Tuesday, October 13, 2009

Madrugada

A sombra da última cerveja já ficou para trás. Os pedidos insistentes para que eu ficasse, também.
É bem verdade que a vontade era ficar. Tomar mais uma, mais duas, mais três. Mas não posso. Não hoje.
Enquanto caminhava pela praça deserta, o vento balançou as folhas e fez com que as sombras se mexessem. Enquanto isso, na cabeça, outras sombras se movem.
“Volta. Corre lá. Ainda dá tempo”.
Não. Não hoje, digo baixinho, sob pena de dar de cara com alguém e parecer um louco falando sozinho no meio da madrugada.
Não hoje...
E atravesso a praça rápido, apertando o passo, talvez por medo de marginais, talvez por medo de não agüentar e acabar voltando para tomar mais uma.
Que é sempre a última e acaba sendo sempre a primeira...de muitas.
Agora, deixando a sombra da praça e as luzes dos prédios, é tarde demais. Não existe mais volta. Nem tampouco barulho de folhas, nem sombras se movendo, nem seguranças e porteiros à espreita.
Apenas o silêncio, o silêncio calmo, relaxante e assustador da madrugada.
Me preparo para atravessar a rua, mas lá adiante uma “pequena multidão” me causa um arrepio.
O que estarão fazendo todos juntos, no meio de uma praça vazia, em plena madrugada? Pelo jeito...boa coisa não é.
Melhor desviar. Seguir outro rumo, outro caminho. E a saída pela esquerda é sempre a mais útil.
Será, mesmo?
Pela esquerda, sim, até que a “pequena multidão” não mais me veja, e eu possa passar tranqüilo para o outro lado.
Cruzo com um homem de boné e mochila. Por alguma estranha razão, passamos incólumes um pelo outro, como se ambos não existíssemos, ou como se estivéssemos tão envoltos nas sombras da noite que nossa presença se torne tão pouco importante.
Atravesso a segunda praça por um caminho alternativo, sem passar pela “multidão”, e retomo o caminho como se nada tivesse acontecido.
E que calor terrível que está fazendo. Nem um vento bate...
Ou será que eu estou andando rápido demais?
Atravesso uma rua, duas. Fui pensar e falei alto, chamei a atenção de um motoqueiro que nem tinha visto.
Melhor assim, com essa pinta de louco ele fica na dele e eu na minha.
Desviando do táxi, atravesso mais uma rua. Agora o cenário é outro. Há luzes, cervejas, bares, gente conversando.
Elas estão lindas.
Como sempre.
E como falam. E de onde será que saem essas vozes tão bonitas?
Mas preciso seguir, e assim, mergulho mais uma vez nas sombras da noite. Um prédio, uma casinhola de chaveiro.
Um casal passa por mim, e novamente, nem me nota. Melhor assim.
Atravesso outra rua, duas, e agora pela direita, saindo das sombras e mergulhando novamente na luz.
Aqui também há bares, mas estes já fecharam. Há carregadores, porteiros, gente circulando, mas nem um sinal delas.
E nem uma cerveja, diga-se de passagem.
Atravesso outra rua, passo por uns sacos de lixo e levo um susto com um catador de latinhas.
Ah, é só um catador de latinhas.
Mais bares. Mais gente conversando. Mais luzes, mais cerveja. Agora há táxis, também.
Elas continuam lindas, como sempre.
E mais uma rua atravessada, e o caminho está perto do fim. E estou pensando em escrever um texto sobre esse passeio em uma madrugada qualquer, em um dia qualquer. Puxa, isso vai ficar tão legal...
Cruzo com um grupo, dessa vez eles me notam. Mas não há nada de estranho com eles, nada de “pequena multidão”.
Cruzo o sinal, mais duas ruas, e aperto o passo. Agora falta pouco, muito pouco.
Meto a mão no bolso, pego a chave.
O porteiro é mais rápido e abre a porta antes.
Saio das sombras e mergulho no silêncio do prédio.
E do silêncio do prédio para as vozes de casa, para as sombras do quarto, e por fim, para a sombra mais profunda da madrugada...
O sono.

Thursday, October 08, 2009

O nascimento de uma estrela

"O processo ocorre quando uma massa gasosa de poeira gira em torno de um centro gravitacional..."

Não, não é nada disso. Vamos começar de novo.

"Tudo começa com o processo de escolha. Quando se tem a pessoa, é preciso pensar de que forma ela será uma estrela famosa e..."

Não, também não é isso.

Não é esse nascimento de estrela que eu busco. Não quero a astronomia fria e crua dos complicados livros de física, nem o trabalho que torna um ser humano uma pessoa capaz de se destacar ao representar um papel, seja ele qual for.

Para mim, o nascimento de uma estrela acontece às seis da tarde.

Vamos imaginar...seis da tarde de um dia muito claro e quente, daqueles onde a praia estava cheia mesmo durante a semana, o sol brilhou o tempo inteiro e o céu estava azul brilhante, sem nenhuma nuvem, do tipo azul que cega só de olhar para cima.

Com um pouco de sorte, consigo estar na janela um pouco antes, ali pelas cinco, cinco e meia, no fim desse belo dia. O ponto do dia em que o sol já baixou, deixando para trás as casas e os morros no horizonte, mas a noite ainda não chegou. Como se a luz do sol nos desse o último gostinho de sua presença.

O céu ainda está azul, mas vai mudando para um vermelho rubro, enquanto a luminosidade baixa. Quem vê esse espetáculo, esse momento da vida em que o dia não é dia nem noite, sabe do que estou falando.

E então, aos poucos, a luz vai diminuindo, o céu começa a ficar cinza. Não sei exatamente quando ele escurece totalmente, talvez eu nunca tenha reparado nisso.

Aqui, ou ali, preciso estar muito atento, porque de onde menos espero, a noite quente vai revelar sua primeira e mais bela estrela, a de brilho mais forte e intenso, e que por mais que eu não entenda, parece piscar insistentemente na minha direção.

Pronto, nasceu. É assim que nasce uma estrela. E quase como um enxame, começam a surgir outras. Primeiro mais uma, depois mais outra, depois uma terceira, quarta, quinta, e daqui a pouco, são centenas de pontinhos de luz brilhando intensamente no céu escuro da noite.

Nada mais bonito que o nascimento de uma estrela.

Ah, antes que eu me esqueça: é claro que elas também nascem em dias frios, em dias cor-de-chumbo, em dias chuvosos, em dias nublados.

Mas não tem a mesma graça, nem a mesma poesia.