O ônibus fez a curva na Rua Bento Lisboa, no Catete, e mais uma vez, o vi: lá estava ele.
Não parece ser muito velho, nem muito novo; diria que tem uns 30, 40 anos. Está sempre da mesma forma, sem camisa, apenas de bermuda, uma bolsa pochete na cintura.
E está sempre apoiado na grade do portão da vila, o braço esticado, segurando o portão e olhando para a rua. Eu apostaria que ele mora lá, porque a porta do portão (a que dá acesso aos pedestres) está sempre aberta.
Sempre me perguntei o que ele está fazendo ali, sempre parado no mesmo lugar, do mesmo jeito, segurando o portão. Por causa da velocidade do ônibus e pela falta de um ponto em frente, nunca pude analisar melhor a postura, o olhar, o que está fazendo; se espera alguém ou alguma coisa, se está apenas olhando a rua, se está chegando ou saindo.
Quando o ônibus fez a curva dessa vez, o trânsito parou por conta de um engarrafamento. Com o ônibus parado, pude observá-lo melhor: continuava apoiado no portão, o braço estendido apoiado na porta, a bolsa na cintura.
Dessa vez, porém, fez algo de diferente. Ao virar a cabeça, seus olhos encontraram os meus e ele sorriu.
O ônibus acelerou em seguida e partiu rumo ao Leblon. Seria a observação mútua? O que ele está fazendo sempre no mesmo lugar? Ou será que eu é que estou sempre no mesmo ponto?
Patthos
Agora de cara nova
Thursday, March 24, 2011
Tuesday, March 22, 2011
A canção de Yunus
Ouvi essa história há alguns anos atrás e gostaria de compartilhá-la com vocês. Não sei quem é o autor. Para ler e refletir.
Era uma vez um homem que se chamava Yunus e muito desejava o conhecimento. E, em busca dele, andou e andou, até que, finalmente, encontrou um grande mestre e este o aceitou por discípulo.
O mestre era cego e tinha uma mulher que o guiava. Ela era os seus olhos.
Yunus foi viver com eles e os outros discípulos. O lugar era simples; pequenas casas que se organizavam em torno de um amplo pátio. E o mestre deu-lhe por missão varrer diariamente o pátio central. Assim fazia então Yunus: todo o dia, com a vassoura na mão, trabalhava e trabalhava.
De manhã, o mestre atravessava o pátio. Saía de sua casa, e o atravessava sempre guiado pela mulher, até o outro lado, onde ministrava os seus ensinamentos aos outros discípulos. Yunus, então, parava de varrer e, ansioso, esperava que o mestre lhe dirigisse uma palavra qualquer: Mas ele se ia, sem nada dizer: Yunus voltava a varrer e a esperar: assim se passou sete anos, sem nada mudar. Yunus começou a se inquietar: pensava:
- Vim para cá em busca de conhecimento. Mas até agora nada aprendi. O mestre me despreza. Nunca me permite juntar-me aos outros e só me faz varrer: mas aqui a gente o bastante para compreender o seu ensinamento... e etc. etc.
Ia assim pensando Yunus, quando se repente lhe ocorreu:
- Ah! Talvez o mestre me esteja ensinando a humildade. Claro! Como é que não percebi isso antes?
E Yunus, agora motivado, voltou a varrer e a varrer, com entusiasmo. E todas as manhãs o mestre atravessava o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperava que lhe dirigisse a palavra, ansiosamente, mas o mestre passava sem sequer percebê-lo.
E um dia Yunus começou a cantar enquanto varria, só para ouvir uma voz humana.
E varrendo e cantando, varrendo e cantando, prosseguiu.
Mais sete anos se passaram e Yunus enfrentou uma nova crise:
- Afinal, o que tenho eu aprendido aqui? Tenho passado toda a minha vida varrendo este pátio. Enquanto os outros discípulos podem desenvolver o espírito e a mente, ampliar a consciência, ouvindo o mestre. Mas a mim não me é dada a menor chance. Também, vai ver que não sou bom o bastante para juntar-me aos outros. Vai ver que não sirvo mesmo para nada...
E, em meio a tais pensamentos, Yunus não dormiu aquela noite. Já amanhecia quando afinal lhe ocorreu:
- Ah! Já sei! O mestre quer, com isso, ensinar-me a paciência.
Voltou, então, a varrer, mais motivado. E o mestre atravessou o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperou que lhe dirigisse a palavra, mas o mestre nem sequer se deu conta dele.
E Yunus varreu, varreu, varreu e cantou, cantou, cantou, só para ouvir uma voz humana. E cantava qualquer coisa que lhe viesse á cabeça.
