A esperança venceu o medo e se transformou em desespero
A data eram duas: dias 6 e 27 daquele mês de Outubro de 2002. Primeiro e segundo turno das eleições nacionais para presidente, governadores, deputados e senadores.
Antes, algumas semanas antes, na propaganda do José Serra, a Regina Duarte (pra quem não sabe, foi uma atriz bem famosa por aquele ano e por muitos outros subseqüentes) apareceu dizendo que tinha medo. Medo de que, quando o Lula fosse eleito, tudo voltasse a ser como antes: a inflação explodindo, uma imensa recessão acontecendo, o país retrocedendo anos em seu desenvolvimento histórico e político.
A declaração de Regina gerou uma imensa repercussão na mídia e entre os políticos, muitos olhando aquilo de forma muito negativa. Como que rebatendo aquela idéia, Lula falava muito na esperança de um país melhor, que segundo ele, venceria todos os medos.
Naqueles dois dias, 6 e 27 de Outubro de 2002, e também no período entre turnos, a esperança pareceu predominar sobre o medo. Existia esperança nos olhos das pessoas, nas ruas, no rosto dos cabos eleitorais, nas seções de votação, no sorriso dos mesários. Pode ser que a esperança apareça em tudo quando a gente quiser ver, mas o fato é que ela estava por toda a parte.
Tirei meu título em 2002 especialmente para votar no Lula. Confirmei o voto nele duas vezes, e quando o resultado saiu, eu me senti bem como nunca. Finalmente um operário, um homem da esquerda, do povo, que trabalhou como meus pais e passou fome, que viveu a pobreza em sua essência, se tornava Presidente da República Federativa do Brasil.
Lula e seu vice, o José Alencar, fizeram um discurso logo depois da confirmação da vitória. Pegando o microfone, Lula disse, entre outras frases:
“Estou muito feliz. A esperança venceu o medo.”
Venceu realmente, mas parece ter sido a única vitória real da eleição de 2002. A partir de 2003, o governo Lula mostrou sua cara. Aliás, não precisou mostrar muito, pois era a mesma do governo anterior, o do Fernando Henrique. As políticas econômicas, as reformas, o modo de governar, tudo igual. Ainda é pior: o modo como trata os dissidentes do partido, como encobre escândalos e como faz política de maneira suja e deslavada.
Há quem ponha a culpa nas alianças que fez para chegar lá; há quem diga que foram as pressões dos mais poderosos; há quem diga...enfim. Diz-se muito: é a eterna necessidade do ser humano de colocar a culpa em alguma coisa. O fato é o seguinte...
...a esperança venceu o medo e se transformou em desespero. Desespero que leva à desesperança. A tarde fria e chuvosa de 3 de Outubro de 2004 parece contrastar com aquele Domingo de sol de dois anos atrás. O desânimo parece estar nos olhos das pessoas, nos candidatos, nos homens e mulheres que fazem boca de urna, na urna eletrônica, que é o símbolo maior da democracia do Brasil. O desânimo contrasta com a esperança de dois anos atrás, com um ciclo de idéias e sonhos que o governo do PT vai pisando e enterrando aos poucos. Onde está o pacto social? Onde está a farmácia popular sem ser populista? Onde estão a verdadeira reforma tributária, a verdadeira reforma política, a verdadeira reforma da previdência?
Nos olhos das pessoas. Naqueles olhinhos que tinham esperança e agora têm o desespero. Olhos que parecem pedir desesperadamente por todas essas mudanças, por todas essas políticas, por um pouco mais de atenção e carinho, e menos por políticas econômicas complexas.
A chuva de 3 de Outubro parece ser o choro do país, arrasado por descobrir que toda a esperança depositada em Lula tinha pouco fundamento.
O dia 4 de Outubro amanhece chuvoso, talvez como o resto das lágrimas que ainda faltam chorar, e depois começa a clarear. No início da tarde surge o sol, imponente. O que ele representa? Não sei. Parece ser tudo, menos aquela esperança de 2002. Pior de tudo é que o desespero não mobiliza as pessoas, que continuam vivendo como se nada tivesse acontecido, passivas ao mundo a sua volta.
Esperança igual à de 2002, nunca mais. Nunca mesmo. Pode-se votar com esperança, mas agora os eleitores de Lula em 2002 estarão sempre com o pé atrás, seja o candidato que for. Talvez se Gandhi levantasse do túmulo e viesse governar o país, aquela esperança retornaria. Caso contrário...
Rafael Cavalcanti é pseudo-jornalista
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