O ônibus fez a curva na Rua Bento Lisboa, no Catete, e mais uma vez, o vi: lá estava ele.
Não parece ser muito velho, nem muito novo; diria que tem uns 30, 40 anos. Está sempre da mesma forma, sem camisa, apenas de bermuda, uma bolsa pochete na cintura.
E está sempre apoiado na grade do portão da vila, o braço esticado, segurando o portão e olhando para a rua. Eu apostaria que ele mora lá, porque a porta do portão (a que dá acesso aos pedestres) está sempre aberta.
Sempre me perguntei o que ele está fazendo ali, sempre parado no mesmo lugar, do mesmo jeito, segurando o portão. Por causa da velocidade do ônibus e pela falta de um ponto em frente, nunca pude analisar melhor a postura, o olhar, o que está fazendo; se espera alguém ou alguma coisa, se está apenas olhando a rua, se está chegando ou saindo.
Quando o ônibus fez a curva dessa vez, o trânsito parou por conta de um engarrafamento. Com o ônibus parado, pude observá-lo melhor: continuava apoiado no portão, o braço estendido apoiado na porta, a bolsa na cintura.
Dessa vez, porém, fez algo de diferente. Ao virar a cabeça, seus olhos encontraram os meus e ele sorriu.
O ônibus acelerou em seguida e partiu rumo ao Leblon. Seria a observação mútua? O que ele está fazendo sempre no mesmo lugar? Ou será que eu é que estou sempre no mesmo ponto?
Thursday, March 24, 2011
Tuesday, March 22, 2011
A canção de Yunus
Ouvi essa história há alguns anos atrás e gostaria de compartilhá-la com vocês. Não sei quem é o autor. Para ler e refletir.
Era uma vez um homem que se chamava Yunus e muito desejava o conhecimento. E, em busca dele, andou e andou, até que, finalmente, encontrou um grande mestre e este o aceitou por discípulo.
O mestre era cego e tinha uma mulher que o guiava. Ela era os seus olhos.
Yunus foi viver com eles e os outros discípulos. O lugar era simples; pequenas casas que se organizavam em torno de um amplo pátio. E o mestre deu-lhe por missão varrer diariamente o pátio central. Assim fazia então Yunus: todo o dia, com a vassoura na mão, trabalhava e trabalhava.
De manhã, o mestre atravessava o pátio. Saía de sua casa, e o atravessava sempre guiado pela mulher, até o outro lado, onde ministrava os seus ensinamentos aos outros discípulos. Yunus, então, parava de varrer e, ansioso, esperava que o mestre lhe dirigisse uma palavra qualquer: Mas ele se ia, sem nada dizer: Yunus voltava a varrer e a esperar: assim se passou sete anos, sem nada mudar. Yunus começou a se inquietar: pensava:
- Vim para cá em busca de conhecimento. Mas até agora nada aprendi. O mestre me despreza. Nunca me permite juntar-me aos outros e só me faz varrer: mas aqui a gente o bastante para compreender o seu ensinamento... e etc. etc.
Ia assim pensando Yunus, quando se repente lhe ocorreu:
- Ah! Talvez o mestre me esteja ensinando a humildade. Claro! Como é que não percebi isso antes?
E Yunus, agora motivado, voltou a varrer e a varrer, com entusiasmo. E todas as manhãs o mestre atravessava o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperava que lhe dirigisse a palavra, ansiosamente, mas o mestre passava sem sequer percebê-lo.
E um dia Yunus começou a cantar enquanto varria, só para ouvir uma voz humana.
E varrendo e cantando, varrendo e cantando, prosseguiu.
Mais sete anos se passaram e Yunus enfrentou uma nova crise:
- Afinal, o que tenho eu aprendido aqui? Tenho passado toda a minha vida varrendo este pátio. Enquanto os outros discípulos podem desenvolver o espírito e a mente, ampliar a consciência, ouvindo o mestre. Mas a mim não me é dada a menor chance. Também, vai ver que não sou bom o bastante para juntar-me aos outros. Vai ver que não sirvo mesmo para nada...
E, em meio a tais pensamentos, Yunus não dormiu aquela noite. Já amanhecia quando afinal lhe ocorreu:
- Ah! Já sei! O mestre quer, com isso, ensinar-me a paciência.
Voltou, então, a varrer, mais motivado. E o mestre atravessou o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperou que lhe dirigisse a palavra, mas o mestre nem sequer se deu conta dele.
E Yunus varreu, varreu, varreu e cantou, cantou, cantou, só para ouvir uma voz humana. E cantava qualquer coisa que lhe viesse á cabeça.