Sete anos assim se passaram, quando Yunus experimentou mais uma crise. E esta foi tão forte, tão forte, que não viu outra saída senão abandonar o mestre e sua comunidade, e no meio da noite, Yunus se foi sem nada dizer.
E ele foi andando, andando, sem parar. Muitos dias Yunus andou, sempre em frente. E atravessou um deserto, andando e andando, até que caiu de fome, cansaço e sede. E ele pensou que a morte havia chegado o fim, quando desmaiou. Voltou a si atendido por um homem muito alto que o carregou nos braços para a sua aldeia, deu-lhe de comer e beber e o fez descansar num leito macio.
A aldeia em que agora Yunus se encontrava era um lugar especial. Havia flores e jardins por todos os lados, e seus habitantes eram muito alegres e generosos e tudo dividiam entre si.
Depois de conviver ali alguns dias entre aquelas pessoas de ânimo maravilhoso, Yunus foi convidado a ficar. Mas curioso de saber por que eram assim tão agradáveis, sinceras e amigas, lhes perguntou:
- Como conseguem ser tão alegre e bons?
O homem que levara Yunus para a aldeia respondeu:
- Sabe? Não fomos sempre assim, não. Éramos, antes, tristes, como na maioria das aldeias e cidades.
Éramos egoístas também, violentos, amargos, rancorosos. Mas um dia o vento nos trouxe uma canção que nunca soubemos de onde vinha. E esta canção nos transformou no que hoje somos.
- Uma canção? Mas que canção é essa, com tamanho poder? Cante-a para mim - pediu Yunus
E toda a aldeia cantou para Yunus a canção que os transformara e que ali chegara trazido pelo vento.
Yunus reconheceu:
- Mas esta é a minha canção. A canção que eu cantava enquanto varria o pátio, só para ouvir uma voz humana.
Então Yunus despediu-se dos amigos e da aldeia e voltou correndo para a sua antiga comunidade. E correndo, correndo, sempre em frente, ele atravessou outra vez o deserto e finalmente chegou.
Era noite, já, e quem o recebeu foi a mulher do mestre. Ao encontrá-lo, narrou a ele o quanto o mestre se entristecera com sua ausência.
- Ele por muitos dias lamentou. Até que nos acostumamos a viver sem você. Agora não tenho certeza se ele o aceitará de volta. Mas vamos fazer o seguinte: como já é noite, você se deita no pátio e dorme. De manhã, atravessaremos o pátio, como fazemos todos os dias. E eu darei um jeito para que ele tropece em você. Se ele disser: "Quem é esse que está ai?", você parte, porque isso significa que seu mestre já não o reconhece mais. Entretanto, se disser: "Ô, Yunus, que bom que você está de volta', ai você pode ficar.
Yunus assim fez.
De manhã, quando o mestre atravessava o pátio, tropeçou em seu corpo estendido no caminho e disse:
- Ô, Yunus, que bom que você está de volta.
Yunus, então, pegou sua vassoura e começou a varrer e a cantar. E sua canção ia sendo levada pelo vento, e misturava-se á poeira, espalhando-se por todos os lados, e até nas folhas e flores, nas árvores e na grama, penetrando pelas frestas das portas e janelas, invadindo tudo, todos os lares e todos os corações.
Era uma vez um homem que se chamava Yunus e muito desejava o conhecimento. E, em busca dele, andou e andou, até que, finalmente, encontrou um grande mestre e este o aceitou por discípulo.
O mestre era cego e tinha uma mulher que o guiava. Ela era os seus olhos.
Yunus foi viver com eles e os outros discípulos. O lugar era simples; pequenas casas que se organizavam em torno de um amplo pátio. E o mestre deu-lhe por missão varrer diariamente o pátio central. Assim fazia então Yunus: todo o dia, com a vassoura na mão, trabalhava e trabalhava.
De manhã, o mestre atravessava o pátio. Saía de sua casa, e o atravessava sempre guiado pela mulher, até o outro lado, onde ministrava os seus ensinamentos aos outros discípulos. Yunus, então, parava de varrer e, ansioso, esperava que o mestre lhe dirigisse uma palavra qualquer: Mas ele se ia, sem nada dizer: Yunus voltava a varrer e a esperar: assim se passou sete anos, sem nada mudar. Yunus começou a se inquietar: pensava:
- Vim para cá em busca de conhecimento. Mas até agora nada aprendi. O mestre me despreza. Nunca me permite juntar-me aos outros e só me faz varrer: mas aqui a gente o bastante para compreender o seu ensinamento... e etc. etc.
Ia assim pensando Yunus, quando se repente lhe ocorreu:
- Ah! Talvez o mestre me esteja ensinando a humildade. Claro! Como é que não percebi isso antes?
