Caiu a noite na cidade, vinda de lugar nenhum. Depois que o dia foi embora para lugar algum, também acabou meu sábado de trabalho. Sábado tranqüilo, mas de trabalho, ou seja, por si só podia ser muito melhor.
Deixei o escritório e fui em direção ao ponto do ônibus, no quarteirão seguinte. Quando estava quase chegando, o celular tocou. Surgiu um convite. Ipanema. Sim, porque não?
Enquanto falava ao telefone, o ônibus veio. Sensação estranha, essa, entrar no ônibus falando ao celular, ao mesmo tempo em que se dá boa-noite ao trocador, passa o vale-transporte no validador, passa pela roleta. E por fim, me sentei. "Já estou chegando aí", disse, antes de desligar.
Depois de uma viagem de quase quarenta minutos, desci na Lagoa. Agora são nove e pouco da noite de um sábado. Sábado - um dos dias eleitos pelos cariocas como "o dia de sair" (além de outras coisas, também). Mas a Lagoa está absolutamente deserta. Não há vivaalma, nada, ninguém. Apenas o barulho do vento batendo na água da lagoa, que reflete as luzes em volta naquele belíssimo espetáculo noturno, que mesmo passando todo dia por ali, não me canso nunca de apreciar. E claro, dos carros que passam voando pela rua.
Páro no sinal, esperando uma chance de atravessar, e depois de cruzar a via, entro na Rua Maria Quitéria, rumo a Ipanema. Mais uma vez, não há ninguém circulando, nem mesmo carros. Pelas ruas escuras e desertas, parece que nem mesmo o vento se atreve a passar. É impressão minha ou aqui está mais quente que na Lagoa? Ou seria...medo?
Ouço um barulho e olho para trás, o coração aos pulos - mas não, não é alguém me seguindo, foi apenas uma folha caindo no chão. O suor escorre do meu rosto em grossas gotas, à medida que acelero o passo.
Finalmente, depois de pouco andar, chego à Praça Nossa Senhora da Paz. Parece que enfim voltei à civilização: há luzes, barulho de carros, gente, movimento. É verdade que pouco, mas há. Melhor do que nada.
Ah, esse lugar me traz boas recordações. Costumava vir muito aqui há uns dois anos, ouvir rock grátis, beber no botequim, conversar com os amigos, pular, dançar, olhar as garotas, ficar de bobeira na rua ao lado de um pessoal bem alternativo. Era quase um "Baixo Ipanema". Hoje tudo mudou: o rock virou reggae, trocaram as garotas por turistas (e junto, vieram as prostitutas), e o pessoal alternativo por gente rica e tradicional. Perdeu a graça.
Passando pela praça, saio da Maria Quitéria e viro à esquerda na Visconde de Pirajá, principal rua de Ipanema, antepenúltimo trecho da viagem. À medida que caminho, a sensação de solidão e de aflição vai aumentando. Na calçada, não há nada. Ninguém, vazio total. Apenas o barulho do vento e o brilho de algumas luzes, lá longe. E umas três pessoas que surgem do nada, caminhando ali perto. Em plena nove e meia de um sábado à noite, no bairro boêmio de Ipanema, no Rio de Janeiro, a sensação de solidão é impressionante.
O único movimento é o de carros. É bem verdade que há gente em uma casa de suco, em uma padaria, em uma lanchonete. Mas o movimento é muito fraco e muito concentrado. Custo a acreditar. Ao passar por uma galeria, vejo uma placa que chama a atenção:
IPANEMA SECRETA
É isso. É essa Ipanema que eu procuro. A Ipanema da boemia, dos bares, das pessoas andando na rua, celebrando a vida, aquela coisa bem Zona Sul carioca. Dizem que sempre foi um bairro assim. Mas o que vejo é uma avenida-fantasma, onde até o vento às vezes parece ter medo de andar. Onde buscar essa Ipanema...Secreta?
Fico pensando...se está assim em um bairro chique da Zona Sul, imagine em outros onde as autoridades esquecem de olhar. Me pergunto as razões e não encontro. Porque é que no mesmo horário, num dia como esse, na Avenida Paulista, em São Paulo, há tanta gente andando na rua? Será que lá é menos violento? Será que é mais seguro?
A viagem a pé continua. Um mendigo me assusta ao pedir dinheiro, e não sou o único a desviar dele. É a sociedade tentando tornar invisível o que lhe incomoda. Decido entrar em uma loja de departamentos, dar um tempo. Meus pensamentos se distraem. Maldita música da Xuxa sobre escovar os dentes...não consigo me lembrar o que eu estava pensando antes.
O último trecho da viagem, enfim, até virar à direita na Rua Farme de Amoedo. Aqui sim, há movimento - senão nas ruas, ao menos nos bares, restaurantes e choperias, que estão apinhados de gente. A sensação de solidão quase que desaparece, até que viro à direita na Prudente de Morais, rua que leva "para fora" de Ipanema, e instantaneamente tudo volta. Por um momento, pois logo depois um ônibus passa fazendo barulho.
A viagem termina, as dúvidas permanecem.