Meteu a mão no bolso, puxou fundo, afastou a carteira e tirou a chave.
Suspirou, limpou as lágrimas do rosto, fungou e meteu a chave na fechadura. Não, não o veriam chorando. Não podiam, simplesmente era algo constrangedor, exagerado, forte demais.
O choro escondia a decepção, a frustração e a desilusão, após uma certeza que o inundara com uma força tremenda durante tantas semanas.
Mas, mais do que isso, lhe perguntariam o porquê. Iam querer saber detalhes, dar conselhos, fazer comentários.
Comentários...isso era tudo o que ele não precisava naquele momento. Sua única vontade era pensar, ficar sozinho, raciocinar. Ele próprio não estava entendendo o motivo de tamanho choro. Afinal...ela dissera apenas "não". Simples assim...
Precisava pensar. Mas, antes de pensar, precisava abrir a porta, entrar em casa. Não podia ficar parado no corredor tentando controlar o choro.
Entrou. A velocidade dos passos estava acima do normal, é verdade, mas depois ele contaria que disfarçou bem. Mas era difícil continuar disfarçando em uma casa com quatro pessoas, então a saída era o chuveiro.
A reflexão não ajudou. Não conseguia pensar direito, o barulho da água caindo o distraía. Deixou as lágrimas rolarem. "Por quê?", se perguntava. "Mais uma vez...por quê? O que de mais está errado?".
Não achou a resposta, e depois achou que não havia nenhuma. Mas decidira conversar com alguém, dividir as angústias, os problemas, já que sozinho não era possível.
E decidiu conversar...
***
A chuva já havia passado, agora restava apenas a rua molhada. No corpo, levava sua velha capa de chuva (que a mãe ironizava, dizendo que estava grande e que parecia "do irmão mais velho") e, nas mãos, carregava um guarda-chuva automático, fechado.
No rosto, a expressão era dura, irritada, furiosa. A mesma que quase fora de choro há pouco mais de dez minutos. "Por quê?", dizia de si para si, enquanto descia a Rua Lopes Quintas. "Por que me mandou ir até lá? Não podia me dizer tudo pelo telefone? Me fez subir para dizer que eu deveria descer e ficar por aqui? Quem pensa que é, para me tratar desse jeito? E ainda me deu este telefone aqui. Vou jogar esta porra no lixo, não quero nem saber. Vá à merda, esteja onde estiver".
Irritado, ele chutava pedrinhas, andava com o passo duro, embrutecido. A raiva escondia a decepção, a frustração após uma certeza que o inundara com uma força tremenda durante as últimas semanas.
Não sabia quando a raiva passaria, mas não desistiu. Ainda irritado, lembrou que a esperança se renovaria no dia seguinte. "Desta vez...vou colocar as cartas na mesa."
***
Olhou no "horizonte" da rua, viu o ônibus e fez sinal. O coletivo parou, ele entrou. Vestia camisa social, calça jeans, sapato. Depois de passar o cartão na roleta, se sentou, tirou o MP3 do bolso, ligou e começou a ouvir.
Uma da tarde. Estava adiantado...melhor assim, pensou.
Distraído, ouvia música enquanto pensava no dia de trabalho que teria pela frente.
Foi então que surgiu a idéia. Veio rápida como um raio, atravessando a mente sem pedir licença - aliás, isso andava acontecendo bastante ultimamente.
Começou a se lembrar de quanta coisa conquistara nos últimos tempos. A começar pela música que ouvia. Listando mentalmente, percebeu quantas coisas boas haviam acontecido.
E se lembrou de que isso começara em algum ponto. Sim...como pudera esquecer?
No dia em que ela disse "não".
"Ah, se eu pudesse dizer isso a ela. Não...não lhe daria esse gostinho. Que bom que é melhor do jeito que é."
Sorriu e aumentou o volume da música enquanto o ônibus entrava no Túnel Rebouças.
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