E Yunus, agora motivado, voltou a varrer e a varrer, com entusiasmo. E todas as manhãs o mestre atravessava o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperava que lhe dirigisse a palavra, ansiosamente, mas o mestre passava sem sequer percebê-lo.
E um dia Yunus começou a cantar enquanto varria, só para ouvir uma voz humana.
E varrendo e cantando, varrendo e cantando, prosseguiu.
Mais sete anos se passaram e Yunus enfrentou uma nova crise:
- Afinal, o que tenho eu aprendido aqui? Tenho passado toda a minha vida varrendo este pátio. Enquanto os outros discípulos podem desenvolver o espírito e a mente, ampliar a consciência, ouvindo o mestre. Mas a mim não me é dada a menor chance. Também, vai ver que não sou bom o bastante para juntar-me aos outros. Vai ver que não sirvo mesmo para nada...
E, em meio a tais pensamentos, Yunus não dormiu aquela noite. Já amanhecia quando afinal lhe ocorreu:
- Ah! Já sei! O mestre quer, com isso, ensinar-me a paciência.
Voltou, então, a varrer, mais motivado. E o mestre atravessou o pátio, guiado por sua mulher, e Yunus esperou que lhe dirigisse a palavra, mas o mestre nem sequer se deu conta dele.
E Yunus varreu, varreu, varreu e cantou, cantou, cantou, só para ouvir uma voz humana. E cantava qualquer coisa que lhe viesse á cabeça.
Sete anos assim se passaram, quando Yunus experimentou mais uma crise. E esta foi tão forte, tão forte, que não viu outra saída senão abandonar o mestre e sua comunidade, e no meio da noite, Yunus se foi sem nada dizer.
E ele foi andando, andando, sem parar. Muitos dias Yunus andou, sempre em frente. E atravessou um deserto, andando e andando, até que caiu de fome, cansaço e sede. E ele pensou que a morte havia chegado o fim, quando desmaiou. Voltou a si atendido por um homem muito alto que o carregou nos braços para a sua aldeia, deu-lhe de comer e beber e o fez descansar num leito macio.
A aldeia em que agora Yunus se encontrava era um lugar especial. Havia flores e jardins por todos os lados, e seus habitantes eram muito alegres e generosos e tudo dividiam entre si.
Depois de conviver ali alguns dias entre aquelas pessoas de ânimo maravilhoso, Yunus foi convidado a ficar. Mas curioso de saber por que eram assim tão agradáveis, sinceras e amigas, lhes perguntou:
- Como conseguem ser tão alegre e bons?
O homem que levara Yunus para a aldeia respondeu:
- Sabe? Não fomos sempre assim, não. Éramos, antes, tristes, como na maioria das aldeias e cidades.
Éramos egoístas também, violentos, amargos, rancorosos. Mas um dia o vento nos trouxe uma canção que nunca soubemos de onde vinha. E esta canção nos transformou no que hoje somos.
- Uma canção? Mas que canção é essa, com tamanho poder? Cante-a para mim - pediu Yunus
E toda a aldeia cantou para Yunus a canção que os transformara e que ali chegara trazido pelo vento.
Yunus reconheceu:
- Mas esta é a minha canção. A canção que eu cantava enquanto varria o pátio, só para ouvir uma voz humana.
Então Yunus despediu-se dos amigos e da aldeia e voltou correndo para a sua antiga comunidade. E correndo, correndo, sempre em frente, ele atravessou outra vez o deserto e finalmente chegou.
Era noite, já, e quem o recebeu foi a mulher do mestre. Ao encontrá-lo, narrou a ele o quanto o mestre se entristecera com sua ausência.
- Ele por muitos dias lamentou. Até que nos acostumamos a viver sem você. Agora não tenho certeza se ele o aceitará de volta. Mas vamos fazer o seguinte: como já é noite, você se deita no pátio e dorme. De manhã, atravessaremos o pátio, como fazemos todos os dias. E eu darei um jeito para que ele tropece em você. Se ele disser: "Quem é esse que está ai?", você parte, porque isso significa que seu mestre já não o reconhece mais. Entretanto, se disser: "Ô, Yunus, que bom que você está de volta', ai você pode ficar.
Yunus assim fez.
De manhã, quando o mestre atravessava o pátio, tropeçou em seu corpo estendido no caminho e disse:
- Ô, Yunus, que bom que você está de volta.
Yunus, então, pegou sua vassoura e começou a varrer e a cantar. E sua canção ia sendo levada pelo vento, e misturava-se á poeira, espalhando-se por todos os lados, e até nas folhas e flores, nas árvores e na grama, penetrando pelas frestas das portas e janelas, invadindo tudo, todos os lares e todos os corações.
