Outro dia, na Auto Escola, o professor da aula teórica estava revoltado com o código de trânsito, com as leis do país, com a situação da violência e com as mortes no trânsito. Enfim, com tudo e mais um pouco. "Isso que estamos vivendo é o país da sacanagem. O próximo passo vai ser criminalizar a honestidade".
Que bobagem, pensei. Isso jamais aconteceria.
Chegando em casa, minha mãe fazia imposto de renda, e discutia com a minha tia formas de burlar o fisco. "Então não declaro isso tudo...o que você acha? Será que me pegam na malha fina?".
Depois que minha tia se afastou, comentei numa boa: "Mãe, não faz isso, você sabe que é errado". Para que... "Ah, você não entende, você não sabe de nada, não sabe o que é ter despesa, e pagar dinheiro ao governo para eles nos roubarem".
Ao sair do quarto, ouvi ela dizendo à minha tia para comprar um bolinho e levar à enfermeira da vovó no hospital. "Tá vendo, mãe? Depois você fala dos políticos. Tá fazendo igualzinho. Isso é corrupção, é suborno. Vovó tem que ser bem tratada naturalmente". "O que é, filho? Virou bastião da honra e defensor da moral? Não é corrupção, é só um agrado, não tem nada de mais".
Fui trabalhar, e na volta, peguei carona com meu chefe. Cansou de ultrapassar pela direita e não dar passagem a ninguém. E ainda se irritou quando eu quis guardar um papel de bala no bolso. "Joga fora pela janela, porra. Depois o gari limpa". Não adiantou argumentar, ele estava irredutível e me forçou a atirar o papel fora.
No caminho, ele foi parado por um guarda. Estava com o documento vencido, e o policial exigiu uma "cerveja" para liberar o carro. "Tem algum aí? Depois eu te dou", ele me disse.
"Não vou dar dinheiro para subornar guarda, porra. Você está errado, tem que pagar, apenas isso."
Para que...me olhou de cara feia o resto do caminho. Ele e o guarda, que acabou aceitando liberar o carro sem cerveja nem nada.
No dia seguinte, fui fazer uma matéria, e na volta, conversava sobre desonestidade com o motorista do jornal. "Pois é, esses deputados, senadores, vereadores...tudo envolvido em esquema, tudo safado, ninguém presta", dizia ele.
"Pois é. E o pior é que a maioria das pessoas reclama muito, mas se estivesse lá, fazia igual".
Ele ficou calado, e depois de alguns instantes, mandou na lata... "É...se eu estivesse lá...eu também faria esquema, ué. Ia arrumar o meu. Todo mundo faz, porque eu não vou fazer?".
Dizer o que? Fiquei calado. O exemplo estava mais do que dado.
O professor estava certíssimo...exceto por um detalhe.
Não é preciso uma lei para criminalizar a honestidade no país.
Ela já virou delito hediondo há tempos.
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