Wednesday, April 27, 2005

A primeira vez

A noite caía sobre a cidade.
No céu, as primeiras estrelas faiscavam, brilhando de maneira simples, porém muito especial. No céu escuro, nenhuma nuvem. Seria uma noite quente, mas não muito, entrecortada por uma brisa muito suave e fresca, que soprava quando se sentia mais calor.
Em casa, em frente à televisão, existia toda uma expectativa. Finalmente a hora estava chegando. Tinha esperado muito por aquilo. A ansiedade era muito grande, e eu mal podia me conter. Estava esperando que começasse logo. Ela hesitava bastante, tinha receio, achava tudo muito arriscado, ainda que fosse bem rápido. Mas eu podia jurar que, de alguma maneira, estava gostando da situação, caso contrário, não teria deixado acontecer.
A hora ia passando; o relógio bateu seis e meia. Era agora ou nunca. Precisava ser naquela noite, o tempo não podia mais esperar. Eu já estava cansado só pela espera. Estava pronto, e poderia gritar isso para o mundo. Estava feliz, e também gostaria de gritar isso pela janela, se pudesse. Gritaria para ela, se pudesse
Ela se levantou do sofá e disse que estava na hora. Perguntou se eu não ia também. A resposta foi imediata...
Não.Eu tinha sete anos e minha avó me deixou sozinho em casa pela primeira vez na vida. Foi comprar pão. Depois desse dia, nunca mais fui com ela. Ficava sempre em casa. Sozinho em casa: eis uma primeira vez interessante. Não a mais interessante de todas, mas...deixa isso pra lá. E você, aí, lendo isso aqui. Quais foram as primeiras vezes que mais te marcaram, e que você daria tudo para repetir? Quais as que você prefere esquecer? Porque tudo tem uma primeira vez na vida, mas nem tudo tem uma segunda, e às vezes, nem precisa ter.

Friday, April 01, 2005

A terra do nada

Há por aí quem reclame de tudo. Tem gente, também, que nunca está satisfeita com nada.
Nada está bom, tudo é chato, tudo incompleto, tudo é ruim, não é bem assim que eu quero, não ficou muito bom, podia ficar melhor. Lado bom? Não tem.
Ora, sugiro que vocês, chatos insatisfeitos com tudo, vão para Nadalândia.
É. Nadalândia. Em inglês, Nothingland. Em italiano, Terradonada. Em portunhol, la Tierraniente Em japonês...em japonês...bem...deixa pra lá.
O que? Vocês nunca ouviram falar em La Tierraniente?
Pois bem, vou contar pra vocês sobre esse lugar. Não, eu não o inventei. Ele foi cuidadosamente retirado de uma história antiga, junto com os mapas que falavam sobre sua localização. Eu minto, mas não invinto.
Essa foi horrível. Au au au, meu forte é a rima.
Continuando...
O que é Nadalândia, hein? Tem alguma idéia?
O nada total. O vazio. O local onde o céu é cinza, o chão também, e simplesmente, não há nada. NADA. Já parou para imaginar um lugar desses?
Você pode andar dias, horas, semanas, meses, segundos, e o que você vai ter? Nada.
Se você sentir dor, ou fome, vai comer, tomar um remédio? Não. Simplesmente não existe nada para comer. NADA. Não tem como tomar um remédio, porque aqui não existe laboratório, químico, fábrica, distribuidora, caminhão, caminhoneiro, farmacêutico, balcão da loja, vitrine, mão pra comp...epa isso tem...er...não tem estante, prateleira, chão da loja, luz, teto, funcionária do caixa, balinhas no caixa, lâmina de barbear que você só vê na hora de pagar a conta...aliás, porque lâmina de barbear fica no caixa? Balas e doces no caixa eu entendo, pras mães não fugirem do assédio das crianças, mas...lâmina de barbear? A não ser que exista alguma criança barbuda por aí. Se você souber de alguma, e puder provar a tese da insistência das crianças pelas lâminas de barbear, escreva pra mim, ou ligue dois-meia-cinco-meia-seis-meia-sete-meia-nove-dois-quatro-cinco-um. Falar comigo mesmo. Se eu estiver, falo com você. Se não tiver ninguém e ninguém atender o telefone, deixe um recado que eu ligo de volta.
Do que falávamos mesmo?
Ah, claro, Nadalândia.
Aqui, se você sentir sede, não existe um riozinho capaz de te dar água para beber. Se você é chato, só bebe refrigerante e mate e sucos, ih, tá lascado. Refrigerante. Não tem ervas pra fazer o refrigerante, homem pra levar erva pra fábrica, químico pra aplicar a forma do refri, fábrica pra encher as garrafas, distribuir, não tem boteco pra você pedir uma coca-cola gelada. Não tem NADA.
Se você precisar usar o banheiro, tem de fazer onde está mesmo. O nada devora tudo o que é material, e em pouco tempo, não vai existir mais NADA. Achou prático? É. Mas não é nada confortável, nem higiênico. Como é que vai limpar, hein? Com a mão? E limpa a mão aonde, se não tem NADA? O esperto diz “no chão”. Só que não sai. Senão o chão vai deixar de ter NADA. E não pode, não pode. Tem que ser NADA. Chão e céu existe, porque o nada tem um quê de material. Mas não tem mais NADA. Da próxima vez que reclamar do papel higiênico, lembre-se disso.
A única coisa que se pode fazer em nadalândia são duas: andar e sentar. Sem objetivo, claro. Afinal, não se chega A NADA, e se espera por NADA. Chorar também dá, mas não adianta nada. Ninguém ouve.
O sol. Com o tempo, a pele sente falta de sol, de chuva, de umidade. O pouco ar que tem só dá pra sobreviver. É tão pouco que é praticamente NADA. Se for reclamar do sol, da chuva, do frio, lembre-se de tudo isso, e por favor, tente não esquecer NADA. Se reclamar que tem que andar, lembre disso também.
Alguém aí ta a fim de ir pra Nadalândia? Vovô Fudilson Barros leva no busum dele. A passagem é meio centavo, sem direito a NADA. A viagem? Você sai vendo o mundo, e aos poucos, as coisas vão sumindo, até ficar o nada.
Pense bem. O Vovô Fudilson só vende passagem de ida. A volta é impossível. Uma vez dentro, você faz parte do NADA. E sendo parte dele, você não é mais coisa alguma. Não que alguém que seja “nada” não possa ser “alguma coisa” na vida. Mas fazer parte do nada é diferente. Você faz parte, embora não seja, e aí não tem como sair, porque não existe caminho, não existe NADA. Nem tente: o ponto do ônibus do vovô Fudilson muda sempre. Afinal, é o NADA. Meio difícil marcar um ponto, um simples ponto, no meio do nada. Quer tentar? Vai. Depois, quem sabe, você me conta se conseguiu.