Friday, December 31, 2010
Feliz 2011
Já chegou o Ano Novo,
Natal ficou pra trás!
E essa noite começa,
Um ano mais!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
Para o ano que entra,
Eu só peço a paz!
Amor pra toda a gente,
E nada mais!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
(Roberto Gomez Bolaños)
Pessoal, quero agradecer de coração a todos os leitores do blog, que comemorou seis anos de vida em outubro. Obrigado pela força e por estarem sempre comigo, este espaço não existiria sem vocês. Feliz Ano Novo a todos, e nos vemos em 2011!
Natal ficou pra trás!
E essa noite começa,
Um ano mais!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
Para o ano que entra,
Eu só peço a paz!
Amor pra toda a gente,
E nada mais!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
Um ano mais!
Um ano mais!
Que todos tenham,
Amor e paz!
(Roberto Gomez Bolaños)
Pessoal, quero agradecer de coração a todos os leitores do blog, que comemorou seis anos de vida em outubro. Obrigado pela força e por estarem sempre comigo, este espaço não existiria sem vocês. Feliz Ano Novo a todos, e nos vemos em 2011!
Tuesday, December 07, 2010
As luzes da cidade
As luzes sempre me fascinaram. Desde pequeno, desde garoto, tenho paixão por luzes. Desde as lâmpadas das ruas, passando pelas inesquecíveis iluminações de Natal e pelo reflexo das lâmpadas na água da Lagoa e nas paredes dos túneis, até, por fim, as mais belas e fascinantes das luzes, aquelas "luzes da cidade", acesas ao longe, nos prédios, ruas e avenidas, um monte, assim, umas sobre, e do lado, e perto das outras, formando um mosaico brilhante que é suficiente para me deixar em êxtase.
Mas há um espetáculo de luzes que consegue mesmo superar o mosaico luminoso da cidade ao longe: é vê-las mais de longe, do alto, quando o avião começa a descer depois que a noite já caiu. E que me desculpem todas as belas cidades do mundo, mas, nesse ponto, o Rio de Janeiro, com suas curvas e paisagens, é insuperável.
O sinal para isso vem quando o avião dá um pequeno solavanco, indicando que está perdendo altura; então começa a fazer curvas leves, para lá e para cá, à medida que começa a descer. Abrindo a janelinha, é possível perceber a cidade lá embaixo, se aproximando.
O avião então costuma continuar fazendo curvas, descendo mais e mais; agora já é possível observar com mais clareza os primeiros morros, as primeiras avenidas, ruas, e os carros passando lá embaixo; chega a ser divertido brincar, tentando, pelas luzes, pelo formato dos morros e prédios, advinhar por quais locais da cidade estamos passando.
E lá estão elas, belas, brilhantes, completas: luzes por todos os lados, em casas, prédios, avenidas, ruas, carros; formando mosaicos, amontoados, formas distintas, mostrando e identificando cada parte da cidade, cada local, cada bairro, cada edifício, cada favela; e com o avião mais baixo, os mosaicos ficam mais claros, permitindo identificar melhor os locais. Mas saber quais são, ah, ainda é um exercício de advinhação...
Até o momento em que as curvas ficam mais claras, e o avião está tão baixo que só o que se vê é uma determinada parte da cidade; é a sensação clara que estamos descendo. Fim do espetáculo, mas início do retorno à cidade, abençoado, sempre, pelo êxtase luminoso.
Eu realmente adoro luzes.
Mas há um espetáculo de luzes que consegue mesmo superar o mosaico luminoso da cidade ao longe: é vê-las mais de longe, do alto, quando o avião começa a descer depois que a noite já caiu. E que me desculpem todas as belas cidades do mundo, mas, nesse ponto, o Rio de Janeiro, com suas curvas e paisagens, é insuperável.
O sinal para isso vem quando o avião dá um pequeno solavanco, indicando que está perdendo altura; então começa a fazer curvas leves, para lá e para cá, à medida que começa a descer. Abrindo a janelinha, é possível perceber a cidade lá embaixo, se aproximando.
O avião então costuma continuar fazendo curvas, descendo mais e mais; agora já é possível observar com mais clareza os primeiros morros, as primeiras avenidas, ruas, e os carros passando lá embaixo; chega a ser divertido brincar, tentando, pelas luzes, pelo formato dos morros e prédios, advinhar por quais locais da cidade estamos passando.