Sete anos assim se passaram, quando Yunus experimentou mais uma crise. E esta foi tão forte, tão forte, que não viu outra saída senão abandonar o mestre e sua comunidade, e no meio da noite, Yunus se foi sem nada dizer.
E ele foi andando, andando, sem parar. Muitos dias Yunus andou, sempre em frente. E atravessou um deserto, andando e andando, até que caiu de fome, cansaço e sede. E ele pensou que a morte havia chegado o fim, quando desmaiou. Voltou a si atendido por um homem muito alto que o carregou nos braços para a sua aldeia, deu-lhe de comer e beber e o fez descansar num leito macio.
A aldeia em que agora Yunus se encontrava era um lugar especial. Havia flores e jardins por todos os lados, e seus habitantes eram muito alegres e generosos e tudo dividiam entre si.
Depois de conviver ali alguns dias entre aquelas pessoas de ânimo maravilhoso, Yunus foi convidado a ficar. Mas curioso de saber por que eram assim tão agradáveis, sinceras e amigas, lhes perguntou:
- Como conseguem ser tão alegre e bons?
O homem que levara Yunus para a aldeia respondeu:
- Sabe? Não fomos sempre assim, não. Éramos, antes, tristes, como na maioria das aldeias e cidades.
Éramos egoístas também, violentos, amargos, rancorosos. Mas um dia o vento nos trouxe uma canção que nunca soubemos de onde vinha. E esta canção nos transformou no que hoje somos.
- Uma canção? Mas que canção é essa, com tamanho poder? Cante-a para mim - pediu Yunus
E toda a aldeia cantou para Yunus a canção que os transformara e que ali chegara trazido pelo vento.
Yunus reconheceu:
- Mas esta é a minha canção. A canção que eu cantava enquanto varria o pátio, só para ouvir uma voz humana.
Então Yunus despediu-se dos amigos e da aldeia e voltou correndo para a sua antiga comunidade. E correndo, correndo, sempre em frente, ele atravessou outra vez o deserto e finalmente chegou.
Era noite, já, e quem o recebeu foi a mulher do mestre. Ao encontrá-lo, narrou a ele o quanto o mestre se entristecera com sua ausência.
- Ele por muitos dias lamentou. Até que nos acostumamos a viver sem você. Agora não tenho certeza se ele o aceitará de volta. Mas vamos fazer o seguinte: como já é noite, você se deita no pátio e dorme. De manhã, atravessaremos o pátio, como fazemos todos os dias. E eu darei um jeito para que ele tropece em você. Se ele disser: "Quem é esse que está ai?", você parte, porque isso significa que seu mestre já não o reconhece mais. Entretanto, se disser: "Ô, Yunus, que bom que você está de volta', ai você pode ficar.
Yunus assim fez.
De manhã, quando o mestre atravessava o pátio, tropeçou em seu corpo estendido no caminho e disse:
- Ô, Yunus, que bom que você está de volta.
Yunus, então, pegou sua vassoura e começou a varrer e a cantar. E sua canção ia sendo levada pelo vento, e misturava-se á poeira, espalhando-se por todos os lados, e até nas folhas e flores, nas árvores e na grama, penetrando pelas frestas das portas e janelas, invadindo tudo, todos os lares e todos os corações.
Era uma vez um homem que se chamava Yunus e muito desejava o conhecimento. E, em busca dele, andou e andou, até que, finalmente, encontrou um grande mestre e este o aceitou por discípulo.
O mestre era cego e tinha uma mulher que o guiava. Ela era os seus olhos.
Yunus foi viver com eles e os outros discípulos. O lugar era simples; pequenas casas que se organizavam em torno de um amplo pátio. E o mestre deu-lhe por missão varrer diariamente o pátio central. Assim fazia então Yunus: todo o dia, com a vassoura na mão, trabalhava e trabalhava.
De manhã, o mestre atravessava o pátio. Saía de sua casa, e o atravessava sempre guiado pela mulher, até o outro lado, onde ministrava os seus ensinamentos aos outros discípulos. Yunus, então, parava de varrer e, ansioso, esperava que o mestre lhe dirigisse uma palavra qualquer: Mas ele se ia, sem nada dizer: Yunus voltava a varrer e a esperar: assim se passou sete anos, sem nada mudar. Yunus começou a se inquietar: pensava:
- Vim para cá em busca de conhecimento. Mas até agora nada aprendi. O mestre me despreza. Nunca me permite juntar-me aos outros e só me faz varrer: mas aqui a gente o bastante para compreender o seu ensinamento... e etc. etc.
Ia assim pensando Yunus, quando se repente lhe ocorreu:
- Ah! Talvez o mestre me esteja ensinando a humildade. Claro! Como é que não percebi isso antes?
