Desde que vovô morreu, vovó se isolou do mundo.Foi um assalto - uma coisa horrível e comum esses dias. Terminou com um tiro certeiro no coração. O casamento era "daqueles de antigamente", com anos e anos de estrada e vida em comum, e a impressão de que estariam juntos para sempre. Ledo engano – “sempre” é uma palavra que não cabe na vida humana. No lugar da vida sossegada e tranqüila que é o sonho de toda velhice, vovó se tornou uma pessoa fechada, recolhida, triste. Mas em vez de verter lágrimas, deixou, aos poucos, de sair, de andar pelas ruas "nem tão tranqüilas" do bairro onde mora. Em vez disso, a portaria do prédio tornou-se a janela de vovó para o mundo. Como se ela quisesse um meio-termo entre a segurança do apartamento e o mundo lá fora. É para lá que ela vai, todas as tardes, "espiar o movimento". Na maioria das vezes, fica em pé mesmo: passa o carteiro, o amolador de facas (que está pensando em desistir da profissão, já que hoje todas as facas vêm amoladas), o marido da dona da floricultura, a dona Josefina do 703 (que vai todas as tardes passear com o cachorro na praia), o velho Seu Leal, o chaveiro (que está quase mudando o nome para Seu DesLeal, devido à enorme concorrência – essa foi horrível), o Seu Ferreira sapateiro, o homem que trabalha na padaria. E não só conhecidos: ontem chegou o homem que veio consertar o poste, o dono do prédio (de todos os apartamentos) chegou cinco minutos atrasado, o porteiro não veio porque estava doente. O ônibus fechou o carro e quase cria um acidente enorme, o taxista brigou com o outro e veio discutindo do ponto de lá até aqui, a fechadura quebrou quando aquele "bruto do 703" tirou a chave e arrancou tudo junto.
E lá ela continua, vendo o movimento, por horas e horas a fio. A portaria virou a janela de vovó.
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