E lá estão elas, belas, brilhantes, completas: luzes por todos os lados, em casas, prédios, avenidas, ruas, carros; formando mosaicos, amontoados, formas distintas, mostrando e identificando cada parte da cidade, cada local, cada bairro, cada edifício, cada favela; e com o avião mais baixo, os mosaicos ficam mais claros, permitindo identificar melhor os locais. Mas saber quais são, ah, ainda é um exercício de advinhação...
Até o momento em que as curvas ficam mais claras, e o avião está tão baixo que só o que se vê é uma determinada parte da cidade; é a sensação clara que estamos descendo. Fim do espetáculo, mas início do retorno à cidade, abençoado, sempre, pelo êxtase luminoso.
Eu realmente adoro luzes.
Sunday, October 24, 2010
O Bêbado Equilibrista
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...
Não, definitivamente, não era de tarde. E ele não vestia luto, como na música da Elis Regina. Ou será que vestia?
Lembro que ele devia ter 50 anos, usava barba, estava apenas de bermuda e camiseta, e descalço. Uma bermuda velha, esfiapada e curta, cinza. No peito, levava uma camisa amarela, com a inscrição de um congresso espírita. Chegou, assim, entre as ruas Gomes Freire e Inválidos, na Lapa, vindo não se sabe de onde, e indo para não se sabe o rumo.
O andar era torto, e, pela impressão que tive, estava bêbado, mesmo, com dificuldades para ficar em pé. Nunca saberei ao certo; sei que ele vinha catando latas. Uma por uma, ia pegando as latas do chão, e, cada vez que se levantava, tinha que se equilibrar para não cair.
Lembro que ele chegou perto, e já tinha quatro latas, duas em cada mão. Ao ver a quinta no chão, tentou se abaixar para pegar, mas as latas caíram, se espalhando por todos os lados. Com uma paciência de santo, ele se abaixou e começou a catar todas, uma por uma.
Não conseguiu; depois de pegar três, perdeu o equilíbrio, bambeou e quase caiu de cara no chão. A cena provocou risadas em algumas pessoas que passavam; outras olharam com pena; e houve quem desprezasse o esforço do bêbado.
Ele bambeou, mas conseguiu manter a força nas pernas e seguiu de pé, com as latas na mão. Sem ter como segurar a quinta, que havia caído na rua, longe da calçada, se abaixou e mordeu a lata, segurando-a com a boca. Bebendo o conteúdo, seguiu seu caminho, com as quatro latas na mão e uma na boca.
Seria um catador? Um bêbado? Um mendigo?
Quem sabe...não tive a oportunidade de perguntar. Mas, diante da cena que choca, que entristece, que nos faz refletir sobre a condição humana, penso no Bêbado Equilibrista...e penso...
Em nenhum momento ele desistiu. Fosse como fosse, seu empenho era pegar a lata, e conseguiu.
Quantas vezes, na vida, é justamente isso que nos falta? Talvez ainda tenhamos algo a aprender com o Bêbado Equilibrista...
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...
(Elis Regina, o Bêbado e o Equilibrista)
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...
Não, definitivamente, não era de tarde. E ele não vestia luto, como na música da Elis Regina. Ou será que vestia?
Lembro que ele devia ter 50 anos, usava barba, estava apenas de bermuda e camiseta, e descalço. Uma bermuda velha, esfiapada e curta, cinza. No peito, levava uma camisa amarela, com a inscrição de um congresso espírita. Chegou, assim, entre as ruas Gomes Freire e Inválidos, na Lapa, vindo não se sabe de onde, e indo para não se sabe o rumo.
O andar era torto, e, pela impressão que tive, estava bêbado, mesmo, com dificuldades para ficar em pé. Nunca saberei ao certo; sei que ele vinha catando latas. Uma por uma, ia pegando as latas do chão, e, cada vez que se levantava, tinha que se equilibrar para não cair.
Lembro que ele chegou perto, e já tinha quatro latas, duas em cada mão. Ao ver a quinta no chão, tentou se abaixar para pegar, mas as latas caíram, se espalhando por todos os lados. Com uma paciência de santo, ele se abaixou e começou a catar todas, uma por uma.
Não conseguiu; depois de pegar três, perdeu o equilíbrio, bambeou e quase caiu de cara no chão. A cena provocou risadas em algumas pessoas que passavam; outras olharam com pena; e houve quem desprezasse o esforço do bêbado.
Ele bambeou, mas conseguiu manter a força nas pernas e seguiu de pé, com as latas na mão. Sem ter como segurar a quinta, que havia caído na rua, longe da calçada, se abaixou e mordeu a lata, segurando-a com a boca. Bebendo o conteúdo, seguiu seu caminho, com as quatro latas na mão e uma na boca.
Seria um catador? Um bêbado? Um mendigo?
