"O senhor me avisa quando iegarmos na Rua Joã...João Lira?"
A voz soou rouca e hispânica, e fez o trocador voltar os olhos da janela para a roleta. O trocador era um negro alto, sorriso não muito brilhante, corpulento, vestindo uniforme da Viação Vila Isabel. Quem perguntava era uma mulher bastante bonita, pra não dizer...hum...é...deixa pra lá. Era loira, alta, vestia uma blusa rosa com um decote "generoso", e uma calça branca colada ao corpo.
"Rua João Lira...me avissa?"
O trocador olhou para ela por alguns instantes, e então respondeu:
"Aviso...aviso...pode deixar."
"Si...obrigada."
A mulher já ia saindo, quando o cobrador disparou:
"Ei, moça..."
"Han?"
"Se tiver...mais alguma dúvida é só perguntar que a gente esclarece aí."
Ela pareceu ficar sem jeito com o comentário, e respondeu timidamente:
"Obrigada..."
O trocador voltou os olhos para o decote, e quando a moça se afastou, os mesmos olhos percorriam toda a extensão da bunda dela. Ele parecia um tanto deslumbrado.
Depois da curva, o 433 entrou na Avenida General San Martin. O trocador desceu de sua cadeira e foi se sentar ao lado da moça.
"Você é da Argentina?" perguntou ele.
"Não", respondeu a mulher. "Venessuela..."
"Ah..." fez ele. "E está há quanto tempo no Brasil?"
"Uns dois messes, mais ou menos..."
"Morava com seus pais na Venezuela?", arriscou ele, continuando o diálogo.
"Si..."
"E aqui no Brasil?"
"Aqui estou morando com algumas amigas..."
O trocador pareceu ligeiramente mais animado.
"Ah...e o que está achando do Brasil?"
"É muito diferentte, muito diferentte...o povo é muito diferentte...as pessoas são mais calorossas...os homens...também...tudo muito diferentte..."
"E você estuda, trabalha, faz o que?"
"Yo trabalho...com publicidadde...e vendas..."
"Hum...e gosta de carnaval?"
Agora foi ela que pareceu animada.
"Si, carnaval é uma festa muito alegre e bonita..."
"Ah...e você já pensou em desfilar?"
Ela pareceu rir.
"Desfilar? Em escola de samba? Não, nunca penssei..."
"Ah...porque se você quiser...se estiver a fim..." a voz do trocador mudava de tom agora, como se ele estivesse construindo as frases antes de dizer, e ele continuava "Vila Isabel?"
A última frase parecia uma tentativa de ganhar tempo.
"O que?"
"Já pensou em desfilar pela Vila Isabel?"
"Não..."
A voz dele mudou de tom bruscamente, ficando mais pausada.
"Se quiser...eu tenho um amigo...que tem uma ala na Vila Isabel...é, ele tem uma ala...sabe, uma ala?"
"Ala?"
Ele partiu logo para o ataque.
"Ala...parte da escola de samba...mas...você tem telefone? Aí eu podia te ligar pra combinar direitinho..."
Ela riu alto. A pessoa pode ser do Uzbequistão, mas o som da palavra "telefone" tem sempre uma segunda intenção muito clara.
"Não...não...eu não tenho..." agora era a voz dela que soava meio pausada e muito clara.
"Que pena...mas então, fica com o meu..."
O motorista deu um grito:
"JOÃO LIRA É A PRÓXIMA RUA!!!!"
Ela se levantou, ajeitou a calça, puxou a cordinha do ônibus e foi em direção à porta.
"Prazer em conhecer" disse o trocador, rindo.
"Tcchau", respondeu a moça, descendo do ônibus.
Assim que ela desceu, o trocador voltou para sua cadeira, e fez o comentário final para o motorista:
"Que gostosa! Nossa...já pensou se pego uma mulher dessa? Tô feito pro resto da vida!"
Se virou para o último passageiro ainda no ônibus, e mostrando todos os dentes num sorriso largo, disse:
"É ou não é?"
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