E Yunus, agora motivado, voltou a varrer e a varrer, com entusiasmo. E todas as manhãs o mestre atravessava o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperava que lhe dirigisse a palavra, ansiosamente, mas o mestre passava sem sequer percebê-lo.
E um dia Yunus começou a cantar enquanto varria, só para ouvir uma voz humana.
E varrendo e cantando, varrendo e cantando, prosseguiu.
Mais sete anos se passaram e Yunus enfrentou uma nova crise:
- Afinal, o que tenho eu aprendido aqui? Tenho passado toda a minha vida varrendo este pátio. Enquanto os outros discípulos podem desenvolver o espírito e a mente, ampliar a consciência, ouvindo o mestre. Mas a mim não me é dada a menor chance. Também, vai ver que não sou bom o bastante para juntar-me aos outros. Vai ver que não sirvo mesmo para nada...
E, em meio a tais pensamentos, Yunus não dormiu aquela noite. Já amanhecia quando afinal lhe ocorreu:
- Ah! Já sei! O mestre quer, com isso, ensinar-me a paciência.
Voltou, então, a varrer, mais motivado. E o mestre atravessou o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperou que lhe dirigisse a palavra, mas o mestre nem sequer se deu conta dele.
E Yunus varreu, varreu, varreu e cantou, cantou, cantou, só para ouvir uma voz humana. E cantava qualquer coisa que lhe viesse á cabeça.
Sete anos assim se passaram, quando Yunus experimentou mais uma crise. E esta foi tão forte, tão forte, que não viu outra saída senão abandonar o mestre e sua comunidade, e no meio da noite, Yunus se foi sem nada dizer.
E ele foi andando, andando, sem parar. Muitos dias Yunus andou, sempre em frente. E atravessou um deserto, andando e andando, até que caiu de fome, cansaço e sede. E ele pensou que a morte havia chegado o fim, quando desmaiou. Voltou a si atendido por um homem muito alto que o carregou nos braços para a sua aldeia, deu-lhe de comer e beber e o fez descansar num leito macio.
A aldeia em que agora Yunus se encontrava era um lugar especial. Havia flores e jardins por todos os lados, e seus habitantes eram muito alegres e generosos e tudo dividiam entre si.
Depois de conviver ali alguns dias entre aquelas pessoas de ânimo maravilhoso, Yunus foi convidado a ficar. Mas curioso de saber por que eram assim tão agradáveis, sinceras e amigas, lhes perguntou:
- Como conseguem ser tão alegre e bons?
O homem que levara Yunus para a aldeia respondeu:
- Sabe? Não fomos sempre assim, não. Éramos, antes, tristes, como na maioria das aldeias e cidades.
Éramos egoístas também, violentos, amargos, rancorosos. Mas um dia o vento nos trouxe uma canção que nunca soubemos de onde vinha. E esta canção nos transformou no que hoje somos.
- Uma canção? Mas que canção é essa, com tamanho poder? Cante-a para mim - pediu Yunus
E toda a aldeia cantou para Yunus a canção que os transformara e que ali chegara trazido pelo vento.
Yunus reconheceu:
- Mas esta é a minha canção. A canção que eu cantava enquanto varria o pátio, só para ouvir uma voz humana.
Então Yunus despediu-se dos amigos e da aldeia e voltou correndo para a sua antiga comunidade. E correndo, correndo, sempre em frente, ele atravessou outra vez o deserto e finalmente chegou.
Era noite, já, e quem o recebeu foi a mulher do mestre. Ao encontrá-lo, narrou a ele o quanto o mestre se entristecera com sua ausência.
- Ele por muitos dias lamentou. Até que nos acostumamos a viver sem você. Agora não tenho certeza se ele o aceitará de volta. Mas vamos fazer o seguinte: como já é noite, você se deita no pátio e dorme. De manhã, atravessaremos o pátio, como fazemos todos os dias. E eu darei um jeito para que ele tropece em você. Se ele disser: "Quem é esse que está ai?", você parte, porque isso significa que seu mestre já não o reconhece mais. Entretanto, se disser: "Ô, Yunus, que bom que você está de volta', ai você pode ficar.
Yunus assim fez.
De manhã, quando o mestre atravessava o pátio, tropeçou em seu corpo estendido no caminho e disse:
- Ô, Yunus, que bom que você está de volta.
Yunus, então, pegou sua vassoura e começou a varrer e a cantar. E sua canção ia sendo levada pelo vento, e misturava-se á poeira, espalhando-se por todos os lados, e até nas folhas e flores, nas árvores e na grama, penetrando pelas frestas das portas e janelas, invadindo tudo, todos os lares e todos os corações.
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