Quem sabe...não tive a oportunidade de perguntar. Mas, diante da cena que choca, que entristece, que nos faz refletir sobre a condição humana, penso no Bêbado Equilibrista...e penso...
Em nenhum momento ele desistiu. Fosse como fosse, seu empenho era pegar a lata, e conseguiu.
Quantas vezes, na vida, é justamente isso que nos falta? Talvez ainda tenhamos algo a aprender com o Bêbado Equilibrista...
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...
(Elis Regina, o Bêbado e o Equilibrista)
Tuesday, October 19, 2010
O Gigante e eu
Ah, Gigante, eu estava com saudades. Olhar, assim, você, de cima, mesmo que vazio, me trás várias lembranças. Várias não...muitas. Inúmeras.
Lembro que, quando cheguei aqui hoje, nem tinha me dado conta disso. Mas algo começou a mexer comigo quando vi um rapaz limpando o busto do Mario Filho, na entrada do hall dos elevadores do estádio. Com habilidade, ele esfregava uma flanela no busto, ia e vinha, lustrava bastante, e cada vez o rosto do famoso jornalista que dá nome ao Maracanã parecia mais brilhante. Em um olhar amplo, é uma síntese do que vem ocorrendo do lado de dentro.
À medida que se sobe nas arquibancadas, é possível ter ideia do tamanho da obra. Lá embaixo, as cadeiras comuns onde me sentei na primeira vez que vim aqui, naquele longínquo 1992, não existem mais. Aos poucos, o espaço ocupado por elas vai sendo destruído por escavadeiras, que trabalham sem parar.
A parte das arquibancadas segue quase intacta, não fosse pela retirada das cadeiras que formavam esse setor do estádio. Não sei qual é a magia que possui o Gigante, mas, simplesmente de ficar aqui, em pé, com o estádio vazio e em obras, olhando para o campo, quase posso ouvir o barulho da torcida. Quase posso ver as faixas, as bandeiras, os jogadores se movimentando, trocando passes, se aquecendo...
Quase posso ver a bola, rainha do espetáculo, sendo chutada com brilho, com categoria, e balançando as redes, no momento mais mágico do futebol. Um simples momento, mas, que de tão espetacular, é capaz de fazer vinte, trinta, quarenta, cinquenta mil pessoas pularem alto e ao mesmo tempo, gritarem, festejarem, sentirem a felicidade pulsar nas veias, beijar o escudo da camisa, abraçar os amigos, os inimigos e os desconhecidos.
Ao olhar o Gigante assim, quase posso ver Júnior Baiano, Marcos Assunção, Romário, Petkovic, Edmundo, Felipe, e tantos outros que marcaram minha vida, todos balançando as redes (não tive a honra de ver Zico jogando ao vivo). Caminho mais, ando mais, e vou me lembrando de outros jogos, outros momentos, do meu pai, dos amigos, e dá uma saudade...
Ao mesmo tempo, dá uma vontade de sair gritando gol, de comemorar, de festejar muito, essa coisa louca que só o Maracanã tem.
Sei que só poderei voltar para ver um jogo de futebol aqui no fim de 2012, ou quem sabe, só em 2013. Mas tenho certeza que, pelo Maracanã, valerá a pena esperar cada segundo.
E, ao deixar o estádio, me viro para o campo e digo, com saudade e esperança no peito: "Até logo, Gigante!"
Lembro que, quando cheguei aqui hoje, nem tinha me dado conta disso. Mas algo começou a mexer comigo quando vi um rapaz limpando o busto do Mario Filho, na entrada do hall dos elevadores do estádio. Com habilidade, ele esfregava uma flanela no busto, ia e vinha, lustrava bastante, e cada vez o rosto do famoso jornalista que dá nome ao Maracanã parecia mais brilhante. Em um olhar amplo, é uma síntese do que vem ocorrendo do lado de dentro.
À medida que se sobe nas arquibancadas, é possível ter ideia do tamanho da obra. Lá embaixo, as cadeiras comuns onde me sentei na primeira vez que vim aqui, naquele longínquo 1992, não existem mais. Aos poucos, o espaço ocupado por elas vai sendo destruído por escavadeiras, que trabalham sem parar.
A parte das arquibancadas segue quase intacta, não fosse pela retirada das cadeiras que formavam esse setor do estádio. Não sei qual é a magia que possui o Gigante, mas, simplesmente de ficar aqui, em pé, com o estádio vazio e em obras, olhando para o campo, quase posso ouvir o barulho da torcida. Quase posso ver as faixas, as bandeiras, os jogadores se movimentando, trocando passes, se aquecendo...
Quase posso ver a bola, rainha do espetáculo, sendo chutada com brilho, com categoria, e balançando as redes, no momento mais mágico do futebol. Um simples momento, mas, que de tão espetacular, é capaz de fazer vinte, trinta, quarenta, cinquenta mil pessoas pularem alto e ao mesmo tempo, gritarem, festejarem, sentirem a felicidade pulsar nas veias, beijar o escudo da camisa, abraçar os amigos, os inimigos e os desconhecidos.
Ao olhar o Gigante assim, quase posso ver Júnior Baiano, Marcos Assunção, Romário, Petkovic, Edmundo, Felipe, e tantos outros que marcaram minha vida, todos balançando as redes (não tive a honra de ver Zico jogando ao vivo). Caminho mais, ando mais, e vou me lembrando de outros jogos, outros momentos, do meu pai, dos amigos, e dá uma saudade...
Ao mesmo tempo, dá uma vontade de sair gritando gol, de comemorar, de festejar muito, essa coisa louca que só o Maracanã tem.
Sei que só poderei voltar para ver um jogo de futebol aqui no fim de 2012, ou quem sabe, só em 2013. Mas tenho certeza que, pelo Maracanã, valerá a pena esperar cada segundo.
E, ao deixar o estádio, me viro para o campo e digo, com saudade e esperança no peito: "Até logo, Gigante!"
Thursday, October 07, 2010
Luís e as janelas
O Luís era apaixonado por janelas. Desde pequeno gostava de parar diante dos edifícios e ficar observando o que conseguia. Sua paixão, sua diversão, era ficar tentando adivinhar o que se passava do outro lado.
"Mamãe, olha naquela janela ali...o moço abraçou a moça...e eles estão tirando a roupa, estão deitados..."
"Vamos embora, menino!!!"
Diziam que era enxerido, metido, que gostava de ficar controlando a vida dos outros, e que precisava arrumar algo melhor pra fazer. Ele nem ligava.
"Papai, olha aquele gordinho de cueca ali...já é o quinto pedaço de pudim que ele come!"
"Deixa de ser enxerido, menino!"
Foi crescendo, e, já adulto, a brincadeira virou quase um hobby.
"Hum...veja...aquele apartamento ali tem uma lâmpada sem lustre. Isso significa que o dono é ou uma pessoa sem dinheiro, ou descuidada, do tipo que tem uma bagunça tão grande que sai tropeçando nas coisas. E veja aquele móvel ali...colocado quase junto da janela. Isso significa que a pessoa não tem espaço no apartamento..."
Namoradas, teve várias: todas duraram dez minutos. Mal saía de algum lugar, lá estava o Luís procurando janelas com luzes acesas, ou tentando enxergar por trás do apartamento apagado mesmo, tentando descobrir o que acontecia do outro lado.
"Veja, gata...aquele apartamento apagado ali tem vários caixotes. Devem estar de mudança..."
"Eu pensei...a gente talvez pudesse ir pra algum lugar mais calmo..."
"E olha só, acendeu a luz! Acendeu a luz! E veio correndo! Ali deve ser o banheiro, e ele deve estar apertado! Veja, gata...ei? Gata? Cadê você?"
Os amigos diziam para ele parar com aquela mania, que já estava passando dos limites. Já tinha quase 30 e continuava estudando janelas.
"Luís, deixa disso, rapaz...vai viver a vida, encontrar uma mulher decente, sair pra se divertir...fica só vendo janela..."
"Mas Arnaldo, você não entende! É mais forte do que eu...é algo tão interessante! E tão divertido..."
Luís tentava, se esforçava para parar com aquilo, mas, mal se distraía e já estava ele de novo estudando janelas. Foi quando aconteceu. Vinha de ônibus e acabara de passar pela Rua Belford Roxo, em Copacabana, quando, observando uma janela, teve um impulso estranho e desceu no ponto seguinte.
Lá em cima, diante da janela, estava uma morena linda, cabelos longos, vestida com uma blusa azul, e uma calça - que ele não pôde identificar, porque estava embaixo e a moça estava debruçada. Fascinado, Luís ficou olhando, olhando, sem vontade alguma de ir embora ou fazer qualquer outra coisa. E teve a impressão de que os olhares se cruzaram mais de uma vez.
E assim ficou até que ela se retirou dali. Decidido, voltou no dia seguinte, no mesmo horário, e encontrou a moça no mesmo lugar. E ficou lá, olhando. E assim foi a semana inteira, o mês inteiro. Todos juravam que ele finalmente havia encontrado alguém e esquecido a bobagem da janela; mas na verdade estava lá, mais firme do que nunca.
Até o dia em que, ao lado da moça na janela, apareceu um homem. E a beijou.
Luís ficou arrasado. Tão arrasado que foi para casa e chorou três dias seguidos. No trabalho, ninguém entendeu porque ele insistia em usar óculos escuros o tempo inteiro.
"É que a luz aqui me incomoda..."
"Mas nunca incomodou antes..."
"Ah...descobri ontem que tenho alergia à luz..."
"Alergia à luz? Nunca ouvi falar..."
"É claro que nunca ouviu falar...se é luz, é algo para ser visto..."
Refeito do problema, jurou que nunca mais ficaria olhando janelas.
"Ah, é melhor assim, Luís. Você agora mudou de rumo. Adorei saber disso!"
"Pois é, Arnaldo, nunca mais vou olhar janelas!"
"Isso mesmo!"
"Agora só olho portarias!"
"Mamãe, olha naquela janela ali...o moço abraçou a moça...e eles estão tirando a roupa, estão deitados..."
"Vamos embora, menino!!!"
Diziam que era enxerido, metido, que gostava de ficar controlando a vida dos outros, e que precisava arrumar algo melhor pra fazer. Ele nem ligava.
"Papai, olha aquele gordinho de cueca ali...já é o quinto pedaço de pudim que ele come!"
"Deixa de ser enxerido, menino!"
Foi crescendo, e, já adulto, a brincadeira virou quase um hobby.
"Hum...veja...aquele apartamento ali tem uma lâmpada sem lustre. Isso significa que o dono é ou uma pessoa sem dinheiro, ou descuidada, do tipo que tem uma bagunça tão grande que sai tropeçando nas coisas. E veja aquele móvel ali...colocado quase junto da janela. Isso significa que a pessoa não tem espaço no apartamento..."
Namoradas, teve várias: todas duraram dez minutos. Mal saía de algum lugar, lá estava o Luís procurando janelas com luzes acesas, ou tentando enxergar por trás do apartamento apagado mesmo, tentando descobrir o que acontecia do outro lado.
"Veja, gata...aquele apartamento apagado ali tem vários caixotes. Devem estar de mudança..."
"Eu pensei...a gente talvez pudesse ir pra algum lugar mais calmo..."
"E olha só, acendeu a luz! Acendeu a luz! E veio correndo! Ali deve ser o banheiro, e ele deve estar apertado! Veja, gata...ei? Gata? Cadê você?"
Os amigos diziam para ele parar com aquela mania, que já estava passando dos limites. Já tinha quase 30 e continuava estudando janelas.
"Luís, deixa disso, rapaz...vai viver a vida, encontrar uma mulher decente, sair pra se divertir...fica só vendo janela..."
"Mas Arnaldo, você não entende! É mais forte do que eu...é algo tão interessante! E tão divertido..."
Luís tentava, se esforçava para parar com aquilo, mas, mal se distraía e já estava ele de novo estudando janelas. Foi quando aconteceu. Vinha de ônibus e acabara de passar pela Rua Belford Roxo, em Copacabana, quando, observando uma janela, teve um impulso estranho e desceu no ponto seguinte.
Lá em cima, diante da janela, estava uma morena linda, cabelos longos, vestida com uma blusa azul, e uma calça - que ele não pôde identificar, porque estava embaixo e a moça estava debruçada. Fascinado, Luís ficou olhando, olhando, sem vontade alguma de ir embora ou fazer qualquer outra coisa. E teve a impressão de que os olhares se cruzaram mais de uma vez.
E assim ficou até que ela se retirou dali. Decidido, voltou no dia seguinte, no mesmo horário, e encontrou a moça no mesmo lugar. E ficou lá, olhando. E assim foi a semana inteira, o mês inteiro. Todos juravam que ele finalmente havia encontrado alguém e esquecido a bobagem da janela; mas na verdade estava lá, mais firme do que nunca.
Até o dia em que, ao lado da moça na janela, apareceu um homem. E a beijou.
Luís ficou arrasado. Tão arrasado que foi para casa e chorou três dias seguidos. No trabalho, ninguém entendeu porque ele insistia em usar óculos escuros o tempo inteiro.
"É que a luz aqui me incomoda..."
"Mas nunca incomodou antes..."
"Ah...descobri ontem que tenho alergia à luz..."
"Alergia à luz? Nunca ouvi falar..."
"É claro que nunca ouviu falar...se é luz, é algo para ser visto..."
Refeito do problema, jurou que nunca mais ficaria olhando janelas.
"Ah, é melhor assim, Luís. Você agora mudou de rumo. Adorei saber disso!"
"Pois é, Arnaldo, nunca mais vou olhar janelas!"
"Isso mesmo!"
"Agora só olho portarias!"
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